“Endogamia”, “nepotismo” e as comparações a Trump: como a polémica dos familiares no Governo é vista lá fora

Imprensa internacional acompanha a sucessão de casos de nomeações de familiares para cargos públicos em Portugal.

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LUSA/ANTONIO COTRIM

A discussão sobre os laços familiares existentes no seio do actual no Governo – que já levou à demissão, nesta quarta-feira, do secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, depois de vir a público que este tinha nomeado para seu adjunto o primo Armindo dos Santos Alves (que também já se demitiu) – ultrapassou o território português, com jornais e agências internacionais a noticiarem as acusações de que o Governo socialista tem sido alvo.

Em Espanha, o El País noticiava ainda no final do mês de Março que “passado um mês desde a última remodelação do Executivo liderado por António Costa (do Partido Socialista), os seus parceiros parlamentares (Bloco de Esquerda e Partido Comunista) e a oposição conservadora começam a contestar um Governo repleto de familiares”.

A endogamia política de um país pequeno com uma classe dirigente escassa chegou ao extremo de se sentarem no mesmo conselho de ministros um casal e um pai e uma filha. Assim, pelo menos, levantar-se-ão suspeitas sobre as relações entre os dirigentes dos ministérios da Presidência e da Modernização Administrativa, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, da Administração Interna e do Mar. São todos familiares”, escrevia o El País.

O diário espanhol recordava que a 18 de Fevereiro, António Costa – “a quem nem os incêndios nem as greves parecem prejudicar nas sondagens”, escreve –, nomeou Mariana Vieira da Silva para ministra da Presidência e da Modernização Administrativa e filha do ministro do Trabalho, José António Vieira da Silva, sublinhando ainda o facto de a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, ser mulher do ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita.

Fazendo referência aos laços familiares entre outros membros do actual Governo, como é o caso do ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e a sua mulher, Ana Catarina Gamboa, eleita chefe do gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, “ao mesmo tempo que a esposa de Duarte Cordeiro é escolhida pelo Governo para gerir um fundo recentemente criado de 55 milhões de euros”, ou o facto de o ex-ministro Luís Marques Mendes ser irmão da deputada do PSD Clara Marques Mendes, sublinha o El País que “a endogamia política em Portugal não é algo de novo”.

Ao fazer o histórico do fenómeno, o jornal espanhol incorre contudo em algumas incorrecções quando, por exemplo, refere que “hoje sentam-se no conselho de ministros titulares de pastas que já o eram há quase meio século, com António Guterres ou José Sócrates”. (Há quase meio século, Portugal ainda estava sob a ditadura do Estado Novo e a quase trinta anos do primeiro governo de Guterres) Ou quando diz erradamente que “Ana Paula Vitorino, ministra do Mar, é filha de António Vitorino”.

As semelhanças com a Casa Branca de Trump

“O mundo pode-se ter habituado a [ver] Ivanka e Jared [filha e genro de Donald Trump] na Casa Branca mas os laços familiares também estão a causar confusão na política portuguesa”, começa por escrever a edição europeia do Politico, jornal político de origem norte-americana.

Fazendo novamente referência às relações de parentesco no Governo de António Costa, a publicação sublinha que esta polémica tem levado a acusações de nepotismo por parte da oposição que têm vindo a abalar o Governo socialista meses antes das eleições legislativas marcadas para Outubro. A publicação faz ainda referência a 27 pessoas com laços familiares entre si, com algum deputado, ex-dirigente do PS ou que foram nomeadas para um organismo estatal que passaram ou ainda estão no Governo socialista, segundo a contabilidade do Jornal Económico.

O Politico faz ainda referência ao facto, tal como salientou ao PÚBLICO Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, de a nomeação de familiares para o Governo poder ter impacto na percepção que as pessoas têm da política e ao nível dos conflitos de interesse. “Dá a impressão que precisas de um familiar para puxar os cordelinhos para que consigas ter uma carreira política”, explica Luís de Sousa citado pelo Politico. Quanto à nomeação de ministros, sublinha o investigador, “é necessário ser transparente e mostrar o mérito da pessoa além dos laços familiares”. “Não é suficiente dizer que uma determinada escolha se baseia na confiança política”, conclui.

“Vai contra o princípio da imparcialidade”

O Politico ouviu ainda o eurodeputado do PSD Paulo Rangel, que fez notar à publicação que a nomeação de familiares “vai contra o princípio da imparcialidade” e que não há nenhum outro caso comparável de um “Governo democrático europeu com tantas relações cruzadas numa estrutura governamental”.

Já o eurodeputado do PS Carlos Zorrinho disse à mesma publicação que o facto de a direita se estar a focar neste escândalo é um sinal de que o cenário em Portugal é favorável. “Quando este é o grande debate apresentado pela oposição, é um sinal que outros temas da sociedade e economia estão a correr bem. A oposição está focada nisto porque não tem espaço de manobra noutros tópicos”, disse Carlos Zorrinho ao Politico.

Nesta quinta-feira, as agências Reuters e Associated Press noticiaram também a demissão do secretário de Estado do Ambiente Carlos Martins, com a palavra “nepotismo” novamente a ecoar, algo que, segundo a Reuters, “poderá abalar os socialistas no poder antes das eleições de Outubro”. Ainda assim, de acordo com sondagens referidas pela Reuters, o PS continua a liderar as intenções de voto com cerca de 38% das preferências.

Já a Bloomberg explica que Carlos Martins e Armindo dos Santos Alves foram os primeiros a demitir-se depois de o primeiro-ministro António Costa ter sido criticado por causa das relações familiares no seu Governo. “A ideia de que este é um Governo fechado é falsa. Nunca nomeei ninguém por causa dos seus laços familiares”, disse Costa no Parlamento nesta quinta-feira, citado pela Bloomberg.

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