Maria João Gregório: “É possível mudar os hábitos alimentares dos portugueses”

Aos 32 anos, Maria João Gregório é a segunda directora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Distribuição de cabazes a famílias mais carenciadas e educação para uma alimentação completa e sustentável são dois dos objectivos da nutricionista.

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Maria João Gregório Inês Fernandes

Um Portugal menos obeso, uma população mais saudável e, consequentemente, mais feliz — porque “uma alimentação regrada tem mais influência no nosso bem-estar do que pensamos”. Há uma to do list em curso no que toca à alimentação saudável em Portugal e é Maria João Gregório, a nutricionista de 32 anos que, em Março, se tornou na segunda directora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) quem vai fazer o check de cada objectivo. 

Para a nutricionista, este não é um começo, mas uma continuidade, uma vez que sucedeu a Pedro Graça, nutricionista que coordenava o programa desde que este foi criado, em 2012. A prioridade continua a ser tornar Portugal num ambiente “menos obesogénico” e mais saudável, mas há mais cartas nas mangas de Maria João.

O PNPAS já tem vários projectos ligados à alimentação e à educação. No entanto, ainda existem domínios onde Maria João acredita que o programa deve ter uma intervenção mais forte. “Temos projectos para escolas e para instituições de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas para as faculdades ainda não há uma estratégia definida. Sabemos que a nível local cada instituição tem algo a ser feito, mas continuamos a ter as máquinas de venda automática só com alimentos muito pouco saudáveis”, explica a nutricionista. 

Para Maria João, a percepção dos portugueses sobre o que é alimentar-se de uma forma saudável aumentou bastante nos últimos anos, muito graças à comunicação feita por várias instituições. No entanto, o excesso de comunicação também é um problema. “Às vezes tanto se quer informar que se desinforma o público porque este é um tema que está muito na moda.”

Desde que tomou posse, a nova directora do PNPAS já fechou um acordo com o sector da distribuição para reduzir a quantidade de açúcar, sal e ácidos gordos nos alimentos. “E foi também publicada uma lei sobre o marketing alimentar dirigido a crianças, uma das nossas grandes lutas durante os últimos anos”, refere. A lei vai definir com clareza o perfil nutricional para os produtos que vão ficar de fora e que não poderão ser publicitados em Portugal. 

Outra das batalhas de Maria João será aproximar o programa das questões da sustentabilidade ambiental, para que os portugueses possam, por um lado, alimentar-se bem, e, por outro, fazê-lo com a certeza de que se alimentam de uma forma consciente.

Com o ex-coordenador, Maria João partilha a vontade de continuar projectos que funcionam e já estão em curso porque “há sempre espaço para crescer”. “Nós queremos sempre identificar problemas, mas também encontrar soluções para eles. Uma das grandes formas de lidar com a carência alimentar são os programas de ajuda às famílias carenciadas. O que sabemos destes projectos é que muitas vezes não distribuem os alimentos que estas pessoas precisam porque a logística é difícil — tudo o que são alimentos perecíveis (carnes, pescado, hortícolas) ficam de fora”, descreve a directora do PNPAS. 

Parte do problema já foi solucionada. A Direcção-Geral de Saúde começou a trabalhar em parceria com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e assim consegue distribuir um cabaz de alimentos que cumpre as recomendações para uma alimentação saudável, incluindo alimentos perecíveis. “Hoje existe em Portugal uma distribuição de alimentos que acontece de forma mensal e permite assegurar 50% das necessidades nutricionais de quem o recebe. Neste momento temos quase todos os grupos da roda dos alimentos nestes cabazes.”

Uma cadeira na faculdade e um estágio no Brasil

A paixão de Maria João Gregório pela nutrição já estava presente quando escolheu licenciar-se na área pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Mas, para a agora nova directora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direcção-Geral da Saúde, existem dois momentos em concreto que a aproximaram da política nutricional. 

O primeiro momento foram as aulas de uma cadeira leccionada por Pedro Graça, também nutricionista e antigo director do programa que Maria João coordena agora. “As aulas eram interessantíssimas, mas tudo o que aprendíamos na verdade não existia em Portugal porque em 2007 ainda não tínhamos uma estratégia nacional nesta área. Era tudo uma utopia e algo distante da realidade na prática.”

O interesse pela nutrição cresceu ainda mais quando chegou a altura de a nutricionista realizar o estágio académico integrado no último ano da licenciatura em Ciências da Nutrição. A opção de Maria João foi fazer um intercâmbio na Universidade de Brasília, no Brasil. A política da instituição era atribuir aleatoriamente aos alunos os seus locais de estágio, tendo em conta três  diferentes áreas de actuação do nutricionista: nutrição clínica, alimentação colectiva e nutrição e saúde pública.

“O local que me foi atribuído enquadrava-se na área da saúde pública e acabei por ir parar ao Ministério da Saúde do Brasil. Foi nesse momento que consegui começar a perceber o que é que na prática era uma política nutricional porque o Brasil tem uma tradição já muito longa nesta área, com planos implementados desde 1999 e muitos trabalhos já feitos”, conta. 

Quando regressou a Portugal, ingressou no doutoramento em Ciências do Consumo Alimentar e Nutrição já com o interesse de dar continuidade ao trabalho que tinha iniciado durante o estágio. Com Pedro Graça — quando o nutricionista foi convidado para assumir o cargo de coordenador da Plataforma contra a Obesidade —, Maria João Gregório ajudou a desenhar as bases para o PNPAS.

“No meu doutoramento foquei-me na área das desigualdades sociais no acesso à alimentação, que em 2009 coincidiu com o período de crise económica em Portugal. Houve uma necessidade de implementar um sistema de monitorização da insegurança alimentar. Nós sabíamos, e a evidência científica dizia-nos, que as doenças crónicas são mais prevalentes nos grupos de população mais vulneráveis e que estes têm um padrão alimentar menos próximo daquilo que é uma alimentação saudável”, diz Maria João Gregório.

Depois destes dois momentos, Maria João começou a perceber que não bastava encontrar evidências científicas da existência de problemas alimentares em Portugal, mas que era preciso tirá-los do papel. “É preciso trabalho”, garante e nutricionista. “Mas é possível mudar os hábitos alimentares dos portugueses.”

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