O fim da NATO
Os aliados europeus ainda não encontraram o seu lugar na nova competição estratégica dominada pelos Estados Unidos, pela China e pela Rússia. O sentido das suas decisões vai decidir o futuro da NATO.
O fim da Aliança Atlântica é um tema obrigatório nos estudos históricos sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). Os ensaios pessimistas mais conhecidos sobre o futuro da comunidade transatlântica incluem The Troubled Partnership, que Henry Kissinger publicou em 1965, e The Disintegrating West, escrito em 1979 por Mary Kaldor. Em 1987, nas vésperas da queda do Muro de Berlim, François Heisbourg publicava na International Affairs um artigo cujo título era Can the Atlantic Alliance last out the century?
A lista é extensa e aumentou no fim da Guerra Fria, quando os principais representantes da escola realista — Kenneth Waltz, Stephen Walt, John Mearsheimer — anteciparam o fim da NATO, obsoleta depois da unificação alemã e da dissolução da União Soviética. Mearsheimer acrescentou que a retirada das tropas norte-americanas estacionadas na Alemanha desde 1945 significaria o regresso da competição estratégica entre as potências europeias e, em 1991, as guerras jugoslavas, que mostraram as divisões entre Londres, Paris e Bona, pareciam dar-lhe razão.
Depois de um longo intervalo, em 1995, o Presidente Bill Clinton decidiu pôr fim à Guerra da Bósnia-Herzegovina e reinventar uma fórmula para garantir a continuidade da NATO no pós-Guerra Fria. Os aliados formaram a Força de Intervenção (IFOR) para separar as facções locais e, pela primeira vez, a NATO mobilizou a sua estrutura para intervir militarmente num conflito; paralelamente, os Estados Unidos alinharam com a estratégia da Alemanha para assegurar o alargamento da NATO e da União Europeia e integrar a Polónia, a República Checa e a Hungria na nova Europa livre e unida. As forças norte-americanas, embora em números mais reduzidos, continuam na Alemanha e no centro da Europa.
Os aliados recorreram à mesma fórmula para ultrapassar a crise transatlântica provocada pela invasão anglo-americana do Iraque em 2003. As tropas da NATO tomaram conta da Força de Estabilização (ISAF) no Afeganistão e, nos meses seguintes completaram o duplo alargamento da NATO e da União Europeia para enquadrar o conjunto das democracias pós-comunistas nas instituições que sustentam a comunidade de segurança ocidental.
A fórmula do alargamento foi posta em causa pela intervenção da Rússia na Geórgia e, sobretudo, na sequência da anexação da Crimeia, da “guerra híbrida” na Ucrânia Oriental e da intervenção militar decisiva na Guerra da Síria, que coincidiram com uma viragem na política externa dos Estados Unidos.
A NATO é uma aliança hegemónica, não é uma aliança entre pares. Nesse sentido, a aliança ocidental está refém das mudanças estratégicas dos Estados Unidos, que se revelaram em toda a sua extensão depois da última eleição presidencial norte-americana. Kissinger disse que Donald Trump é uma daquelas figuras que aparecem por vezes para marcar o fim de uma era. Os velhos tempos terminaram com o desastre da ocupação militar do Iraque e a queda do Lehman Brothers, que forçaram o Presidente Barack Obama a pôr fim ao ciclo de intervenções militares dos Estados Unidos e a impor o retraimento estratégico dos Estados Unidos e a recentragem das suas prioridades regionais: a China e a Ásia substituíram a Europa e o Médio Oriente como o centro de gravidade da política internacional.
Obama fez essa revisão estratégica em concertação com os aliados, num quadro de defesa da ordem liberal. O seu sucessor transformou o recuo dos Estados Unidos numa crise transatlântica. Os Estados Unidos reforçaram a sua presença militar no teatro europeu, mas as tomadas de posição de Trump sobre a inutilidade da NATO e contra a União Europeia puseram em causa tanto a credibilidade da garantia de defesa norte-americana, como a confiança indispensável na relação entre os aliados.
Que fazer? Os aliados europeus, mesmo contando com o Reino Unido, não têm capacidade para assegurar a sua defesa fora da aliança com os Estados Unidos. O exército europeu nunca existiu a não ser como parte do aparelho militar integrado da NATO, a autonomia estratégica da União Europeia é uma frase e, sobretudo, ninguém quer pensar no rearmamento da Alemanha, muito menos na sua transformação num Estado nuclear, que prejudicaria definitivamente a balança europeia.
Pela sua parte, sem os seus aliados, os Estados Unidos deixam de ser o centro da ordem liberal multilateral e passam a ser uma grande potência regional como as outras — a China, a Rússia ou a Índia. Essas potências não têm nem o prestígio do garante da estabilidade internacional, nem a sua capacidade de intervir decisivamente em todos os espaços regionais, impensável se os Estados Unidos não puderem contar com o poder político, diplomático e militar dos seus aliados no quadro da NATO.
A força dos interesses dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus joga a favor da continuidade da NATO. As divergências das concepções estratégicas e das percepções sobre a dinâmica da política internacional paralisam a procura de uma nova fórmula que assegure a permanência da comunidade transatlântica.
Hans Morgenthau defendia que a Aliança Atlântica era o garante da estabilidade internacional e que os inimigos da NATO eram os perturbadores da ordem liberal das democracias ocidentais. Essa concepção é um ponto de partida consistente para contornar a primeira divergência entre os dois lados do Atlântico: os aliados europeus estão ao lado dos Estados Unidos para defender a ordem liberal e não para defender os interesses nacionais norte-americanos. A segunda divergência é mais complexa e implica identificar qual é o principal perturbador da estabilidade internacional. Os Estados Unidos, com a sua estratégia do Indo-Pacífico, parecem ter decidido sem esperar pelos aliados europeus, que ainda não encontraram o seu lugar na nova competição estratégica dominada pelos Estados Unidos, pela China e pela Rússia. O sentido das suas decisões vai decidir o futuro da NATO.