No preço, o novo passe “é fora de série”. “Agora, é preciso melhorar os transportes”
Utentes da área metropolitana de Lisboa aplaudem, mas agora pedem mais oferta. Esta segunda-feira, esperam-se filas nos postos de atendimento. “A minha filha que usa carro já me disse: ‘Mãe, acho que também vou aderir ao passe’.”
“Por mês, para mim, o passe normal é 120 euros, mas com o desconto de estudante fica a 87 euros. Dizem que agora é 40 euros, mas como eu tenho o passe Sub-23 não sei se ainda há desconto ou não”: Pedro Nora, 18 anos, começa a fazer contas à vida. Mora na Moita e, todos os dias, desloca-se para Lisboa para ir para a faculdade, no Instituto Superior Técnico, apanhando o autocarro e o metro. “Acho que esta medida foi boa no geral, tendo em conta que uma pessoa gasta quase 100 euros por mês para fazer uma viagem para Lisboa”, diz Pedro Nora. Questionado sobre o que poderá fazer com o que poderá vir a poupar por mês, o jovem admite: “Não sou eu que compro os passes, são os meus pais”.
Ao início da manhã de sexta-feira, na estação do Oriente, uma das mais movimentadas de Lisboa – por onde passaram 13.746.946 passageiros em 2017, segundo dados disponibilizados pelo Metropolitano de Lisboa – a fila para a bilheteira era pequena e constituída essencialmente por turistas ou passageiros esporádicos que pretendiam renovar passes diários.
Passando por São Sebastião, apesar da azáfama normal de uma hora de ponta, as filas são também ainda poucas, mas as pessoas estão já conscientes de que uma mudança está para breve. “Já fiz o novo passe ontem, aquele que dá para tudo”, diz Raquel Correia, de 21 anos, referindo-se ao novo passe Navegante Metropolitano, em vigor a partir desta segunda-feira, e que permite circular por toda a área metropolitana de Lisboa.
Raquel vive em Moscavide e trabalha numa loja no Rossio. Utiliza os transportes públicos todos os dias para se deslocar para o emprego, especialmente o metro. Antes de adquirir o novo passe pagava 36 euros, agora pagará 40, mas acredita que o ligeiro aumento é vantajoso. “Eu tirei este passe para andar de comboio. Assim pode-se utilizar vários tipos de transporte e pode-se ir até Palmela, Sintra. E antes os passes eram muito caros, alguns para cima dos 100 euros. Agora vou poder utilizar transportes nos quais não podia andar com o passe normal”, acrescenta.
Nos metros, autocarros e estações de comboios os sinais começam a surgir: letreiros, placards e folhetos anunciam as novas modalidades de passe da Área Metropolitana de Lisboa disponíveis.
Em Sete Rios, interface do Metropolitano, da CP e da Fertagus, estação que também dá acesso a autocarros, menos de uma dúzia de pessoas encontra-se na fila para o posto de informações. Pedro Alves, de 39 anos, encontra-se a preencher a folha para adquirir o novo passe Navegante Metropolitano. Vive em Setúbal e, até agora, preferia o carro à rede de transportes públicos. Motivado “pela redução dos preços”, trocou o seu veículo pelo metro e acredita que existirão outras pessoas a estacionar o carro na garagem para passarem a andar de transportes públicos. Contudo, mostra-se reticente quanto à eficácia destes serviços: “Vamos ver agora nos primeiros meses como é que isto vai ficar”.
Ana Barata, de 62 anos, encontra-se junto à estação de autocarros em Sete Rios, mas vai optar pelo táxi. “Eu venho da margem sul e vou trabalhar para as torres de Lisboa. Por mês, pagava 80,05 euros e agora vou pagar 40. Acho óptimo, mas quanto à rede de transportes, principalmente os autocarros, que são péssimos... Por isso, é que utilizo mais o táxi também”, explica Ana Barata, criticando o facto de os horários dos autocarros serem “muito espaçados”.
Esta é, aliás, a visão geral de vários utentes dos transportes públicos. Se, por um lado, louvam a implementação da medida e a redução dos tarifários, temem a qualidade futura dos serviços.
Catarina Moura, de 26 anos, acabou de comprar o passe Navegante Lisboa (pelo valor de 30 euros). “Sou jornalista e então movimento-me muito dentro da cidade e uso praticamente sempre ou a Carris ou o Metro”, nota. Elogiando o facto de “uma família poder pagar no máximo 80 euros”, explica que este “pode ser um incentivo para que toda a gente dentro do núcleo familiar use os transportes”. Mas sublinha que é necessário “tornar a rede funcional para quem vive e trabalha na cidade”, sobretudo se se verificar uma maior utilização destes transportes. “Se não passarem mais metros e se não houverem mais carreiras e elas não passarem com mais frequência, não sei se vai ficar pior, mas vai ficar tão mau quanto está de certeza”, alerta.
É “fácil e recomenda-se”
Para uns, os novos passes significam uma redução significativa do valor que pagam ao final do mês. Para outros, um aumento do valor que consideram compensar devido ao facto de poderem circular noutras zonas da área metropolitana.
José Alvim, de 76 anos, também já comprou o novo passe para Abril. Quanto ao processo, em caso de dúvidas, basta dirigir-se à bilheteira: “é fácil e recomenda-se”. “Costumava gastar 38,05 euros e agora vou gastar 20 euros em toda a área metropolitana, antes era só para a primeira coroa. É uma medida fora de série”, diz, salientando que, além do Governo e da "insistência” do Partido Comunista, também as câmaras municipais contribuíram para a sua implementação. “É, sem dúvida nenhuma, uma boa medida. Agora, é preciso é melhorar as condições de transportes e as carreiras para que realmente a população seja bem servida. No preço é muito bom, agora também falta a qualidade dos transportes”, assevera.
No Marquês de Pombal, uma das estações onde é possível requisitar a emissão dos passes, a fila é já maior a meio da manhã, com mais de 20 pessoas à espera. Maria Julião, de 65 anos, é uma delas. “Uso os transportes todos os dias. Faço Casal de São Brás (Amadora) até à Praça do Comércio”, começa por explicar. Apanha a Vimeca para a Amadora ou utiliza o metro para se deslocar até à Baixa de Lisboa. Por ter 65 anos já beneficiava de algum desconto. “Antes pagava 43,90 euros e agora vou pagar 20 euros, é uma redução muito grande”. Além da diminuição dos preços, salienta o facto de as pessoas se poderem deslocar para outros municípios. “Por exemplo, eu se fosse ao Cacém (Sintra) já tinha que, além do meu passe, tirar um outro bilhete”, explica.
Apesar de considerar que a rede de transportes públicos não está preparada para a possibilidade de existir uma grande afluência de pessoas, Maria Julião nota que, “neste momento, já há muitos carros novos da Carris a circular”. “Vão ter mesmo que melhorar os transportes, porque vai haver muita gente que não utilizava transportes, inclusive idosos, que vão tirar o passe”, diz. Mas não só: “eu posso dizer que a minha filha usa carro e ainda ontem dizia-me: ‘mãe, eu acho que também vou aderir ao passe’”, explica Maria Julião, que sublinha também outras vantagens: “Até para a pessoa andar tranquila, sem preocupação do carro”.
“Não pensei que fosse ficar tão barato”
Os beneficiários de Acção Social continuam a poder usufruir dos descontos, agora aplicados sobre o novo preço dos passes. No Cais do Sodré, Sofia Santos, de 23 anos, explica que vive em Almada e usa os transportes públicos todos os dias. “Agora vou poder usar o comboio também, o Fertagus. Até agora usava o barco. Estou na Faculdade de Motricidade Humana (Algés) e tenho que ir de comboio, para o trabalho vou de metro porque trabalho no Saldanha, para casa vou de barco. Antes pagava 20,30 euros e agora vou pagar 16 euros porque sou bolseira. Não pensei que fosse ficar tão barato”, conclui.
Já Mariana Vilela, de 20 anos, costuma usar o comboio e o metro de Oeiras para o Cais do Sodré e, de lá, para a cidade universitária, pagando cerca de 44 euros por mês. “No mês passado, quando estava a comprar o passe, sabia que os novos passes iam entrar em vigor em Abril e perguntei aos funcionários da CP até que ponto é que me compensava fazer o passe porque aquele ia acabar a meio do mês. E a resposta da CP foi que não sabia de nada, portanto, não consegui comprar”, explica. “Em princípio deverá compensar, mas também não sei como é que vai ser a qualidade dos transportes públicos mediante a diminuição dos preços. Acho que a rede está péssima e, se agora está má, com mais utilização vai estar pior”, acrescenta.
Com alguns utentes mais cépticos do que outros, é consensual que a redução dos tarifários é vantajosa para os passageiros. “Só se não soubesse fazer contas”, diz Susana Franco, de 34 anos. Susana não possui passe único e é exemplo de quem gasta “à volta de 120 euros por mês” em metro e Fertagus para se deslocar da Penalva (Setúbal) para Entrecampos ou para Sete Rios.
Por enquanto, apesar de vários passageiros porem a hipótese em cima da mesa, a aquisição dos novos passes sociais parece estar a meio gás em Lisboa, seja por dúvidas quanto às novas condições de utilização ou pela incerteza do que uma maior afluência de pessoas poderá implicar para o funcionamento da rede de transportes públicos.