A hora muda na madrugada deste domingo. Em que ponteiro vamos?
A proposta europeia de abolir a mudança da hora duas vezes por ano será novamente discutida em Junho no Conselho da União Europeia e só então se saberá se deixaremos de acertar os relógios em 2021. Até lá, o último domingo de Março continuará com uma hora a menos.
Está quase a chegar a hora de acertar os relógios: na noite de sábado para domingo, os relógios adiantam uma hora e Portugal entra no horário de Verão (UTC+1). À 1h da madrugada de 31 de Março passam a ser 2h em Portugal continental e na Madeira; já nos Açores os ponteiros andam uma hora para a frente às 00h (passando a ser 1h). Ainda que não se saiba ao certo se a proposta europeia de abolir a mudança da hora venha a ser uma realidade, a hora voltará a mudar daqui a sete meses, a 27 de Outubro – e tal continuará a acontecer até 2021, pelo menos.
Na génese de toda a discussão está uma proposta da Comissão Europeia, apresentada depois de ter sido feito um inquérito online no Verão passado em que se perguntava aos cidadãos qual o regime horário que preferiam.
“A mudança da hora deve acabar”, asseverou em Setembro o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no seu discurso sobre o Estado da União, depois de serem conhecidos os resultados da consulta pública — a maioria queria ficar num só horário. Essa posição “foi um erro tremendo”, defende o director do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), Rui Agostinho, por partir do pressuposto de que “as respostas dos 4,6 milhões de europeus são representativas da opinião média de quem vive na Europa” — não se pode aceitar de forma leviana os resultados só pelo número elevado de respostas, argumenta.
“Quando se fazem inquéritos de opinião sobre as eleições, por exemplo, um inquérito com mil pessoas tem mais validade estatística do que esses 4,6 milhões. Não é uma questão de proporção. Esses inquéritos são estatisticamente robustos, e este não é. Tem de haver diversidade de género, de faixas etárias, distribuição geográfica. Sendo estatisticamente controlada, a amostragem passa a ser representativa”, diz ao PÚBLICO. “Mas neste inquérito europeu quem quisesse responder, respondia, e quem estava motivado mobilizou-se. Deu no que deu”, completa.
O inquérito teve uma participação recorde numa consulta pública (4,6 milhões dos mais de 500 milhões de habitantes da União Europeia) e nele ficou claro que 84% dos inquiridos estavam a favor de manter sempre o mesmo horário. Só 0,33% dos portugueses votaram e, desses, a grande maioria (79%) disse estar a favor de manter o horário de Verão para sempre.
A directiva europeia sobre a mudança da hora está em vigor até 2021, e é natural haver discussão sobre este tema de cinco em cinco anos, explica Rui Agostinho; mas tudo mudou este ano com a existência de uma reacção pública, potenciada pelo inquérito online. “Depois, tanto a Comissão Europeia como o Parlamento Europeu aperceberam-se de que há mais coisas a dizer do que apenas o inquérito público; houve tempo para analisar melhor o caso e atrasaram as decisões para 2021.” “Só que a história torna-se tanto mais complicada quanto mais países estão dentro do espaço europeu, é preciso abranger as opiniões destes países todos. A tarefa não é fácil”, conclui o director do OAL, entidade competente em Portugal na matéria da hora.
A hora vai continuar a mudar?
A Comissão Europeia garante que, para já, a hora continuará a mudar. “Se o Conselho concordar com a proposta em Junho, então os Estados-membros deverão notificar a Comissão da sua decisão em Abril de 2020 e a mudança horária acaba definitivamente em 2021.”
Após a proposta da Comissão Europeia, a questão de abolir a mudança da hora em 2021 foi nesta terça-feira a votos no Parlamento Europeu e foi aprovada, com 410 votos a favor. Para ser definitiva, esta medida tem ainda de ser aprovada em Junho pelo Conselho da União Europeia, no qual os Estados-membros terão então de optar por um de dois regimes horários: ou ficam sempre na hora de Verão, ou ficam sempre no horário de Inverno — e a decisão deve ser concertada, sobretudo entre países vizinhos —, o que inviabilizaria a decisão portuguesa.
Em resposta ao PÚBLICO, fonte da Comissão Europeia acautela que “os Estados-membros ainda não tomaram as suas posições oficiais finais”, e que tal só acontecerá em Junho, na reunião do Conselho Europeu sobre a área dos transportes (área em que está alocada a mudança da hora). Apesar deste cenário, o Governo português tem insistido que pretende manter o regime actual de mudança da hora bi-anual, tal como tinha sido recomendado num relatório de 44 páginas feito pelo Observatório Astronómico de Lisboa.
Na votação do Parlamento Europeu, o eurodeputado comunista João Pimenta Lopes afirmou que o debate sobre a mudança da hora “não pode ser dissociado das particularidades geográficas, sociais e culturais de cada país”. “Lembramos também algo que a Comissão Europeia parece ter esquecido: o estabelecimento da hora legal é uma competência dos Estados-membros. Defendemos que a existência ou não de mudança da hora deve ter em conta a vontade da respectiva população, a opinião da comunidade científica e o interesse de cada país, pelo que rejeitamos qualquer imposição da União Europeia”, concluiu.