Christopher Paolini criou um universo de dragões (e ainda não conseguiu sair dele)

O autor da série Eragon conversou com o PÚBLICO antes da apresentação do seu último livro, O Garfo, a Bruxa e o Dragão em Lisboa. No final da conversa ficou claro que não tenciona despedir-se da escrita tão cedo. E faz planos para continuar a alimentar o universo do Ciclo da Herança.

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Christopher Paolini Miguel Manso

Escrever um livro aos 15 anos e publicá-lo antes de atingir a maioridade é uma façanha da qual poucos se podem gabar. Christopher Paolini, autor de Eragon, é uma dessas pessoas. Actualmente com 35 anos e cinco livros publicados, o escritor esteve em Portugal para promover a sua última obra, O Garfo, a Bruxa e o Dragão (Edições ASA), lançado em 2019. Falou ao PÚBLICO antes da apresentação na livraria Buchholz, sobre livros e escrita, mas também sobre como “levantar objectos pesados” – um dos seus hobbies – pode servir para escapar do mundo povoado por dragões e figuras míticas que lhe ocupa a maior parte dos dias.

Fala com o à-vontade de quem dá entrevistas há muitos anos – decorou as respostas a algumas perguntas. Afinal, esteve 14 anos a escrever sem parar: um romance a seguir ao outro, cada um deles com mais de 300 páginas. A seguir a cada lançamento, uma nova tour de promoção. Ganhou experiência.

O que começou por ser pensado como uma trilogia passou a ser “uma trilogia em quatro obras”, define. Foram mais de dez anos a construir e a enriquecer a história de Eragon, um adolescente de 15 anos que se apropria de um ovo de dragão chamado Saphira e com o qual vai criar uma amizade. Alagaësia, o universo criado no primeiro livro, está repleta de elfos, anões e urgals – seres com uma língua própria, o urgalês, criada de raiz por Paolini.

O escritor chegou ao início da idade adulta e sentiu que precisava de parar. Mas falhou redondamente na tarefa de se desligar de Alagaësia. “Ficou cravado no meu cérebro e apesar de ter acabado o último livro não conseguia deixar de pensar no universo e nas personagens. De vez em quando, havia uma vozinha na minha cabeça que me perguntava: ‘O que estão a fazer Eragon e Saphira?’”

O Garfo, a Bruxa e o Dragão, depois de um interregno de oito anos

“As melhores histórias surgem quando te estás a divertir – não quando estás a tentar ser sério”, sentencia. E foi durante os oito anos de pausa que encontrou o tempo e o espaço para encontrar essas histórias.

“Há cerca de dois anos, escrevi a história que acabou por se tornar o último conto deste livro — O Dragão. Fiquei muito satisfeito e também foi muito prazeroso escrever uma história com começo, meio e fim e com menos de 100 páginas. Mas não era longa o suficiente para ser publicada”, recorda.

A segunda história nasceu de uma troca de palavras com um fã. “Era de madrugada e recebi um tweet que dizia algo como: ‘Olá, Christopher, o que é que Murtagh [uma das personagens secundárias da trama] anda a fazer hoje em dia?’ E eu, que tinha tomado demasiado café naquele dia, respondi: ‘​Murtagh? Está a derrotar inimigos com um garfo.’ Isto não me saiu da cabeça: será que conseguia mesmo escrever uma história sobre um garfo mágico?”

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Miguel Manso

A resposta está n’O Garfo, a Bruxa e o Dragão, “uma colecção de contos reunidos num único romance”, descreve. “Há dragões, magia, aventuras e batalhas. Trata temas como a responsabilidade e o dever, a forma como enfrentamos as coisas da vida que não podemos mudar.” E, apesar de recusar o rótulo infanto-juvenil que é atribuído aos seus livros, acrescenta: “Seja perceber como pagar as contas ou encarar um dragão enorme e furioso que está numa das montanhas da tua aldeia.”

Ao falar com o escritor, a sensação com que se fica é de que este último trabalho não teve a pressão dos anteriores. “Estive a trabalhar imenso durante anos essenciais da minha formação [entre os 15 e os 18 anos]. Descurei muito a parte pessoal durante esses anos. Agora já me posso dar ao luxo de ter uma vida mais equilibrada, mas também o mereço, porque trabalhei para este objectivo.”

O tempo sem escrever permitiu-lhe dedicar-se a outros hobbies. Aos típicos “passar tempo com a família” e caminhar junta-se o excepcional “levantar coisas pesadas”.

“Como muitos escritores, tendo a pensar demasiado nas coisas. É óptimo para contar histórias, mas não é tão bom no dia-a-dia, quando algo te acontece e começas a pensar demasiado naquilo.” Para Paolini, levantar objectos pesados, como rochas, é uma forma de meditação. “Quando queres levantar uma rocha de 200 quilos e tens 100 nas tuas costas podes efectivamente morrer se não prestares atenção. Fazer isso obriga-te a pensar apenas no que estás a fazer, a focar-te no presente.”

Criar Eragon foi divertido. O problema foi a edição

Para perceber a razão do sucesso de Paolini e Eragon, é preciso recuar um pouco no tempo. Em 1997, Christopher Paolini, 15 anos, estava prestes a terminar o liceu. Tinha aulas em casa, com a mãe, e muito mais tempo livre do que a maioria dos jovens da sua idade. Gostava de ler e já tinha explorado os clássicos da literatura fantástica, como os livros de Tolkien e Duna, de Frank Herbert. Embalado por esses autores, começou a querer escrever as próprias histórias. Primeiro, escreveu contos. Depois tentou lançar-se nos livros, sem grande sucesso, porque quase nunca passou das primeiras dez páginas, lembra.

Os pais, conscientes de que o filho estava a tentar dar os primeiros passos na escrita, apoiaram-no. “Do nada, começaram a aparecer lá em casa vários livros sobre como escrever. Foi aí que comecei a traçar as bases da minha história”, recorda.

Do “entusiasmo e energia” iniciais, nasceu o primeiro rascunho de Eragon que tinha intenção de publicar com a ajuda da família. Era uma história sobre um rapaz de 15 anos (inspirado nele próprio, como confirmou); “Uma história que eu também ia gostar de ler.” “Na altura, estava apaixonado por esta ideia: um jovem encontra um ovo de dragão e todas as aventuras que surgem a partir daí.”

Escrever o rascunho foi a parte fácil. A edição é que lhe trouxe mais dores de cabeça: “A edição e a revisão não foram tão divertidas porque percebi que o que escrevi não estava à altura da minha visão, por falta de experiência, de capacidade técnica.”

“Quando me sentei a ler o meu livro pela primeira vez – e isto não vai surpreender ninguém –, achei-o horrível. Só para dar um exemplo, naquele primeiro rascunho, Eragon não se chamava Eragon, mas Kevin. A história no geral estava lá, mas precisava de trabalho”, recorda. Não quis desistir: “Tive muita ajuda a editar o livro, mas foi assim que aprendi a escrever.”

Conseguiu um contrato com uma editora, a Penguin Random House, aos 17 anos. “Lembro-me porque os meus pais tiveram de ir assinar o contrato comigo, visto que ainda era legalmente menor.”

A candidatura à Universidade de Reed, em Portland, no estado de Oregon, EUA, ficou por completar. “O meu objectivo era acabar a licenciatura muito jovem (visto que concluí o secundário com 15 anos) e depois seguir para o mestrado e doutoramento”, recorda. “Mas naquela altura o lançamento de Eragon estava muito próximo e eu tive de decidir.”

Poderá ter passado ao lado de uma carreira na física – ou nas artes, uma das suas opções –, mas optou pela escrita. Até hoje não se arrependeu.

“Nas áreas criativas, é melhor aprender sozinho”

“Continuei a minha educação sozinho”, conta. Consentindo que há áreas em que é imprescindível continuar a estudar, como “a música clássica ou a medicina”, Paolini acredita que não é preciso ir para a faculdade para aprender a escrever. E o mesmo vale para outras áreas criativas.

“Os professores podem ajudar. Eu tive muita ajuda dos meus editores e dos meus pais, que me ajudaram a perceber os meus erros. Há muita coisa para a qual precisas de formação, mas para muitas outras áreas criativas é melhor aprender sozinho. Nas artes, a maioria das pessoas que chega ao topo aprendeu sozinha. É como na música: os melhores são os miúdos que se trancam no quarto a praticar desde os 14 anos até aos 20.”

O seu futuro é resumido de forma concisa: continuar a escrever, para gáudio dos fãs. Revela que vai acabar um livro de ficção científica enorme, com “naves, lasers, extraterrestres, explosões e muitos tentáculos”.

O Garfo, a Bruxa e o Dragão será apenas o primeiro livro de uma série de pequenas histórias, a que prefere chamar “antologia”. Durante a conversa, promete ainda um quinto livro para a colecção principal, o Ciclo da Herança, que “se vai passar no mesmo mundo e com muitas das mesmas personagens” de Eragon.

Percebe-se que não está nos seus planos afastar-se muito da literatura fantástica. Afinal, continua a ser o miúdo de 15 anos apaixonado pelo mundo repleto de dragões que criou. “Tudo é mais divertido com dragões”, diz a certa altura. Cabe ao leitor decidir.

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