O que querem saber os partidos na comissão de inquérito à CGD?

Todos esperam que o inquérito parlamentar que agora começa chegue a conclusões e apontam como objectivo apura se houve pressões políticas que levaram a Caixa a envolver-se em projectos ruinosos.

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Esta é a terceira comissão de inquérito à Caixa Margarida Basto

À terceira comissão de inquérito que envolve a Caixa Geral de Depósitos, a segunda sobre a sua gestão nos últimos anos, há esperança por parte dos deputados em chegar a conclusões sobre o que aconteceu ao banco público para que precisasse de uma recapitalização de 4,9 mil milhões de euros, 3,9 dos quais de dinheiro público. Mas a comissão que agora começou as suas audições não tem vida fácil. O tempo é curto e a informação insuficiente, dizem os parlamentares, para poderem ir além do que revelou a auditoria da consultora Ernst&Young sobre os principais créditos ruinosos da CGD. 

O PÚBLICO fez cinco perguntas a cada partido com assento parlamentar para perceber o que se espera deste novo inquérito.

1 - Quais os principais objectivos do partido nesta comissão de inquérito?

2 - Estão reunidas as condições para esta que comissão funcione correctamente? Tem todos os documentos de que necessita? O que falta?

3 - Considera que, desta vez, o inquérito poderá chegar a conclusões consensuais?

4 - Na primeira comissão, considerou-se que não ficou provada a existência de pressões políticas no banco público. Verificar se existiu algum tipo de pressão volta a ser um objectivo?

5 - O Banco de Portugal tem estado no olho do furacão nos diversos inquéritos parlamentares sobre a banca. Acredita que é possível aferir algum tipo de falha na supervisão? Nesse sentido, a existência desta comissão não fragiliza o BdP?

Eis as respostas.

PS - João Paulo Correia

1- Apurar os actos de gestão que lesaram o património da CGD, verificando as decisões que contrariaram o parecer da direcção de gestão de risco do banco ou que resultaram de intromissão política dos governos. Perante os factos apurados, definir responsabilidades e responsáveis, sem olhar a quem. Esta comissão de inquérito é fundamental para a recredibilização dos inquéritos parlamentares, tendo em conta a elevada expectativa que os portugueses depositam nos resultados do nosso trabalho. Sabemos que esta responsabilidade acrescida empurra-nos para uma certa despartidarização do inquérito. Procuraremos o rigor e a verdade.

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2 e 3 - Ao invés da primeira comissão de inquérito à CGD, este inquérito inicia-se após a entrada em vigor de uma alteração legislativa ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, que determina a quebra do segredo bancário nos inquéritos parlamentares. Significa que teremos toda a documentação requerida e não rasurada e os depoentes deixarão de invocar o segredo bancário para não responderem livremente. Por outro lado, este inquérito parte com o acervo do inquérito anterior, com um conjunto de depoimentos já realizados. Acredito que se encontram reunidas condições para que este inquérito decorra de forma mais conclusiva do que o anterior.

4 - Há duas formas de constituir prova/factos: testemunho e documental. Na primeira comissão de inquérito houve testemunhos [sobre] pressão política para determinadas decisões, entretanto desmentidos por outros depoentes. Mas não houve prova documental de pressão política. O segredo bancário limitou sempre os testemunhos e a documentação requerida. O apuramento da pressão política em decisões lesivas do património da CGD faz parte dos objectivos do inquérito.

5- Se respondesse directamente a esta pergunta estaria a antecipar uma conclusão, ainda antes do inquérito se iniciar. O apuramento de eventuais falhas na supervisão do Banco de Portugal está no radar desta comissão de inquérito. Na primeira resposta disse que o nosso trabalho passará por, perante os factos, definir responsabilidades e responsáveis, sem olhar a quem. O Banco de Portugal cabe neste conjunto.

PSD - Duarte Pacheco

1 - Os objectivos do PSD são claros e passam por apurar o que se passou na Caixa, forçando uma capitalização tão avultada. Hoje sabemos, pelo relatório da auditoria, quais as principais operações financeiras que produziram um volume de perdas de milhares de milhões de euros. Agora temos de confrontar os responsáveis pelas operações que conduziram a essas perdas com as suas responsabilidades, perceber se foram respeitadas regras internas e o princípio da precaução, se ocorreu intervenção política e ainda o que fez o supervisor ao longo de todo este tempo.

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2 - Existe um espírito diferente entre os grupos parlamentares. Pelo PSD, tudo deve ser apurado, sem preocupação em proteger alguém, mas também sem espírito de perseguição. A informação solicitada está a chegar aos poucos... Veremos se teremos tudo o que precisamos para o desenvolvimento cabal do nosso trabalho.

3 - Acredito que é possível ter um relatório aprovado por ampla maioria. Assim todos os grupos parlamentares mantenham o espírito de cooperação que agora estão a evidenciar.

4 - Claro que é algo que procuraremos apurar, está mesmo no objecto da comissão, mas também sabemos que será o mais difícil de provar.

5 - Claramente a supervisão falhou ao longo de muito tempo. As coisas aconteceram todas sem que o “polícia” visse o que se estava a passar. Acresce que há indícios de que o BdP foi mesmo avisado do que estava a acontecer e nada fez. É importante apurar responsabilidades e perceber que procedimentos foram alterados, pois também o BdP deve ter aprendido algo neste processo.

BE - Mariana Mortágua

1 – É importante apurar as responsabilidades ao nível da administração e perceber quem tomou as decisões nas principais operações ruinosas e com que base as tomou. Além disso, perceber se colocaram em risco a estabilidade da CGD, as suas contas e interesses. É preciso perceber em que tipo de operações a CGD esteve envolvida como o financiamento ao BCP e a guerra dentro do banco, como a OPA à PT... Há um conjunto de grandes operações que mexeram com a economia portuguesa e é preciso perceber até que ponto a Caixa foi instrumentalizada por interesses privados nestas operações. E da mesma forma queremos saber se houve influência política sobre a Caixa nessas mesmas operações.

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2 – Não. Há muita falta de informação, porque a comissão está muito baseada na auditoria da EY e há dificuldade em aceder a documentos além da auditoria ou até documentos com maior detalhe sobre aquilo que foi detectado. Tem havido muitos atrasos no envio de informação do BdP e da CGD.

3 – Espero que sim. Parece-me haver condições para isso, mas precisamos de ter o acesso a toda a informação para que o relatório acrescente alguma coisa ao que é conhecido. O grande desafio é ir além das conclusões da auditoria.

4 – Esse é certamente um dos objectivos.

5 – O que sabemos é que o BdP foi avisado de que havia irregularidades na CGD e nada fez. Sabemos também que o BdP tinha conhecimento privilegiado, porque não um mas dois dos administradores passaram por lá. A presença de membros da administração do BdP na CGD faz com quem conhecessem melhor práticas internas e há um conjunto de operações que não seguiram regras de risco básicas. É óbvio que tem de ser escrutinado neste processo, até porque o BdP não tem ficha limpa. As dúvidas sobre a sua actuação vêm das conclusões a que chegámos em comissões de inquérito anteriores e que não só não têm vindo a ser esclarecidas como, pelo contrário, foram adensadas com a recusa do governador em entregar o relatório interno do BdP sobre a sua actuação no BES.

CDS - Cecília Meireles

1 - O principal objectivo do CDS, nesta comissão, é concluir o trabalho da primeira: descobrindo factos e responsáveis pelas necessidades de injecção de dinheiro dos contribuintes; e perceber o que correu mal, o que foi mal gerido, para garantir que não se repete.

2 - Sim, esta comissão reúne as condições para funcionar correctamente. A unanimidade quanto ao objecto da comissão, sem grandes divergências dos partidos neste aspecto foi essencial;  poder trabalhar com a auditoria da EY, que certifica os factos da actuação da CGD; e um novo quadro legal que, sem controvérsia, permite um claro acesso a documentos. A documentação está agora a chegar e a começar a ser analisada.

3 - O desejo, em qualquer CPI, é que as conclusões reflictam o que foi apurado. Pensamos que sim, se todos os grupos parlamentares estiverem imbuídos neste espírito.

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4 - O objectivo é provar o que, de facto, sucedeu, incluindo pressões políticas.

5 - Qualquer instituição é fortalecida pela exigência e pela competência. No caso de uma falha, será sempre melhor conhecê-la para a corrigir.

PCP - Duarte Alves 

1 - O relatório de auditoria à CGD demonstrou, uma vez mais, que, com a aproximação dos critérios de gestão da Caixa aos da banca privada, com o favorecimento dos interesses privados de grandes grupos económicos, com a entrada da Caixa em negócios ruinosos, em projectos falhados, e mesmo em guerras de accionistas de bancos privados, a Caixa obteve avultadas perdas que pesam sobre o povo português. As responsabilidades pessoais da administração da Caixa e dos vários níveis de decisão, devem ser apuradas pela Caixa, e o Estado, através do Governo, tem o dever de acompanhar de perto esse apuramento e as consequências das práticas de má gestão. As eventuais responsabilidades criminais devem ser apuradas pelas instâncias judiciais, cujo trabalho deve ser respeitado. A nossa intervenção nesta CPI será no sentido de confirmar e densificar as responsabilidades políticas já apuradas nas anteriores comissões, que pesam, sem sombra de dúvida, sobre os sucessivos conselhos de administração, povoados por figuras de proa de PS, PSD e CDS, e os governos que os nomearam, sem esquecer as responsabilidades dos dois governadores do Banco de Portugal. Não embarcaremos em quaisquer manobras que visem enfraquecer o banco público, favorecendo os seus concorrentes privados, e que visem contribuir para o seu desgaste, com o velho objectivo de privatização da CGD. Relembramos que nunca um banco privado, em que os portugueses tiveram de enterrar milhares de milhões de euros para o buraco da ruinosa gestão privada, teve três comissões de inquérito, com o banco ainda em actividade.

2 - Há vários documentos que foram solicitados e que ainda não foram enviados na sua totalidade. Documentos esses que a comissão considerou indispensáveis para o início das audições, porque estão citados no relatório de auditoria.

3 - Não temos nenhuma fixação com a necessidade das conclusões serem consensuais. Aquilo que cabe à Assembleia da República é apurar as responsabilidades políticas (não as judiciais) e essas foram já evidenciadas nas anteriores comissões de inquérito: os governos responsáveis pelas orientações políticas que afastaram a CGD de critérios de serviço público, aproximando-a de critérios da ruinosa gestão privada; as administrações que permitiram que a Caixa fosse usada em negócios ruinosos, em projectos falhados, e mesmo em guerras de accionistas de bancos privados; os supervisores, que nada fizeram, como aliás aconteceu nos escândalos do BPN, BES/NB, Banif, entre outros, que continuam a pesar sobre os contribuintes portugueses em largos milhares de milhões de euros.

4 - Essa conclusão (CFII33) foi objecto de uma proposta de alteração apresentada pelo PCP. “O que se afigura, portanto, mais consistente é não ficar totalmente excluída a existência de erros de concessão de crédito por deficiente avaliação e previsões pouco rigorosas. No entanto, é igualmente plausível concluir que uma parte de negócios com grandes grupos económicos tem arquitecturas cujos racionais não ficaram cabalmente esclarecidos e que indicam para, no mínimo, opções de financiamento duvidosas e uma tendência para a participação da CGD em negócios sem opções que a distingam, nessa matéria, da gestão de um banco privado.”

5 - As falhas na supervisão há já muito que estão identificadas nos sucessivos escândalos da banca, nomeadamente no BPN, BES/NB, Banif, que continuam a custar milhares de milhões de euros a todos os portugueses – essas sim, fragilizam a instituição BdP. Os supervisores não estiveram à altura das suas responsabilidades. As próprias opções políticas relativas à organização do sistema financeiro são parte do problema, quando se coloca a auditoria às contas de um banco nas mãos de auditores que são pagos pelos próprios bancos, em vez de haver uma comissão de auditoria do Banco de Portugal, que pudesse ter os meios necessários para, de forma independente, auditar as contas – essa é uma posição há muito defendida pelo PCP.

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