Apoio temporário dá dose de oxigénio e pelo menos mais um ano de vida à Seiva Trupe
Companhia portuense anunicou o fim em Dezembro de 2018. Agora, Ministério da Cultura prometeu apoio mínimo para sobrevivência até novos apoios estatais às Artes. Cargo de director artístico passa de Júlio Cardoso para Jorge Castro Guedes
Quando em Dezembro de 2018 a Seiva Trupe fez correr a notícia da situação asfixiante em que vivia e da eminência do fim da companhia de teatro fundada em 1973, o abalo fez-se sentir. Telefonemas, mensagens, emails, artigos de opinião em jornais. A anunciada queda da companhia histórica era lamentada por amigos e espectadores fiéis, que burilavam sugestões de como salvar a estrutura do abismo, ainda incrédulos com essa possibilidade. Que, agora, graças a uma solução temporária, está para já posta de parte.
O cenário acabaria por levar a Seiva Trupe a um último acto de resistência: na carta escrita ao Ministério da Educação, as linhas eram produto para uma dramaturgia desastrosa e anunciavam o fim de uma história com mais de 40 anos. E a tutela de Graça Fonseca tinha uma observação a fazer, entre a sugestão e o apoio possível: “Se fecham não podem depois concorrer aos concursos bienais de apoio às artes”, terão dito. Júlio Cardoso, fundador e director artístico da companhia portuense, conta o episódio para contextualizar o acordo posterior. O ministério pediu à Seiva Trupe que fizesse as contas e lhes dissesse qual “o mínimo dos mínimos para sobreviver”. E é esse o apoio que lhes concederão durante este ano, qual balão de oxigénio que a companhia espera depois substituir por um apoio fixo.
Para já, é um auxílio temporário - juntamente com ajudas particulares dos tais amigos e fãs que recusaram ver a companhia cair – que manterá viva a Seiva Trupe, ainda que sem as grandezas de outros anos. Depois, há a esperança de conseguir parte dos 18,6 milhões de euros do concurso aberto a 28 deste mês e cujos resultados serão conhecidos em Setembro.
O sufoco da Seiva Trupe ganhou diagnóstico de terminal quando a companhia foi, no ano passado, excluída dos apoios do programa da Direcção-Geral das Artes, o que chegou a motivar o cancelamento de peças de teatro programadas. Mas a situação de debilidade é antiga – e comum a outras companhias, da cidade e não só. Júlio Cardoso diz que os “serviços mínimos” de hoje significam umas “seis ou sete” pessoas a trabalhar na Seiva Trupe. E como termo de comparação cita os números dos anos 90: “Éramos umas vinte e tal pessoas permanentes”, diz, “e sempre com gente a entrar e sair”. Algures em 2004, os cortes começaram a dificultar o quotidiano. E depois veio Rui Rio: “Não éramos apoiados, mas também não pedíamos apoio”, anui. O que deixou o encenador e actor de “boca aberta” foi o despejo de 2013, quando o autarca se preparava já para passar os destinos da Câmara do Porto a Rui Moreira.
Olhando para esses anos, onde a crítica ao panorama cultural da cidade era grande, Júlio Cardoso vê os dias de hoje com mais claridade: “As coisas não estão tão acentuadas”, comentou. A partir de Abril, o cargo de director artístico da companhia passará a ser de Jorge Castro Guedes, histórico da casa também. E foi já com ele que, há coisa de dois meses, a Câmara do Porto se reuniu e se mostrou disponível para pensar num apoio, à semelhança do que fez com o Teatro Experimental do Porto e com o Festival Internacional de Marionetas do Porto, igualmente excluídos do concurso de apoio da DGArtes em 2018.
A saída de Júlio Cardoso, que se manterá activo nos palcos e como encenador, era já um desígnio com pelo menos três anos. São “47 anos com cada vez mais responsabilidades e a bater sempre com a cabeça pelas paredes, a sair constantemente no vermelho, no sentido contabilístico. Isso não me permitia respirar”.
Para já, a companhia continuará a fazer ensaios no salão da Cooperativa do Povo Portuense e a ocupar diversas salas da cidade: “No Porto há mais espaços do que aquilo que se pensa”, acredita, e para já a Seiva Trupe não pensa numa residência fixa. “Tudo depende do futuro. Temos uma grande esperança de que as coisas não podem continuar dentro destes parâmetros porque eles são asfixiantes.” Em Portugal, lamenta, há demasiados “oportunismos” a atacar o sector. E esse é, por vezes, o problema maior.
Para já, o Seiva Trupe resistirá. E lá para o último trimestre do ano levará a cena uma peça sobre Pablo Neruda, numa parceria com uma companhia italiana. Enquanto isso, vai repondo algumas produções, como acontece já esta quarta-feira, Dia Mundial do Teatro. Em Gaia, pelas 21h30, no auditório municipal, a companhia leva ao palco “O Senhor Ibrahim e as Flores do Alcorão”, obra de Eric-Emmanuel Schmitt encenada por Júlio Cardoso.