Crianças em zonas de conflito têm mais hipóteses de morrer por falta de acesso a água do que de violência
O relatório da UNICEF analisou 16 áreas de conflito onde a falta de água é um dos maiores problemas. A organização pediu para que cessem os ataques às infra-estruturas hídricas e aos seus trabalhadores.
É três vezes mais provável que uma criança abaixo dos 15 anos que vive num país afectado por conflitos morra de doenças causadas pela falta de água potável, saneamento e higiene, do que por violência directa. Esta é a principal conclusão de um relatório da UNICEF divulgado esta sexta-feira, dia em que se celebra o Dia Mundial da Água.
Para as crianças abaixo dos cinco anos, as probabilidades aumentam: é 20 vezes mais provável que morram de uma doença como a diarreia do que de algo relacionado com os conflitos. “As hipóteses estão contra as crianças que vivem em zonas de conflitos prolongados, muitas delas incapazes de chegar até uma fonte de água segura. A realidade é que há mais crianças que morrem por falta de acesso a água potável do que por causa de uma bala”, referiu a directora executiva da organização humanitária, Henrietta Fore, no relatório divulgado esta sexta-feira.
O relatório Water Under Fire examinou as taxas de mortalidade de 16 países que se encontram neste momento em algum tipo de conflito como, por exemplo, o Afeganistão, Burkina Faso, Camarões, República Centro-Africana, Chade, República Democrática do Congo, Etiópia, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen, entre outros. Em todos estes, com a excepção da Líbia, do Iraque e da Síria, as crianças abaixo dos 15 anos têm mais probabilidade de morrer de doenças relacionadas com o acesso à água do que como resultado da violência. Excluindo a Síria e a Líbia, as crianças com menos de cinco anos têm quase 20 vezes mais probabilidade de morrerem de doenças ligadas à higiene insegura do que devido aos conflitos.
“Sem serviços de água, saneamento e higiene seguros e eficazes, as crianças correm o risco de desnutrição e doenças evitáveis, incluindo diarreia, febre tifóide, cólera e poliomielite. As meninas são particularmente afectadas: são mais vulneráveis a actos de violência sexual quando vão em busca de água ou quando usam as latrinas. Também lidam com afrontas à sua dignidade enquanto tomam banho e fazem a sua a higiene menstrual, período de tempo em que também faltam às aulas caso as suas escolas não tenham instalações adequadas de água e saneamento”, refere o relatório da UNICEF.
Em países subdesenvolvidos, “um pouco por todo o mundo, mulheres e crianças carregam por dia uma média de cinco galões de água [quase 19 litros] e caminham 3,7 milhas [quase 6 quilómetros]. Isto é, são 200 milhões de horas por dia para ter água limpa”, referiu também a Oxfam, outra organização humanitária, num texto sobre a falta de acesso a água em alguns países. A isto, acresce o facto de que são as mulheres e as meninas as responsáveis pelo transporte de água em oito em cada dez habitações onde não existe água por perto.
Estes problemas agravam-se com a presença de conflitos nos países uma vez que ataques tanto deliberados como indiscriminados às infra-estruturas que fornecem água à população são frequentes. Os conflitos armados também limitam o acesso a equipamentos essenciais para a reparação destes sistemas, como combustíveis, cloro ou produtos de limpeza. “Ataques deliberados à água e ao saneamento são ataques a crianças vulneráveis. A água é um direito básico e uma necessidade para a vida”, disse Henrietta Fore.
Através do relatório, a organização apelou para que cessem os ataques às infra-estruturas hídricas e aos seus trabalhadores. Aos líderes internacionais, a UNICEF pede que prioritizem o fornecimento de água e o saneamento nas suas resposta aos conflitos.
O lema da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Dia Mundial da Água deste ano é “não deixar ninguém para trás” e vai ao encontro do 6.º Objectivo de Desenvolvimento Sustentável, um dos 17 estabelecidos pela ONU em 2015, que visa assegurar o acesso a água potável e saneamento a todos os cidadãos do mundo até 2030.