Gostam das cerejas, mas para eles Fundão é “terra de oportunidades”

Na mesma incubadora, fazem sabonetes de forma 100% artesanal e programam. Sentem-se apoiados pela estratégia de investimento da câmara e dizem ter "espaço para crescer". Estes jovens mudaram-se para o Fundão para tornarem os seus projectos realidade.

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Teresa Pacheco Miranda

Francisca Vidal foi das primeiras a ali chegar. Catarina Nobre, de 25 anos, deixou Portalegre e está agora a seguir-lhe os passos, também a fazer sabonetes artesanais, também com sede na incubadora de empresas no Fundão. É lá que encontrámos ainda Luís Silva, 29 anos, ex-electricista de Viseu, que decidiu aprender a programar quando andava à procura de um trabalho compatível com viagens longas numa autocaravana. Arranjou emprego na área logo após terminar o curso de três meses e meio que Valentim Patoleia, de 23 anos, ex-estudante de Direito em Lisboa, está a começar a perceber o quão “intensivo é”. Todos gostam das cerejas. Mas, para eles, o Fundão é antes a “terra das oportunidades” — e já está a dar frutos.

“Nós temos muito tempo aqui, não é? Tempo para ir a pé buscar um bebé ao infantário e se quiseres ainda ir ao ginásio e fazer o jantar”, diz Francisca. “Ouçam, não há trânsito!”, grita do atelier João Vidal, de 28 anos. Foi a irmã que o puxou para a loja onde (quase) tudo é feito por eles, à mão, com azeite, mel, alfazema, alecrim. Quando a empresa onde Francisca trabalhava deixou de lhe pagar, a designer gráfica de Coimbra começou a fazer sabonetes, como “podia ter começado a fazer outra coisa qualquer”, ri-se. “Canela e limão”, nada de sobras no final das feiras, muitas encomendas para depois.

João Vidal e Francisca Vidal fazem os sabonetes da marca Da'ki Teresa Pacheco Miranda
João Vidal, da marca Da'ki Teresa Pacheco Miranda
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João Vidal e Francisca Vidal fazem os sabonetes da marca Da'ki Teresa Pacheco Miranda

Francisca foi estrear a incubadora de empresas a funcionar desde 2013 na antiga praça municipal, reabilitada para albergar dezenas de jovens empreendedores e um Fab Lab, um laboratório aberto à população que funciona nas bancadas onde antes se vendiam os queijos. Culpa dos mais de mil sabões por semana que produzia para uma quinta ali perto, a artesã passou a ocupar não um, mas dois dos vinte cubículos disponibilizados às startups. Desde aí, a receita aprimorou-se, o negócio profissionalizou-se e Francisca Vidal, de 31 anos, é há três uma orgulhosa dona de uma loja no centro do Fundão, arrendada à câmara.

A oportunidade de se instalar num espaço desocupado na zona antiga da cidade, com um atelier nas traseiras, é “a terceira etapa do processo de apoio ao desenvolvimento de empresas” promovido pelo município. Objectivo: “fixar talento”, “dinamizar o centro da cidade e o comércio local” e, ao mesmo tempo, “fomentar a reabilitação urbana”. Há metas a cumprir. “Pela incubadora, já passaram mais de 70 projectos”, conta de cabeça Ricardo Gonçalves. Alguns deles, o coordenador do gabinete de investimento e inovação consegue vê-los pela janela do escritório na Câmara do Fundão. Destacam-se “dois casos de sucesso”, empresas com “investimentos superiores a um milhão de euros e que são participadas pela Portugal Ventures”: a Trigger Systems e a Follow Inspiration. Muitas outras ficam pelo caminho.

Foi num dos antigos talhos e peixarias que serviam o mercado municipal que Catarina Nobre montou o seu “laboratório” — também de sabonetes, estes mais coloridos. “Escolher vir para aqui foi muito fácil”, confessa. Decidida a dedicar-se ao projecto “a sério”, depois de uma passagem por um programa de televisão, “todas as propostas que surgiam eram em Lisboa”. Mas “aquilo era o caos total”, diz a designer multimédia (que nunca trabalhou na área), de olhos muito arregalados. “Tudo era muito longe, eu estava sempre cansada. E depois eu utilizo produtos regionais e cheguei a ir para lá com a mala do carro e os bancos de trás todos cheios de garrafões de azeite, mais de 100 litros”, ri-se. O óleo extraído do caroço da cereja é outro dos ingredientes locais — e “sempre 100% naturais” — que usa nos produtos da Musa. “Em Lisboa não havia nada disto, não tinha graça nenhuma. Voltei para cá assim que consegui. E por cá tenciono ficar.”

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Catarina Nobre Teresa Pacheco Miranda

A incubadora é um corredor comprido de cubículos envidraçados onde jovens programam, desenvolvem actividades turísticas, fazem roupa sustentável e sem tamanhos, constroem facas, apostam nas propriedades medicinais da cannabis. Todos se conhecem, todos partilham sinergias. Luís Silva, de 29 anos, está dentro de um deles (“Desculpem, isto está tão desarrumado!”). “Sou uma pessoa muito irrequieta”, diz, como que a justificar o facto de “nunca se ter imaginado aqui” e, mesmo assim, ali ter vindo parar. Só isso explica um trajecto nada convencional.

Luís foi pai jovem e nunca terminou o secundário. Como aos 13 anos já tinha feito a primeira instalação eléctrica, com o 9.º ano arranjou um “emprego efectivo” como electricista. Estava “confortável” em Viseu — “mas isso parou de chegar”. A “liberdade” de viajar numa autocaravana fê-lo começar a pensar noutro tipo de emprego que, percebeu, “tinha obrigatoriamente de ser feito atrás de um computador”. “Decidi que ia saber programar. Atirei-me de cabeça.” Inscreveu-se na Academia de Código, uma startup que dá formação intensiva em programação. “Foi muito intenso, tive de aprender a estudar outra vez.” O curso demora três meses e meio. Dois meses depois estava a trabalhar. “Podia ter sido antes, mas estava à procura da proposta perfeita.” Passou-se um ano e o “sorriso do tamanho do mundo” com que se apresentava à namorada fez com que também ela se inscrevesse no curso. E a caravana continua parada.

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Luís Silva Teresa Pacheco Miranda

A Academia de Código valeu ao Fundão, em 2016, o prémio de Município do Ano. Na altura, a “estratégia de atracção de investimento no município” já tinha mais de três anos e o Fundão queria “atrair talento” para as empresas que ali se fixaram “poderem crescer”, recorda Ricardo Gonçalves. Decidiram apostar nesta startup que só tinha, na altura, “feito um projecto-piloto” em Lisboa. “Tivemos de ir falar com as empresas para as convencer a contratar malta que muitas vezes não tinha licenciatura ou vinham de outras áreas para trabalharem lado a lado com um engenheiro informático. Mas resultou.” Contas feitas: “A taxa de empregabilidade anda nos 96%, o salário médio de entrada é de 900 euros, a idade média dos alunos que chegam de todo o país e de fora é de 29 anos.”

Tudo isto convenceu Valentim, que trocou a faculdade em Lisboa por uma sala no Fundão onde 20 pessoas passam mais de 12 horas por dia juntas, escondidas atrás de monitores. “Porque é que fui para Direito? É uma boa pergunta. Não sei como fui lá parar.” Não conseguia parecer mais honesto mesmo que tentasse. “Fiz o secundário em Letras. Depois, dei por mim e estava a tirar Direito.” Como se tivesse acordado naquele papel. Trabalhava e ia às aulas, mas era outro tipo de código que lhe consumia todo o tempo livre. Começou a aperceber-se: “Se calhar não é bem isto que tu querias estar a fazer...”

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Valentim Patoleia Teresa Pacheco Miranda

Entusiasmou-se com a ideia de procurar um emprego na área que realmente o empolgava, mas logo depois entorpeceu: “Deixar o curso a meio, um ano para fazer os exames [de acesso à universidade], mais três para uma licenciatura em Engenharia Informática… Já tinha perdido demasiado tempo. Não dava.” Estava decidido a continuar a estudar sozinho quando tropeçou no curso que, em vez de três anos, exigia dele um investimento de três meses. Podia ter feito o curso em Lisboa (a academia também está no Porto e na Terceira), “mas lá a vida já é demasiado cara para se estar a pagar seis mil euros em cima disso”. No Fundão, paga 2500 euros e só depois de arranjar emprego, a câmara paga o restante. “E depois? Vai depender das ofertas.” Nesta área, os colaboradores saltam de empresa em empresa. “Mas sair daqui iria obrigar que a proposta fosse muito, muito melhor. Aqui, ainda não encontrei ninguém insatisfeito.”

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Academia de Código do Fundão Teresa Pacheco Miranda
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