“O que alimenta hoje o populismo é a crise dos media tradicionais”
Académico e investigador do think tank Visegrad/Insight, onde pensa a política externa polaca e a sua relação com a Europa, antigo director do Instituto de Assuntos Internacionais de Varsóvia e colaborador do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, Marcin Zaborowski conjuga uma visão actual do que se passa no seu país e uma visão global da UE. A Polónia está a isolar-se cada vez mais da Europa, é uma das principais conclusões. Oitava entrevista da série a Europa e o Presente.
De modelo de transição, a Polónia é hoje um exemplo de uma democracia iliberal onde a independência dos tribunais está posta em causa. Pode não ser tão grave como a deriva húngara, mas afasta a Polónia dos seus parceiros europeus. Há, mesmo assim, uma possibilidade de a oposição conseguir vencer as eleições europeias de Maio, apesar do controlo governamental das televisões. Até porque os polacos continuam a ser fortemente pró-europeus. A vantagem do Partido da Lei e da Justiça, que governa o país desde 2015, foi a sua política social, depois de um longo período de políticas liberais preocupadas com o défice, mas não com a redistribuição.
A Polónia foi um verdadeiro modelo na transição democrática e na transição económica. Quis assumir o estatuto de um dos seis grandes países da União Europeia. De repente, tudo parece ter mudado na sua relação com a democracia e com a Europa. O que é que correu mal?
Temos de recuar até às eleições de 2015, ganhas pelo Partido da Lei e Justiça (PiS, na designação polaca). Havia alegações de corrupção em relação aos partidos do anterior Governo, os eleitores estavam cansados, queriam uma outra opção. E, no nosso sistema de coligações, a outra opção possível questionava abertamente algumas das bases da nossa ordem constitucional. Não se tratou, como noutros países europeus, de mudar do centro-direita para o centro-esquerda. Tratou-se de mudar de uma coligação que cumpria a Constituição para outra que questionava os próprios fundamentos constitucionais do sistema. Parte da explicação para esta mudança é interna. A Plataforma Cívica estava no poder há oito anos e não tinha dado a devida atenção às políticas sociais.
Mas a economia estava muito bem e, aliás, continua a estar.
É verdade, continua. Mas, na percepção de muita gente, os ganhos da economia tinham sido distribuídos de forma muito desigual. Quando o Partido da Lei e da Justiça chegou ao poder, em 2015, adoptou um programa social que, em termos de distribuição de rendimentos, era melhor e que lhes conquistou muito apoio. A vitória do PiS foi um misto entre essa preocupação social e a defesa de valores muito conservadores no que toca à relação entre o Estado e a Igreja, por exemplo, com uma forma de gestão da economia que se poderia dizer mais à esquerda. A alternativa anterior, no que toca à gestão económica, era mais liberal e, em termos orçamentais, muito prudente e muito conservadora. Nunca tínhamos tido uma opção de governo que fosse claramente num sentido mais redistributivo. Este Governo criou, por exemplo, novos benefícios para as crianças ou para quem tivesse um segundo filho. Foi a primeira vez que as pessoas viram o Governo dar-lhes alguma coisa de concreto. E os polacos, é bom lembrar, gostam que o Estado os proteja, em boa medida devido à própria herança do regime comunista. Depois, o Governo também foi ao encontro de uma população crente, que vai à Igreja, que mantém valores sociais bastante conservadores e que tem, ao mesmo tempo, muitas expectativas em relação ao papel do Estado nas suas vidas.
Quatro anos depois da chegada do PiS ao poder, quais são as principais consequências desta rejeição da ordem constitucional no que respeita ao funcionamento da democracia liberal?
Dois tipos de consequências. A primeira é a alteração do funcionamento do poder judicial. Continuamos a viver numa democracia mas deixamos de ser uma democracia liberal, assente na independência dos tribunais. A Polónia continua a ser uma democracia, porque o Governo foi eleito e não pôs em causa o sistema eleitoral. Quando o PiS ganhou a maioria, não conseguiu a votação suficiente para alterar a Constituição. Portanto, o que o Governo está a tentar fazer é mudar alguns aspectos da forma como os tribunais funcionam. Começou com um assalto ao Tribunal Constitucional, através da forma como os juízes são escolhidos. Depois, tentou mudar a lei de funcionamento do Supremo Tribunal, alterando a idade da reforma dos juízes. A opinião pública manifestou-se fortemente contra isso e eles tiveram de recuar. A outra tentativa foi em relação ao Procurador-Geral, que passou a ser basicamente o ministro da Justiça. Antes, era uma instituição completamente separada. Eles fundiram o papel do Procurador-Geral com o do ministro. Também falharam na alteração às regras de funcionamento do Supremo Tribunal devido às pressões da União Europeia. Em síntese, tem havido um permanente assalto à independência dos tribunais ainda que até agora com resultados mistos. Mas, essencialmente, isso significa que já não vivemos num democracia liberal mas naquilo a que hoje chamamos, em oposição, de democracia iliberal.
O segundo “assalto” foi aos media?
Sim. A segunda grande questão é a da independência dos media. Quando chegaram ao poder, mudaram o regime de funcionamento dos órgãos de comunicação social públicos. Antes, a imprensa pública era supervisionada por um conselho constituído por uma representação dos partidos políticos e por pessoas independentes do Governo. Mudaram a lei e agora todos os directores dos canais públicos de televisão são directamente nomeados pelo Governo. Deixaram de ser públicos para passarem a ser governamentais. Deixaram de ser livres para passarem a ser órgãos de propaganda.
E os media privados? Ainda são livres?
Ainda funcionam com liberdade, mas o Governo tenta controlá-los de outras formas, por exemplo, através do controlo das empresas que os detêm. Mas mesmo assim, na sua maioria, mantêm-se independentes.
Podemos dizer que as próximas eleições, que serão as europeias, ainda podem ser realizadas numa base essencialmente livre?
Livre, sim. A questão é se serão justas. Nem toda a gente terá o mesmo acesso à informação. A oposição não terá o mesmo acesso aos órgãos de comunicação públicos, sobretudo às televisões, que apresentam as questões de uma forma enviesada, sempre favorável ao Governo.
Como sabe, há muita gente na Europa que diz que a grande batalha pela alma europeia se vai travar na Polónia. A oposição tem alguma possibilidade de vencer as eleições europeias?
Até agora, as sondagens indicam um empate — 50% de probabilidades para cada lado [as mais recentes sondagens indicavam que a coligação a favor da Europa estava à frente do PiS, com 35% para 33%, respectivamente]. Os partidos da oposição moderada conseguiram unir-se numa ampla plataforma política — a “Coligação Europeia” — que inclui a Plataforma Cívica, sociais-democratas, ex-comunistas, “verdes” e que representa uma grande aliança pró-democrática. Nas sondagens, ou estão ligeiramente à frente ou ligeiramente atrás do partido governamental. Seja como for, vão ter um resultado muito decente. Mas o Governo não está inactivo e anunciou já mais uma série de medidas sociais muito populares, por exemplo, o aumento das pensões, mais benefícios para as crianças, isenção de impostos para quem tenha menos de 26 anos. Vamos ver que impacto isso tem nos resultados.
Podemos dizer que, para além dessa dimensão estritamente doméstica, a grande divisão é entre partidos que são claramente pró-europeus e partidos, como o do Governo, com uma posição na melhor das hipóteses muito crítica da União Europeia?
Estas eleições serão, como referiu, muito importantes para a Europa, em muitas dimensões. O partido de [primeiro-ministro húngaro] Viktor Orbán vai ter, possivelmente, de abandonar o Partido Popular Europeu [PPE, centro-direita] e, se tal acontecer, pode vir a juntar-se ao grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, do qual o PiS faz parte e também ainda os Conservadores britânicos. Se isso acontecer, mesmo com a saída dos britânicos, pode tornar-se no terceiro maior grupo parlamentar do Parlamento Europeu.
Voltando à questão europeia, quando o PiS conquistou o poder anunciou que a Polónia “deixaria de estar de joelhos” perante a União Europeia. Isto quer dizer que há um sentimento generalizado de rejeição de Bruxelas? Que é uma espécie de novo império, ainda que mais benigno?
Os polacos não compram essa ideia. As razões pelas quais votaram no PiS não foram essas, nem foram sobre o seu programa europeu, mas antes, como já referi, pelas suas promessas de natureza social. Uma vasta maioria dos polacos continua a ser muito pró-europeia. As sondagens apontam para valores acima dos 80%, correspondendo ao resultado do referendo sobre a adesão em 2003. Além disso, a Polónia continua a ser a maior beneficiária líquida do orçamento europeu. As pessoas percebem que o país mudou e continua a mudar, em boa medida graças ao apoio da União Europeia. É isso que as pessoas realmente sentem. A propaganda do Governo vai no sentido que referiu — que a Europa nos impõe coisas que não queremos —, mas não está, claramente, a resultar. E eles perceberam isso e já adaptaram a sua mensagem. Agora, dizem que não são contra a Europa, dizem apenas que a Europa foi longe de mais e que são eles os verdadeiros europeus. Também insistem em que o “Brexit” é culpa da União Europeia e não dos britânicos. O Reino Unido é, talvez, o único país da União Europeia com quem têm boas relações. Mas, no geral, estão hoje bastante isolados no quadro da União. Tentam ser muito pró-britânicos e, muito mais ainda, pró-América.
Com a concretização da saída do Reino Unido, vão perder o seu principal aliado. Que alternativas têm?
Não muitas. Em primeiro lugar, a Hungria de Viktor Orbán. Mas também mantêm conversações com [o vice-primeiro-ministro italiano e líder da Liga] Matteo Salvini. Ele esteve cá recentemente, teve um encontro com [Jaroslaw] Kaczynski, o verdadeiro líder do PiS. Mas há um problema nesta relação: eles consideram que Salvini é demasiado pró-russo. Não o suficiente para não poderem entender-se em algumas questões com ele, mas mesmo assim demasiado. Mas a sua característica principal é serem muito, mas mesmo muito pró-América, quase numa reprodução dos tempos da Guerra Fria.
Percebe-se que sejam pró-americanos também porque atribuem, com razão, aos Estados Unidos a libertação do império soviético. Aliás, como os outros países da Europa Central e de Leste. Li recentemente um dos seus textos sobre a política externa polaca em que a define como “America First”. O que quer exactamente dizer com isso?
Tem razão, quando diz que os polacos são, de um modo geral, pró-americanos, pelas razões que mencionou. Aliás, a Coligação Europeia é igualmente pró-americana. Mas agora a questão é a do reforço da cooperação militar com os EUA e é, sobretudo, no sentido em que o Governo gosta de Donald Trump e do seu comportamento político, que se assemelha muito ao que ele próprio pratica. Além disso, o facto de se sentirem isolados na União Europeia leva-os a este “salto” em direcção aos Estados Unidos. Mesmo que, muitas vezes, as coisas também não aconteçam exactamente como eles desejariam.
Podemos dizer que é mais pró-Trump do que pró-Estados Unidos?
Sim. É a maneira certa de colocar a questão. Viu, com certeza, as notícias sobre a conferência sobre o Médio Oriente que se realizou recentemente em Varsóvia.
Sim.
O Governo quis oferecer a Washington uma iniciativa política que era do interesse estritamente americano, mas nem tudo lhe correu bem. A conferência não significa que a Polónia tenha um particular interesse no que se passa no Médio Oriente, apenas que quis agradar a Trump, que estava muito interessado nela, sobretudo por causa do Irão, para encontrar uma maneira de pressionar os europeus em relação ao acordo nuclear com Teerão. Mas isso acabou por não funcionar, como certamente reparou. A participação europeia foi limitada e muitos governos europeus manifestaram o seu descontentamento com a iniciativa polaca, deixando a Polónia ainda mais isolada. Além disso, a pretensão do Governo de convencer os americanos a instalar uma base militar na Polónia, pela qual dizem que estão dispostos a pagar 2 mil milhões de dólares, não teve qualquer sucesso até agora. Apenas irritou os aliados europeus e a própria NATO. O PiS também quer ter uma boa relação com Israel, ou melhor, não tanto com Israel, mas sobretudo com o Governo do Likud.
Houve, aliás, durante a conferência um desentendimento em relação a Israel e aos judeus, que não correu muito bem ao Governo polaco e que levou um distanciamento dos próprios Estados Unidos. Creio que foi a propósito da lei, muito polémica, que criminaliza qualquer referência que considere que os polacos tiveram alguma coisa a ver com a perseguição dos judeus e com o Holocausto. Isto significa que a questão judaica está outra vez presente no debate público polaco?
O PiS não é um partido anti-semita, convém sublinhar isso. Mas é um partido muito nacionalista. Quando fizeram aprovar essa lei, não creio que fosse por anti-semitismo mas apenas porque querem libertar a nação placa de qualquer responsabilidade pelo Holocausto e por Auschwitz. Mas os americanos são sempre muito sensíveis neste domínio, com a Polónia ou com outro país qualquer, e não deixaram de criticar o Governo. As pressões internacionais, nomeadamente dos EUA e de Israel, em relação a essa lei acabaram por levar o Governo a recuar, abrindo uma excepção para a investigação histórica. Mas, em relação à conferência, os israelitas não mostraram qualquer gratidão, pelo contrário, renovaram as suas alegações históricas, os americanos dirigiram o espectáculo, assinaram alguns contratos de defesa, mas não prometeram absolutamente nada.
Qual tem sido exactamente o papel da Igreja Católica no apoio ao Governo?
A Igreja polaca tornou-se muito política e, na sua maioria, apoiou o partido do Governo. E isso compreende-se porque o PiS é muito conservador em matéria de costumes, desde a oposição ao casamento entre homossexuais até às políticas mais liberais neste domínio que são hoje comuns na União Europeia. Mas isso também tem tido um efeito não desejado. As pessoas são católicas, vão à Igreja, mas não é isso que determina as suas posições políticas. O Presidente a Câmara de Gdansk, da oposição, que foi assassinado no passado mês de Janeiro durante uma festa de caridade, era um católico praticante. Agora, há muita gente como ele que começa a deixar de ir à Igreja. A Igreja teve um papel fundamental na unificação do país e mas está a correr o risco de perder esse papel. Há aqui também uma mudança importante.
Nesta crise existencial que a Europa atravessa, muitos analistas têm referido uma linha de fractura cada vez mais acentuada entre o Leste e o Ocidente. O que é que há de comum entre, por exemplo, os países de Visegrado, que justifique esta divisão?
Os países de Visegrado são muito diferentes entre si e na sua relação com a Europa. Há países de Leste que já são membros da zona euro, por exemplo. Alguns deles são democracias estáveis. Mas, no conjunto, sofrem das mesmas dificuldades de consolidação democrática que é comum aos países da Europa de Leste. As suas democracias não são tão sólidas como chegou a parecer há alguns anos, são ainda muito recentes e a sua independência em relação à União Soviética também. A questão-chave, creio eu, é a questão dos media e nem sequer é apenas um problema apenas desses países. Nas democracias consolidadas, os media tradicionais também atravessam uma crise profunda, que resulta da presença crescente das redes sociais e de uma nova forma de comunicação. E isso é ainda mais evidente nesses países, onde os órgãos de informação tradicionais e a liberdade de imprensa nunca chegaram a ser tão fortes. Além disso, nesses países, boa parte dos media tradicionais ou são controlados pelos governos, ou estão muito dependentes dos contratos com os governos.
Mas é correcto dizer que os problemas com a democracia são os mesmos na Polónia, República Checa, Eslováquia ou Hungria? Que são todos iguais?
Não. A Hungria é o caso mais grave. Basta olhar para o mais recente relatório da Freedom House, onde a Hungria já não está no grupo das democracias consolidadas. Na Polónia, as coisas também não estão bem, como já vimos, mas ainda é considerada como um país onde pode haver eleições suficientemente livres para alterar a situação, mesmo que a Freedom House tenha insistido, nos seus últimos relatórios que a democracia se tem deteriorado desde 2015. As coisas variam em termos de transparência do sistema mas, para além da Hungria, nesses países ainda é perfeitamente possível mudar de governo. Na República Checa e na Eslováquia há uma grande influência da Rússia, sobretudo através das redes sociais e dos media electrónicos, mas, de um modo geral, as coisas correm bem. Por exemplo, nos dois países ainda há um consenso político pró-europeu relativamente alargado. Não houve, nem num nem noutro, qualquer assalto ao poder judiciário, como aconteceu na Polónia. Por isso, não se devem meter todos no mesmo saco.
A Alemanha fez um grande esforço de aproximação a Varsóvia, mas o actual Governo polaco trata tão duramente Bruxelas como Berlim. Como é que vê hoje o papel da Alemanha na União Europeia e na Polónia?
Para a Polónia, como um pouco frustrante, na verdade. Para a Polónia, é uma relação muito importante, talvez a mais importante, e tem sido mutuamente benéfica. Mas o Governo alemão não faz qualquer crítica ao Governo de Varsóvia. Claro que por razões históricas, Berlim evita sempre criticar qualquer governo polaco. As relações continuam a ser normais, há reuniões entre os governos. Mas, aqui, o Governo de Berlim é bastante criticado por não dizer nada sobre o que se passa com o Governo polaco e com a democracia. Mas, naturalmente, a Alemanha é ainda a potência indispensável. Foi essencial no lançamento e na preservação da integração europeia. Foi também o motor fundamental do alargamento à Polónia e aos outros países da Europa central e de Leste. Se, depois da II Guerra, a Alemanha se aproximou da França para viabilizar a integração europeia, depois da Guerra Fria fez a mesma coisa em relação à Polónia. Contudo, como outras nações, a Alemanha também é uma potência egoísta, que pensa em primeiro lugar nos seus próprios interesses.
Berlim está de novo a patrocinar uma nova ligação directa entre a Rússia e a Alemanha para a importação de gás — o Nord Stream II. Houve um coro de protestos na Polónia, quando o Nord Stream I (lançado em 2005 por Putin e o anterior chanceler Gerhard Schroeder) foi construído. Como é que se vê aí este comportamento?
O Nord Stream II é um exemplo clássico desse comportamento egoísta que ignora os interesses e as percepções das nações que estão entre a Alemanha e a Rússia, incluindo a Polónia. Mesmo assim, a relação entre a entre os dois países é demasiado rica e demasiado importante para permitir que este desentendimento a prejudique, até porque é essencial para a estabilidade do continente europeu.
Como alguém que conhece muito bem a União Europeia, como é que vê esta crise profunda que atravessa? É possível ultrapassá-la? Até porque o nacionalismo não é apenas um problema polaco. É um problema europeu.
Creio que a União Europeia lidou bem com a crise do euro, que chegou perto da ruptura da zona euro. A União saiu dela mais forte e mais integrada — nomeadamente com a criação da União Bancária e do Pacto Orçamental. A confiança dos países europeus na moeda única é mais forte agora. Mas a Europa não lidou da mesma maneira satisfatória com a crise migratória de 2015, que revelou mais desunião do que união. A União também ainda não conseguiu responder ao desafio do populismo, que começou na Europa Central — com Orbán e Kaczynski — e que desde aí se propagou para outros países. O populismo também alimentou o “Brexit” e a eleição de Trump. Não é apenas um problema europeu mas uma crise mais ampla das democracias liberais do Ocidente que, em larga medida, perderam o contacto com os eleitores. Mas também o que alimenta hoje o populismo é a crise dos media tradicionais. Creio que a União Europeia devia investir recursos significativos nos órgãos de informação tradicionais para garantir que as pessoas continuem a ter acesso a uma informação credível e variada.
A envolvente externa da Europa mudou radicalmente nos últimos anos. Trump não gosta da integração europeia, rompendo com uma política americana que se manteve desde a guerra. A Rússia voltou a ser uma ameaça. A China decidiu entrar no jogo. A Europa está preparada para lidar com estas mudanças profundas?
Não creio que esteja. Os Estados Unidos, com a presidência de Donald Trump, deixaram de apoiar a integração europeia. Para ser mais exacto, estão a trabalhar directamente para quebrá-la. A Rússia utiliza qualquer oportunidade para enfraquecer o Ocidente e a União Europeia, que é o seu principal “concorrente” na Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia ou Moldava. A China continua a ser um concorrente económico mas ainda não parece estar a tentar quebrar a União Europeia. A Europa deixou de poder contar com ao apoio geopolítico dos EUA. Precisa de contar consigo mesma, o que também quer dizer que não pode continuar a seguir a América. Tem todas as condições para se transformar numa verdadeira potência mas a questão que se mantém é saber se tem a vontade necessária.