O dia em que o 205 foi (tentar) conhecer o 208

Todos os anos, durante duas semanas, Genebra, na Suíça, recebe o presente e o futuro da indústria automóvel. Uma viagem entre tempos que também fizemos numa road trip com partida de Mulhouse, na França, à moda antiga: nuns velhinhos Peugeot 205.

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Nicolas Zwickel

Assistentes de segurança activa e passiva, condução autónoma, electrificação, motores com mais cavalos do que alguma vez sonhámos. E valores que constituem para quase toda a gente, arriscamos, um ultraje — caso de La Voiture Noire, apresentada pela Bugatti pela “módica” quantia de 11 milhões de euros (sem impostos).

Pelos halls do centro de exposições Palexpo, paredes-meias com o aeroporto internacional de Genebra, assiste-se a uma multidão de gente a deambular de stand em stand pelo Salão de Genebra, com alguma surpresa, mas pouca estupefacção. Como se o passado de há escassos 30 anos tivesse ficado perdido entre as páginas da Idade Média e já poucos se lembrassem de como era conduzir sem direcção assistida ou travar sem ABS, numa época em que o controlo electrónico de estabilidade seria algo de que apenas tivéssemos ouvido falar numa qualquer série de ficção científica ao jeito de Espaço 1999.

Adiante. Porque, da nossa parte, a primeira viagem é exactamente em sentido inverso, rumo ao passado: cabe-nos a tarefa de levar várias versões dos Peugeot 205, saídos das garagens de coleccionadores ou da própria marca, a conhecer a descendência — o novo Peugeot 208, com que o emblema parisiense volta a romper totalmente com o passado. Uma decisão que não é uma novidade na casa nem com este modelo em específico. Já tinha acontecido na passagem dos 205 para o 206 — um exemplar deste último, na conhecida versão Quiksilver, permite-nos observar o salto gigantesco dado na passagem do milénio (foi lançado em 1998 e só em comprimento tinha quase mais um palmo).

Os pequenos, mas bastante atrevidos, 205, que, além de se terem tornado um caso sério de sucesso de vendas, fizeram carreira nos ralis, constituem uma orquestra, das barulhentas, de ignição ligada e, em fila, prontos a serem recolhidos no centro de operações do grupo PSA na zona, junto à fábrica de Sochaux. O facto chega como um choque depois de uma noite em Mulhouse, a 15 quilómetros da fronteira franco-alemã, onde a total ausência de ruído faz-nos questionar se esta é efectivamente uma cidade. É fim-de-semana de Carnaval, mas a efeméride é amplamente ignorada: pouco passa da meia-noite e nem pessoas na rua nem carros nas estradas. O silêncio é sepulcral e nem acreditamos quando confirmamos a informação de que há mesmo um restaurante aberto a estas horas, com a cozinha a funcionar até à uma da manhã (é de apontar: o Restaurant Hug, no número 11 da Rue du Sauvage).

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Nicolas Zwickel

Gigantes a bordo

Assim que entramos no supermini que fez furor nas décadas de 80 e 90 do século passado, sentimo-nos como que gigantes — parece que há mais de nós do que de carro. A versão com que nos estreamos é o CTi, o cabriolet vermelho-vivo, com capota em preto, saído dos estiradores do atelier italiano Pininfarina, alimentado por um bloco de 1,6 litros, a debitar 115cv às 6250rpm — um portento para a época, em carro tão leve (935kg), que lhe permitia apresentar-se com uma velocidade máxima de 193 km/h.

Com o céu cinzento e alerta vermelho de ventos para todo o Nordeste gaulês, não equacionamos sequer mexer na capota; ainda que, mais tarde, e já com colegas de outro país ao volante, a mesma tenha adquirido vontade própria — e não conseguimos evitar o riso quando a informação “estamos a perder a capota” nos chega via rádio. Não é riso de maldade; é apenas a prova de que estes carros que conduzimos já não estão para avarias e requerem algum cuidado no tratamento. Afinal, temos pela frente uma viagem de mais de 300 quilómetros, com muita estrada de montanha pela frente, e paisagens deslumbrantes. Ainda que haja pressa para chegar a tempo para conhecer o mais recente membro da família, o melhor é desfrutar tanto dos carros como do caminho.

Ao fim de pouco tempo, despedimo-nos de França e do conforto da auto-estrada para seguirmos por caminhos secundários, onde o trabalho com a caixa de velocidades se torna mais comum, mas também se tornam mais evidentes as potencialidades do pequeno CTi. Não que nos possamos queixar da resposta em auto-estrada. Mas fica sempre a sensação de que estamos a circular a uma cifra muito superior àquela que o velocímetro exibe — e, por falar em mostradores do painel de instrumentação, melhor mesmo é não nos fiarmos neles: há uns que já desistiram de trabalhar, obrigando-nos a adivinhar o nível de combustível que resta ao depósito ou a temperatura do motor quando enfrentamos o pára-arranca já em Genebra. Dedos cruzados...

Tuning em contra-relógio

A entrada na Suíça faz-se atravessando pequenas localidades agrícolas, denunciadas por enormes silos e palheiros, pelas quais não falta sequer a bandeira lusa hasteada em casas espalhadas pelas pequenas vilas. Mas depressa damos por nós a cruzar o Parque Natural Chasseral, um dos pontos mais altos do Jura suíço, a partir do qual, em determinadas perspectivas, se consegue avistar o magnânimo Monte Branco. Por aqui, a flora alpina dá cartas, e os vastos prados verdejantes denunciam estarmos a cruzar o mundo do leite, do queijo e do chocolate. Deslumbrados pelas paisagens, a nossa atenção é disputada entre as vistas e o carro que muitos de nós um dia ambicionou ter. O 205 Rallye, com 103cv trancados num pequeno motor de 1,3 litros, alimentado por dois carburadores Weber, montados na horizontal, e com uma aceleração dos 0 aos 100 km/h de respeito para a época de apenas 8,7 segundos. Quanto ao ronco, confessamos ser quase música para os nossos ouvidos. Problema: a travagem não se revela das mais seguras — melhor aproveitar o som e deixar a velocidade para outro dia — e o depósito insiste que está cheiinho, mesmo depois de já termos percorrido um terço do caminho.

A mudança seguinte não desilude: o 205 Gutmann 1.9L i16v, preparado pelo mestre do tuning da marca francesa que lhe dá nome. Com 160cv, suspensões rebaixadas em 30mm, sistema de travagem reforçado e um novo sistema de escape, a versão foi um marco na carreira do modelo. É a bordo deste que descemos a montanha, quase a pique, rumo ao lago de Bienna, uma tal imensidão de água e corrente que quase nos parece um doce mar.

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Nicolas Zwickel

Os grandes lagos suíços acompanham praticamente todo o nosso percurso até Genebra, que foi mesmo ou 8 ou 80, só que ao contrário: primeiro a bordo de um revolucionário 206 Quiksilver de 1,6 litros com 110cv, capaz de acelerar dos 0 aos 100 km/h em 9,8 segundos e já com uma série de “mordomias” mais comuns aos carros da actualidade; a seguir, num divertido 205 Champion de 1,1 litros e 55cv, cuja condução — não obstante o facto de o automóvel não ir para lá dos 155 km/h de velocidade máxima ou de a aceleração dos 0 aos 100 km/h requerer longos e intermináveis 18,8 segundos (!) — teria sido mais animada não se desse o caso de o vento forte ter marcado o regresso à auto-estrada.

Já sabemos que o Palexpo está perto, como denuncia o tráfego cada vez mais intenso, mas, ainda assim, acalentamos a esperança de chegar antes de se fecharem as portas do salão, onde decorreu durante a tarde a cerimónia de abertura, e ver o novinho 208 (quase) em primeira mão. A bordo de um dos carros mais antigos do leque, o 205 Lacoste 1.4L com 60cv, vamos torcendo para que o fluxo urbano ajude e para que nenhum dos carros sobreaqueça.

Não nos demos mal quanto ao segundo receio. Já o primeiro deixou-nos do lado de fora da montra do futuro do automóvel, como que num sinal de que, neste caso, passado e presente acabaram de costas voltadas. E basta uma observação rápida ao Peugeot 208 que aí vem para perceber que, honrando as premissas do passado, a marca está decidida a correr atrás do futuro.

A Fugas viajou a convite da Peugeot Portugal

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