José Avillez abriu uma Tasca portuguesa no Dubai (e nós estivemos lá)
O chef acaba de inaugurar o seu primeiro restaurante fora de Portugal. É uma Tasca contemporânea, de base portuguesa mas à Dubai, no último piso do novo hotel de luxo do emirado. O maior desafio? Criar uma carta sem carne de porco.
A mesa vai-se compondo de pequenos pratos: tempura de bacalhau, robalo curado e marinado com óleo de gamas e abacate, gambas marinadas com citrinos, algas e trufa. Não tarda, chegarão os carabineiros, o arroz de lagosta e gambas, o pica-pau de wagyu e o frango de piripiri. Mas, antes, faça-se silêncio, que Cuca Roseta vem cantar o fado.
A Tasca, o primeiro restaurante de José Avillez no estrangeiro, foi inaugurada esta terça-feira no último piso do Hotel Mandarin Oriental Jumeira, depois de uma semana em soft opening. Os sabores à mesa são portugueses, mas o horizonte de arranha-céus que ilumina toda a parede de vidro não deixa margem para engano: estamos em pleno Dubai. Ao cenário, não falta sequer o Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo. “À noite, é uma das paisagens mais bonitas que vi na minha vida”, dizia-nos José Avillez no dia anterior. É um cenário que entra dentro do restaurante como um quadro vivo, como se fizesse parte da decoração.
A Tasca, um nome “bem português” mas “relativamente fácil de ser pronunciado nesta parte do mundo”, é um restaurante de cozinha contemporânea portuguesa, com uma carta constituída por entradas e pequenos pratos para partilhar. Um conceito que também “existe muito no Dubai”. Na carta, sobressaem os pratos de peixe e de marisco, “praticamente tudo” vindo de Portugal, embora muitos sabores sejam familiares. “Para quem conhece o Mini Bar e o Páteo, temos alguns pratos dos dois, outros nas mesmas linhas.” Do Belcanto, com duas estrelas Michelin, veio a horta da galinha dos ovos de ouro e a sobremesa tangerina, por exemplo.
Portuguesa mas pork free
Muitos dos conceitos já estavam criados, mas as receitas foram adaptadas ao gosto do emirado. “Eles chegam aqui e estranham um pouco”, comentava Luciano Marques, que, depois de liderar as cozinhas do Mini Bar e do Bairro do Avillez, assume a posição de chef-executivo da Tasca. O bacalhau, por exemplo, é servido com um nível de sal mais baixo; o polvo à lagareiro é apresentado com um corte diferente.
Há também um aproximar das duas culturas, através das influências gastronómicas deixadas pelos navegadores portugueses pelo mundo ou de produtos utilizados em ambas as cozinhas, como o tremoço, que surge incorporado num húmus. “Tem um lado de criatividade e, ao mesmo tempo, uma ligação ao local. Acho que isso nos diverte e faz-nos ter mais vontade de trazer para cá o que é nosso, mas também encontrando estas relações todas que são muito importantes”, resume José Avillez.
O maior desafio foi mesmo cozinhar sem qualquer derivado de porco, uma vez que o hotel é pork free (além da Tasca, existem outros cinco espaços de restauração). “Isto é cozinha portuguesa sem porco, o que, para nós, às vezes até é difícil imaginar”. Para se poder servir porco no Dubai são necessárias autorizações especiais e uma cozinha separada para a preparação. O caminho escolhido não foi esse. “Fez-nos crescer também, ter novas ideias. Onde se usaria banha, usar outro tipo de gorduras, poder fazer umas carnes curadas de vaca em vez dos típicos enchidos de porco.”
Trendy e com DJ
No Dubai, acredita Avillez, ainda há muito desconhecimento sobre a gastronomia portuguesa. “Acho que têm uma imagem um bocadinho mais boring do que ela é realmente.” Um dos pratos mais conhecidos é o chicken piripiri – a Tasca também tem uma versão e é um dos pratos que tem tido mais saída. “Têm ideia de que há muito peixe e marisco, mas não sabem exactamente o quê, ouviram falar de bacalhau mas não sabem o que é um peixe salgado e seco ao sol.” É um sabor que “estranham bastante” quando provam.
Por isso, para Avillez, a estreia no Dubai é também uma oportunidade de “começar a romper alguns preconceitos” e promover a gastronomia e o país. Não só junto da população local, como também dos milhares de turistas e viajantes em trânsito que aterram todos os anos no Dubai. Daí que exista “algum cuidado em divulgar a Tasca como um restaurante português, de um chef português, de cozinha contemporânea”. “Para as pessoas, aos poucos, começarem a dar uma oportunidade e a perceberem o que é a cozinha portuguesa.”
Para já, conta com o mercado da saudade. Durante o período de soft opening foram servidas cerca de 800 refeições na Tasca – entre 250 a 300 eram clientes portugueses. Mas também com os expatriados vindos de todo o mundo, que correspondem a uma elevada percentagem do mercado da restauração no Dubai. A cidade “vive muito de um lado de festa”, sai-se muito “para celebrar e divertir”. Por isso, Avillez queria que a Tasca fosse “um restaurante trendy”, com DJ a tocar ritmos dançantes durante o serviço de jantar. Que atraísse também pelo ambiente, pelo hotel e pelas vistas. Se de um lado temos o skyline do Dubai no horizonte, do outro há uma enorme varanda com uma piscina infinita a mergulhar na praia.
Internacionalização a dedo
Depois de 18 restaurantes em Portugal, 12 dos quais lançados nos últimos três anos (com mais quatro para breve), a Tasca é o primeiro espaço que José Avillez abre fora do país e isso acaba por ter “um gostinho especial”, admite. “É um grande desafio, com o extra de juntarmos esta grande responsabilidade, mas também honra, de poder representar Portugal fora.”
Para já, apesar de ter “muitas, muitas propostas” há vários anos, esta parceria com o grupo hoteleiro Mandarin Oriental foi a única que aceitou. Mas Avillez não põe de parte a abertura de outros restaurantes fora do país. A internacionalização do grupo é um objectivo assumido, embora não exista “nada certo ainda”. “Ir para fora implica um ritmo de crescimento diferente do que em Portugal. Os locais para onde vamos têm de ser escolhidos a dedo, não só numa perspectiva financeira, mas também do que para mim faz sentido a propagação da marca.”
Depois da Tasca, as atenções voltam a focar-se em Portugal. Prepara-se para abrir um novo restaurante asiático “por estes dias” em Lisboa e, para breve, está também a abertura de um novo Cantinho do Avillez, desta vez em Cascais, onde também ficará localizado o Maré. Depois vão “acalmar um bocadinho”. Ainda que Avillez assuma ser um “irrequieto”, com “muitas vontades” e “muitas ideias”.
Lá fora, no recanto da varanda a que chamaram Porto – há também o Algarve, na zona mais a sul do espaço, Lisboa e, com vista para o skyline do Dubai, a Madeira –, foi desenhado um mural na parede de tijolos com várias alusões a Portugal. Entre elas, está uma garrafa de vinho do Porto de 1979, ano em que nasceu José Avillez. Em Outubro celebra 40 anos.
“Nunca imaginei que pudesse estar aqui”, reage. “Sempre pensei muito em grande, por ter muitos sonhos, tenho uma grande ambição de fazer projectos. Acho que há um lado que é muito saudável, de construir, e outro, se calhar mais patológico, no sentido de ter de estar sempre a fazer alguma coisa para me sentir bem. Esse tento contrariar um bocado, porque depois também acabo por viver menos o presente e estar sempre a pensar: E agora, e agora, e mais, e mais.” O que falta? “Estamos a meio do caminho, ainda falta muita coisa.” A vida, diz, “é isso mesmo”.
A Fugas viajou a convite do Grupo José Avillez