May não convenceu aliados e acordo do “Brexit” pode ser chumbado de novo
Parecer jurídico do procurador-geral britânico assume que os riscos do backstop se reduziram, mas não desapareceram. E os conservadores eurocépticos e DUP hesitam em apoiar o acordo de saída, na votação decisiva desta terça-feira.
As garantias “juridicamente vinculativas” ao tratado de saída do Reino Unido da União Europeia, que Theresa May anunciou ao final da noite de segunda-feira, em Estrasburgo, podem não ser suficientes para que os seus aliados no Parlamento dêem luz verde ao acordo, na votação decisiva desta terça-feira na Câmara dos Comuns.
A primeira-ministra britânica apresentou três documentos que, na visão do Governo, asseguram que o backstop – a cláusula de salvaguarda para evitar o regresso da fronteira à ilha da Irlanda – não deixará o Reino Unido “indefinidamente preso” às regras europeias.
O primeiro é um instrumento interpretativo que oferece força legal à carta que Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia) e Donald Tusk (presidente do Conselho Europeu) escreveram em Janeiro, a defender que o backstop não será uma solução permanente.
O segundo é uma declaração conjunta que decreta que as duas partes vão procurar “disposições alternativas” e em “boa-fé” ao backstop, durante os próximos 20 meses. E o terceiro é uma declaração unilateral do Reino Unido definindo que pode solicitar o fim do backstop a um painel de arbitragem independente, caso entenda que a UE não está a fazer esforços suficientes para arranjar uma alternativa.
Mas tanto os conservadores eurocépticos como os unionistas norte-irlandeses, que apoiam o executivo no Parlamento, não parecem convencidos com as novidades trazidas de França , após uma reunião de última hora segunda-feira à noite com Juncker e Michel Barnier (negociador-chefe da UE para o “Brexit”).
“Na nossa opinião, não foram conseguidos progressos suficientes até ao momento”, disse o Partido Unionista Democrático (DUP) irlandês em comunicado. “Parece-nos claro que os riscos de mantêm e que o Reino Unido pode ficar impedido de sair legalmente do backstop caso este seja activado”
Contra May joga o parecer jurídico divulgado esta terça-feira pelo procurador-geral Geoffrey Cox aos novos desenvolvimentos. Segundo Cox – que foi uma das últimas armas do Governo para negociar com Bruxelas –, das concessões obtidas resulta uma “redução do risco” de o país ficar preso à UE, mas não a sua eliminação.
Sendo o backstop accionado por “não haver um incumprimento demonstrável de nenhuma das partes”, mas “simplesmente por divergências intratáveis” entre elas, o Reino Unido fica “sem meios internacionalmente legais para abandonar o protocolo”. “Os riscos legais permanecem inalterados”, assumiu Cox.
Ora para a facção hard-brexiteer do Partido Conservador e para os dez deputados do DUP estas conclusões não garantem um limite temporário do backstop, nem permitem ao Reino Unido suprimir unilateralmente o mecanismo.
“À luz da nossa própria avaliação legal e de outras, não recomendamos à aceitação da moção de hoje do Governo”, defendeu Bill Cash, conservador e membro do ERG [European Research Group, o grupo de deputados eurocépticos conservadores].
O backstop pretende evitar a reposição dos controlos alfandegários entre Irlanda do Norte e República da Irlanda e pôr em causa os acordos de paz que puseram fim ao conflito na ilha. Mas dele resulta a manutenção do Reino Unido numa união aduaneira com a UE e o alinhamento do território norte-irlandês com o mercado único, caso Londres e Bruxelas não encontrem uma solução alternativa até ao final de 2020.
Sem o apoio dos seus aliados no Parlamento e com a oposição decidida a votar contra, o Governo corre sérios riscos de ver novamente chumbado o acordo do “Brexit”, dois meses depois de a sua primeira versão ter sido rejeitada por 230 deputados.
A votação na Câmara dos Comuns de Westminster começa às 19h desta terça-feira.