Portugal é dos países com maior crescimento no pedido de patentes

São boas notícias, mas nem tanto. Relatório europeu contabiliza 220 pedidos feitos em 2018. No quadro geral, o país continua na liga dos últimos.

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INESC TEC foi a entidade portuguesa que fez mais pedidos de novas patentes em 2018 Paulo Pimenta/Arquivo

Um sistema que permite medir o nível de stress fisiológico de humanos em contexto laboral e com base em alguns sinais do nosso electrocardiograma; um método que recorre a inteligência artificial que permite melhorar a exactidão de análises a elementos químicos por laser em actividades como a mineração; ou antenas subaquáticas que permitem criar imagens para a navegação subaquática, seja em mar ou rio. Estes são três exemplos de inovações nacionais que foram objecto de pedido de registo de patentes em 2018, um ano em que o número de pedidos portugueses junto do Instituto Europeu de Patentes (IEP, ou EPO na sigla inglesa) subiu em flecha. Ao todo foram 220 pedidos, uma subida de 46,7% face aos 150 pedidos de 2017, e a primeira vez em que se ultrapassa a fasquia dos 200. Parece uma boa notícia – e sem deixar de o ser, não é tão boa assim.

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Como em tudo o que envolve estatísticas, pode-se ler os números de diversas maneiras. A versão do copo meio cheio aplicada ao relatório anual do IEP divulgado nesta terça-feira em Munique é a de que Portugal é um dos países com a maior taxa de crescimento. No grupo de 38 países membros do IEP, só a Lituânia e São Marino têm uma taxa superior à portuguesa.

Já a versão do copo meio vazio é a de que os números mostram que Portugal não conta para o mapa: representa apenas 0,1% dos pedidos de protecção da propriedade intelectual feitos na Europa; perdeu cinco lugares no ranking (era 30.º em 2017 e, apesar de melhoria em termos nominais desceu cinco lugares, para 35.º); fica a anos-luz dos países dos parceiros europeus com os quais se quer comparar, sendo inclusivamente ultrapassado por países como Barbados, Arábia Saudita ou República Checa; e entre as entidades portuguesas que mais pedidos fizeram, dominam os centros e investigação e as universidades, em claro contraste com a realidade dos parceiros de referência, onde, pelo contrário, dominam as empresas.

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Uma pequena amostra desta irrelevância que coloca Portugal fora do clube das nações onde a propriedade intelectual é uma ferramenta estratégica da gestão de activos: a alemã Siemens sozinha fez mais de 2493 pedidos em 2018, isto é, 11 vezes mais do que um país como Portugal.

Um sinal de força, outro de fraqueza

O comentário da versão copo meio cheio é do próprio presidente do IEP, António Campinos, um luso-francês que foi eleito em Outubro de 2017 para aquele cargo e que assumiu funções a 2 de Julho de 2018. 

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“É com muito agrado que vejo o número de pedidos de patentes crescer de forma tão vigorosa no meu país”, afirma António Campinos, no comunicado que acompanha a divulgação do relatório anual daquele instituto, que passou a liderar depois de um longo percurso profissional nesta área, incluindo a presidência do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) bem como outros cargos noutros organismos internacionais.

Mas tal como há números que mostram o lado bom, também há comentários para explicar os dados que mostram como Portugal anda algures pela liga dos últimos.

“As empresas portuguesas não conhecem e não reconhecem o sistema de patentes como um instrumento útil de gestão. Por outro lado, a integração dos doutorados em empresas não tem dado o contributo que deveria para a mudança desta realidade, porque a maior parte [desses doutorados] não tem sequer sensibilidade para este tema, o que mostra que o problema também tem origem na própria academia”, afirma Catarina Maia, responsável pelo serviço de licenciamento de tecnologia no INESC TEC, precisamente a instituição portuguesa que mais pedidos de novas patentes submeteu ao IEP em 2018. 

A importância das patentes é realçada por quem encara os números do relatório como “sinal da crescente força do país na inovação, investigação e desenvolvimento”, como anota António Campinos.

“As patentes são essenciais para fortalecer a competitividade do país e das suas empresas e um pré-requisito para o crescimento e a criação de empregos”. O PÚBLICO pediu mais comentários ao presidente do IEP, mas este não esteve disponível. 

No entanto, entre o discurso dos altos responsáveis e o desempenho da economia real vai uma grande distância.

Prova disso é a diferença abissal no topo da lista de requerentes portugueses de novas patentes. Dominado por empresas na maioria dos países europeus, esse ranking na versão portuguesa é encabeçado pela academia.

Se para Campinos, “o contributo das instituições de investigação e universidades portuguesas no aumento dos pedidos de patentes é particularmente encorajador”, para Catarina Maia, prenuncia que o défice da balança tecnológica de pagamentos na componente dos proveitos de franchisings e Direitos de Propriedade Industrial (DPI) vai continuar.

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Ou, pior ainda, irá até agravar-se com a digitalização e progressiva transição para a Indústria 4.0. O problema é tão evidente que é impossível ignorá-lo: a indústria não gera proveitos com DPI e, se não mudar de paradigma, continuará a importar mais tecnologia do que a exportar.

O desconhecimento e o preconceito

É por isso que Catarina Maia se sente “a pregar no deserto” em Portugal. Embaixadora em Portugal do European IPR Helpdesk (um projecto financiado pela Comissão Europeia para apoio gratuito e aconselhamento sobre propriedade intelectual ao sector empresarial e em especial das pequenas e médias empresas), membro da Iniciativa Liberal, Catarina Maia publicou dois artigos no PÚBLICO, nos últimos meses, sobre esta realidade portuguesa.

No primeiro, intitulado A desoladora cultura de patentes em Portugal, de 26 de Abril de 2018comentava o relatório do IEP para 2017 (ano em que Portugal fez apenas 150 pedidos, caindo em termos nominais face a 2016) e lamentou o desinteresse empresarial bem como a falta de garra das políticas públicas nesta matéria.

No segundo artigo, de 4 de Setembro, constatava com estupefacção que no país da Web Summit e do Simplex, uma simples falha informática impedia a publicação do Boletim da Propriedade Industrial. “Para o leitor ter uma noção de volume de novos pedidos, em 2017 foram solicitados cerca de 22.500 registos de marcas, 1000 pedidos de patente e 400 de design, de entidades portuguesas e estrangeiras. Não há memória de uma falha tão prolongada e tão grave, que nos coloca numa realidade passada com mais de dez anos, escrevia nesse artigo intitulado Pelo regresso ao futuro do INPI.

Meio ano depois desse segundo artigo, e agora a propósito do relatório anual de 2018, Catarina Maia diz ao PÚBLICO que este “enorme gosto dos portugueses pelas marcas” é, também, um sintoma dos “muitos preconceitos” que “continuam a existir”.

O problema não é a falta de inovação, que existe, sustenta. Mesmo descontando as inovações “que não são ‘protegíveis'”, muita dela “é incremental, focada em métodos de negócio”.

“Temos muita marca, adoramos marca. Na parte tecnológica, algumas áreas do nosso tecido empresarial privilegiam as pequenas séries, a flexibilidade, a resposta rápida e poderia haver inovações por tecnologia protegida que é descurada. Ou porque pensam que custa dinheiro, ou porque duvidam que é possível rentabilizá-la e acreditam que depois têm de ir a tribunal para litigar – e não acreditam na justiça portuguesa, que acusam de ser lenta e má”, argumenta.

Só que, acrescenta, esquece-se que “frequentemente o local de litigância não é português”. “A nossa justiça funciona mal, mas isso não significa que no resto do mundo também seja assim. É uma mistura de desconhecimento, de falta de informação e de preconceitos”, sentencia.

Qual será então o caminho? É preciso começar nos cursos superiores, sensibilizar os futuros empresários, inventores, investigadores, para o potencial desta ferramenta.

É preciso demonstrar, sem cansar, aos empresários que uma patente pode ser uma patente é como uma espécie de monopólio temporário (20 anos) concedido pelo Estado como contrapartida da publicação da invenção que vai alavancar o avanço tecnológico. Monopólio esse que permite aos detentores da patente cobrarem um “prémio de mercado” para recuperar o investimento feito em inovação.

E também é preciso promover uma gestão activa e flexível da inovação, ou seja, nem tudo será patenteado. Tal como no INESC TEC, autor de 79 pedidos de patentes (muitas delas já concedidas), que gere anualmente qual a inovação que é para proteger, qual é destinada a papers científicos e qual é entregue de imediato à sociedade, livre de encargos, como o software aberto (open source).

Sem este esforço coordenado, conclui Catarina Maia, será mais difícil receber relatórios anuais em que as boas notícias não são também pequenas vitórias de Pirro que não chegam para tirar Portugal da cauda da tabela.

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