Legislativas na Guiné-Bissau: um país à espera de ser salvo do falhanço pelas eleições

Os guineenses escolhem um novo parlamento, em eleições impostas pela comunidade internacional, esperando com elas encerrar um longo ciclo de crise política. Os analistas dão como certa a vitória do PAIGC, a dúvida é saber se conseguirá governar sozinho.

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Madina Gambiel é o retrato do isolamento da Guiné-Bissau Paulo Cunha/Lusa
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Domingos Simões Pereira, do PAIGC (na mesa ao centro), em Madina Gambiel Paulo Cunha/Lusa

A Guiné-Bissau vai a votos neste domingo e quem vai decidir a dimensão da vitória nas legislativas são as zonas rurais de um país que olha para estas eleições como a última oportunidade para não se tornar num Estado falhado.

A Madina Gambiel, junto ao rio Cacheu, chega-se depois de muitos quilómetros da estrada de asfalto. Demba Baldé, que não sabe falar português, é um dos nomes que vai decidir os resultados de domingo. Tem nas suas mãos 251 votos eleitorais, o número de eleitores recenseados da tabanca (aldeia) de que é chefe.

“Aqui o voto é livre e o chefe da tabanca recebe todos os candidatos e nunca diz em quem é que vota”, diz o irmão, Mamadou Baldé, 67 anos, autoproclamado “historiador” da terra e o seguinte na lista de sucessão. Já Nin, de 17 anos, ainda não vota, mas explica que não é bem assim. “O mais velho ajuda nós a decidir e nós seguimos conselho do mais velho”, diz o jovem, vestido com uma T-shirt do Sporting dos anos 80 do século passado, quando a Guiné-Bissau ainda não sabia o que era a democracia.

Gaudêncio Bacai, da juventude do Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau (PAIGC) também sabe que o voto nas zonas rurais é decidido pelos líderes locais, como Demba Baldé. “Vimos quais foram as tabancas onde tivemos menos votos e começámos a fazer trabalho de preparação, ver os problemas e preparar visitas. Temos de ganhar aqui e vamos ganhar” no país, diz o apoiante do líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, sujo de pó e visivelmente cansado de centenas de quilómetros por caminhos e picadas, na caixa aberta de uma carrinha que percorreu o país nestes 21 dias de campanha.

Madina Gambiel é uma zona da etnia mandinga e de religião muçulmana, antigo bastião do PAIGC que está agora em risco de perder para um novo partido, o Movimento Alternância Democrática (Madem), criado pelos derrotados por Domingos Simões Pereira no congresso de Cacheu. Depois dessa assembleia magna do maior partido do país, milhares de militantes saíram e agora as tradicionais zonas mandingas estão em risco. Por isso, no final da campanha, Domingos Simões Pereira visitou o local para assegurar a fidelidade da terra. No encontro, igual a tantos outros noutros locais e com outros partidos, os líderes locais apresentaram as queixas e os políticos fizeram promessas.

Domingos Simões Pereira falou numa estrada nova, mas Demba Baldé não acredita. “Já vieram [cá] muitos e todos dizem igual: uma estrada nova, uma escola”, recorda. Mas os pedidos do chefe local são mais simples: “Queremos apoio ao trabalhador e ao pescador, temos uma associação legalizada e queremos só ajuda para vendermos os nossos produtos fora daqui”.

Isolamento e pobreza

O isolamento de Madina Gambiel é o retrato de um país retalhado por rios, estradas sem manutenção e uma pobreza perpétua que fixa as pessoas à terra, numa economia de subsistência.

“Quem nos traz produto da cidade, pede o preço que quer e nós pagamos. Não temos carro”, explica Mamadou Baldé, o único da família que fala fluentemente português e que faz o registo diário de tudo quanto se passa na terra. “Sei toda a história da tabanca. Meu pai, Bacar Demba Baldé, criou tabanca em 1977 e morreu com 135 anos e deixou 46 netos e bisnetos”.

Pai e filhos lutaram pelo exército colonial português e, nos primeiros anos da independência do país, decidiram ir para o mato para criar a sua própria comunidade. “Não fomos propriamente perseguidos [por ter combatido pelos portugueses], mas era mais fácil irmos para uma nova tabanca”, explica Mamadou Baldé.

A aldeia é composta por meia dúzia de palhotas grandes onde todos dormem e é o rio que mata a fome de muitos. A uma centena de quilómetros de Bissau, Madina Gambiel está bloqueada no tempo e os jovens, sem trabalho e qualificações, repetem a vida dos pais e dos avós. “Só temos escola até quarta classe” e, “na história da tabanca”, só “12 pessoas completaram o 12.º ano” e há apenas um licenciado: “um médico, que teve ajuda de um casal de Bissau”, diz Mamadou Baldé.

Nas tabancas, todos os partidos falam contra as divisões étnicas e tribais que acentuam a tensão no país. Madina Gambiel não é excepção.

Domingos Simões Pereira pede para não acreditarem nos “discursos do ódio e dos clãs” e recorda a sua ligação ao islamismo, apesar de ser católico. Todas as ligações pessoais, todas as amizades, a história étnica e religiosa da família de cada líder conta no momento de votar.

Gerigonça?

No final, a grande questão é saber se o PAIGC ganha com maioria absoluta ou os dois outros grandes partidos – Partido da Renovação Social (PRS) e Madem – conseguem ter mais deputados em conjunto, criando uma “geringonça à guineense”, com o patrocínio do Presidente da República, José Mário Vaz, o homem que Domingos Simões Pereira não perdoa.

“O Presidente não está a ajudar a democracia e apoia quem não queria as eleições”, explica o líder do PAIGC, demitido de primeiro-ministro em 2015, apesar de o seu partido ter a maioria absoluta no parlamento.

Agora, foi a comunidade internacional que impôs a realização das eleições, sob pena de novas sanções além daquelas que já estão em vigor para quem colaborou com a instabilidade militar dos últimos anos e com o tráfico de droga, que transformou o país num narco-estado entre 2012 e 2014, segundo relatórios internacionais.

O discurso tribal e étnico na Guiné-Bissau chegou à política nos últimos 20 anos, com o nascimento do PRS de Kumba Ialá, o líder dos balantas, uma das etnias maiores do país e normalmente associada às forças armadas.

Ali, a poucos quilómetros de Madina Gambiel, é “chão balanta”, onde o PRS ganha quase todos os lugares dos círculos. Mas aqui, o chão é mais “misturado”, reconhece Gaudêncio Bacai. Este jovem, do PAIGC, quer “ser político e útil ao desenvolvimento do país” e admite que é nestes locais que se vai decidir a dimensão da vitória do seu partido, algo que analistas e observadores dão como certa.

Já Njinin Baldé, de 22 anos, prefere votar no novo partido liderado por Braima Camará porque o “Madem é dos mandingas”. Mas vota onde o “mais velho” quiser. “Ele diz, e nós votamos na urna”, explica, sem mais pormenores.

Mas em Madina Gambiel, “terra sem luz, sem estrada e só com água do rio” como diz Mamadou Baldé, a grande política do país não interessa. As questões são mais concretas e mais simples. “Se não há emprego, não há futuro para tabanca e para juventude. E isto vai morrer tudo sem futuro”, diz o historiador da aldeia.

*Serviço especial para o Público

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