Venezuela sem electricidade há 20 horas – apagão histórico aprofunda caos
Há quase 24 horas que quase todo o país está sem electricidade. Maduro denuncia “sabotagem” e Guaidó promete luz se chegar ao poder.
Caracas era uma metrópole estranhamente calma esta sexta-feira, sem o habitual trânsito a encher as avenidas ou as multidões a andar nos passeios. O mais longo apagão eléctrico na história da Venezuela paralisou o país, que passou o dia privado de serviços públicos, como escolas, hospitais e transportes públicos. Num clima de forte polarização política, a crise energética apenas vem tornar tudo mais inseguro.
A capital começou a ficar sem electricidade por volta das 17 horas de quinta-feira (mais quatro em Portugal continental), deixando a cidade de seis milhões de habitantes à beira do caos. O metropolitano deixou de funcionar precisamente à hora em que a maioria das pessoas saía dos seus empregos, obrigando milhares de pessoas a percorrerem quilómetros a pé, descreve o jornal venezuelano El Nacional – o trânsito rodoviário também se ressentiu pela ausência de luz nos semáforos.
Estefanía Pacheco, uma vendedora e mãe de dois filhos, dizia ao El Nacional estar “cansada e esgotada” depois de percorrer a pé os 12 quilómetros entre o local de trabalho e a casa, que ficam em zonas diferentes da capital.
O aeroporto internacional Simón Bolívar, em Caracas, também foi afectado e a maioria dos voos foi cancelada. Com as fronteiras terrestres com a Colômbia e o Brasil também parcialmente encerradas por ordem do Governo desde a semana passada, a Venezuela tornou-se um país em isolamento.
A falta de electricidade também impossibilitou em várias zonas do país o recurso a pagamentos electrónicos, vitais para muitas pessoas. Com a inflação galopante, a maioria da população passou a pagar quase todas as suas compras através de cartão bancário para fazer face à flutuação dos preços, explica o El País.
Politização
Os apagões são um problema crónico na Venezuela que, apesar de ter as maiores reservas de petróleo no mundo, tem problemas estruturais na rede eléctrica, agudizados com a falta de investimento e de manutenção causadas pela profunda crise económica instalada no país. Mas o apagão das últimas horas foi o mais grave de sempre, de acordo com a imprensa local.
Durante mais de 20 horas não houve electricidade em 23 dos 24 estados do país, e esta sexta-feira, apesar de algumas melhorias, a situação mantém-se. O Governo decidiu encerrar as escolas e concedeu um dia de licença aos funcionários públicos “para facilitar os esforços para a recuperação do serviço eléctrico”, disse a vice-presidente, Delcy Rodríguez.
Enquanto os venezuelanos tentavam organizar as suas vidas entre o caos do trânsito e a insegurança da escuridão, regime e oposição não perderam tempo para politizar a crise. O Presidente Nicolás Maduro disse que o apagão foi um acto de “sabotagem” e a sua vice disse mesmo que o país estava a ser “vítima de uma guerra eléctrica imperialista”.
O ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, apontou mesmo um culpado: o senador norte-americano Marco Rubio, um dos maiores defensores da linha dura contra o regime de Maduro. O senador republicano da Florida optou por dar uma resposta irónica, pedindo “desculpa” ao povo venezuelano. “Devo ter carregado no sítio errado na app de ‘ataques electrónicos’ que descarreguei da Apple. Erro meu”, escreveu no Twitter.
O presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, que se declarou Presidente interino em Janeiro, atirou as culpas para Maduro, a quem chama “usurpador”. “A Venezuela sabe que a luz chega com o fim da usurpação”, afirmou.
Nos últimos anos, a Venezuela tem sofrido falhas de energia eléctrica frequentes, coincidentes com a crise económica vivida no país. Porém, sem nunca ter fornecido qualquer prova, o regime de Maduro insiste na tese da sabotagem por parte dos seus opositores e há vários meses que as Forças Armadas receberam ordens para guardar as instalações de produção e distribuição eléctrica.
Para sábado estão marcadas novas manifestações convocadas pelo Governo e pela oposição, em mais um teste para medir a força e o apoio das facções que disputam o poder na Venezuela. Mas as consequências do apagão, que estão ainda por apurar, podem tornar o ambiente ainda mais explosivo. “Certamente que isto não é bom para Maduro se ele estiver a tentar mostrar que está a controlar a situação”, disse ao jornal britânico The Guardian o académico Giancarlo Fiorella, da Universidade de Toronto onde estuda o conflito na Venezuela.