Sindicato de enfermeiros promete luta "sem precedentes" se Governo não negociar
Um dos dois sindicatos que convocaram as greves "cirúrgicas" promete protesto "como nunca se viu" se negociações da carreira não forem retomadas já, enquanto a presidente da outra estrutura sindical prefere esperar pelo fim da discussão pública do projecto de diploma sobre a carreira.
Depois de uns dias de tréguas, o conflito entre os enfermeiros e o Governo pode voltar a agudizar-se. O presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), Carlos Ramalho, avisa que o Governo vai enfrentar “uma luta como nunca” teve e adianta que está a preparar uma "reacção sem precedentes", caso os ministérios da Saúde e das Finanças não aceitem negociar para encontrar uma "plataforma de entendimento" sobre as reivindicações que motivaram as polémicas greves “cirúrgicas” e culminaram com a requisição civil.
O Governo tinha anunciado que no início de Março ia retomar as reuniões negociais com as estruturas sindicais dos enfermeiros, interrompidas em 30 de Janeiro. Para esta quinta-feira estão marcadas reuniões com o Sindepor (17h) e com a Federação Nacional dos Sindicatos dos Enfermeiros (14h30). Na sexta-feira de manhã será a vez da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE). O Ministério da Saúde adianta que as questões a discutir passam por matérias como "regime e modalidades de trabalho: por turno, jornada contínua, regras de aferição do tempo de trabalho, segurança no trabalho e definição de serviços mínimos e meios necessários para os assegurar". Mas sublinha que a "proposta de protocolo negocial admite outras matérias que venham a ser acordadas pelas partes no decurso do processo".
O encontro "marcado para esta quinta-feira" com o Sindepor é apenas "técnico", critica Carlos Ramalho, que considera que a agenda só contempla “questões menores”, como a dos serviços mínimos que o Governo "pretende regulamentar em termos de ACT [acordo colectivo de trabalho]". Mas assegura que tenciona abordar no encontro todas as reivindicações, como o descongelamento das progressões e a antecipação da idade da aposentação.
Para esta sexta-feira está marcada uma greve geral convocada pela ASPE, que é apoiada pelo Sindepor, e uma "marcha branca" organizada pelo Movimento Nacional de Enfermeiros, em Lisboa. A presidente da ASPE, Lúcia Leite, frisa que o encontro com representantes do Governo vai servir para assinar o protocolo negocial sobre o ACT, "como estava previsto", e admite que isto não tem que ver com as negociações da carreira de enfermagem. Mas explica que, como o projecto de diploma da carreira - que estabelece três categorias para os profissionais - está em audição pública durante um mês, até ao final de Março, prefere privilegiar até lá "o espaço de diálogo".
"Não nos voltarão a tratar como idiotas"
Já o presidente do Sindepor - que iniciou uma greve de fome para exigir o retomar das negociações, protesto esse terminado três dias depois quando a ministra da Saúde lhe telefonou - não quer aguardar. Caso o Governo insista naquele "insulto a que chamam diploma de carreira" – o projecto em discussão pública -, os protestos vão agudizar-se, promete num comunicado publicado no site do sindicato, em que se apela à mobilização geral dos enfermeiros “para as lutas que se seguem”. “Não nos voltarão a tratar como idiotas, como fizeram em 2009”, garante.
Carlos Ramalho não quis especificar que tipo de protesto se seguirá, mas reafirma que será algo “como nunca se viu”. Para já, o Sindepor prepara-se para “avançar com queixas-crime contra todas as instituições que obrigaram os enfermeiros a trabalhar" durante a greve. O dirigente diz que o sindicato recebeu “milhares” de minutas assinadas por enfermeiros que dizem "ter sido obrigados a trabalhar sob coacção". As minutas foram disponibilizadas após a requisição civil e depois de o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) ter considerado ilícito o protesto.
A PGR anunciou, entretanto, nesta quarta-feira que remeteu para o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) a queixa da ASPE que acusou o Ministério da Saúde de tentativa de boicote à greve "cirúrgica".
Segundo o último balanço do Ministério da Saúde, mais de cinco mil cirurgias terão sido adiadas na segunda greve “cirúrgica”, que decorreu entre 31 de Janeiro e 28 de Fevereiro, e que levou o Governo a decretar a requisição civil. Na primeira greve “cirúrgica”, entre 22 de Novembro e 31 de Dezembro, foram adiadas mais de 7500 cirurgias. A segunda paralisação avançou depois de as reuniões negociais entre o Governo, o Sindepor e a ASPE, as duas estruturas que convocaram as greves, terem sido encerradas sem se chegar a um consenso.
Além da duração prolongada, as greves destacaram-se pelo ineditismo da forma de financiamento: o Movimento Greve Cirúrgica, constituído por um grupo informal de enfermeiros, lançou numa plataforma de crowdfunding (financiamento colaborativo) que recolheu cerca de mais de 700 mil euros.