O Prémio Pritzker de 2019 é Arata Isozaki, um arquitecto “vital"
"A minha primeira experiência de arquitectura foi o vazio", diz o japonês de 87 anos, figura tutelar que agora recebeu a mais elevada distinção internacional da disciplina.
O Prémio Pritzker de 2019 foi atribuído ao arquitecto Arata Isozaki, anunciou a organização esta terça-feira. “É uma grande figura da arquitectura contemporânea”, garante ao PÚBLICO o crítico de arquitectura Jorge Figueira, “com uma capacidade de inclusão de temas diferentes”. Plural nas linguagens, a arquitectura de Isozaki, que o próprio descreve como “invisível”, nasceu dos escombros do Japão depois das bombas nucleares.
Jorge Figueira destaca duas fases de relevo no trabalho do profissional japonês. Primeiro na década de 1960, no âmbito do “movimento metabolista japonês, um dos grandes movimentos de vanguarda do momento”, e depois nos anos 1980, em que efectuou “uma viragem para a arquitectura pós-modernista, para uma arquitectura mais permeável e até mais ocidentalizável” – “mais ecléctica e mais plural”.
O reconhecimento agora vincado pelo Pritzker, que este ano cumpre a sua 40.ª edição, “é um prémio de carreira, de percurso”, reflecte o crítico, admitindo que “talvez seja um pouco tardio para uma figura cuja presença e influência é tão vital entre os anos 1960 e 80/90”.
O próprio Isozaki disse ao New York Times que o prémio que lhe foi atribuído esta terça-feira “é como uma coroa na lápide funerária”. É o corolário de uma carreira que já lhe deu a importante medalha de ouro do Royal Institute of British Architects em 1986, mas também a Ordem das Artes e das Letras francesa em 1997 ou o Leão de Ouro da Bienal de Veneza um ano antes.
Arata Isozaki nasceu em Oita, na ilha japonesa de Kyushu, em 1931, e cresceu nas ruínas do Japão do pós-Segunda Guerra Mundial. Citado pelo diário britânico Guardian, descreveu os seus primeiros anos não muito longe de Hiroxima, onde em Agosto de 1945 os EUA lançaram a primeira bomba nuclear. “Cresci no ground zero. Estava em ruínas e não havia arquitectura, nem edifícios, nem sequer uma cidade. Só barracas e abrigos me rodeavam. Por isso, a minha primeira experiência de arquitectura foi o vazio, e comecei a questionar-me como é que as pessoas podiam reconstruir as suas casas e cidades”.
Os seus colegas de profissão consideram-no “um visionário”, escreve a organização do prémio atribuído pela Fundação Hyatt, elogiando a sua “precisão e destreza”, a multiplicidade de técnicas de construção e de interpretações do espaço que a sua arquitectura convoca, a plasticidade da sua linguagem. "Tornou-se no primeiro arquitecto japonês a forjar uma relação profunda e duradoura entre Ocidente e Oriente”, diz o júri do prémio. Sempre viajou muito, com a questão “o que é a arquitectura?” em mente.
“Possuindo um profundo conhecimento da história e da teoria da arquitectura e abraçando a vanguarda, nunca se limitou a replicar o statu quo; a sua procura de uma arquitectura significativa reflecte-se nos seus edifícios, que até hoje desafiam categorizações de estilo, que estão constantemente a evoluir e são sempre refrescantes na sua abordagem”, sintetiza o júri que lhe atribuiu o Pritzker.
Entre as muitas obras do prolífico profissional – são mais de cem os seus projectos de obra construída, nomeadamente edifícios públicos na sua Oita natal –, contam-se o Palau Saint Jordi – Estádio Olímpico de Barcelona (1992) ou o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. Erguido em 1986, foi a sua primeira encomenda fora do Japão e o projecto responsável pela sua popularidade subsequente. Projectou ainda a sala insuflável de concertos Ark Nova com o escultor Anish Kapoor (2013), o Centro Nacional de Convenções do Qatar (2011), em Doha, o Palácio dos Desportos de Turim (2006), a Sala de Concertos de Quioto (1995) ou o Museu de Arte Moderna de Gunma, também no Japão (1978). O seu projecto preferido era o museu Domus. Casa del Hombre, na Corunha (Espanha), de 1995.
Arata Isozaki é o oitavo arquitecto japonês a receber esta que é considerada a mais importante distinção no campo da arquitectura, depois de Kenzo Tange (1987), Fumihiko Maki (1993), Tadao Ando (1995), a dupla Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa (2010), Toyo Ito (2013) e Shigeru Ban (2014). No ano passado, a distinção coube ao indiano Balkrishna Doshi, de 90 anos; foi o primeiro Pritzker para a arquitectura indiana. Para Jorge Figueira, a atribuição do importante prémio a Arata Isozaki surge na mesma linha da distinção da Doshi “em dois aspectos importantes": por “sair da esfera do euro-centrismo” e por “premiar carreiras excepcionais, de figuras cruciais em vários momentos da história”.
O imperador da arquitectura japonesa
Formado na Universidade de Tóquio em 1954, Isozaki trabalhou na juventude com o arquitecto Kenzo Tange, o primeiro japonês a receber o Pritzker, em 1987. Considerado o seu sucessor enquanto figura de proa da inventividade da arquitectura japonesa, já chamaram a Arata Isozaki “o imperador da arquitectura japonesa”, como assinala o New York Times esta terça-feira.
Fundou o seu próprio atelier, Arata Isozaki & Associates, em 1963, pouco depois de o Japão ter recuperado a sua soberania no pós-guerra, e num país ainda imerso no cenário de destruição causado pelos bombardeamentos americanos, um contexto de “incerteza cultural, política e económica”, como descreve a Fundação Hyatt. Mas também um momento em que muito havia para construir e reconstruir. “Para encontrar a forma mais adequada de resolver estes problemas, não podia focar-me num só estilo. A mudança tornou-se constante. Paradoxalmente, isso tornou-se o meu estilo”, descreve o arquitecto, citado pela organização. “O meu conceito de arquitectura é que é invisível”, reformulou em entrevista ao New York Times publicada esta terça-feira.
Portugal, e o Porto em particular, recebeu-o em 2003 quando esteve no Museu de Serralves para inaugurar Electric Labyrinth, exposição que projectava uma cidade do futuro a partir da destruição de Hiroxima e Nagasáqui pelas bombas atómicas, e que abraçava a ruína como forma de olhar o futuro. Nessa altura, Arata Isozaki teve a oportunidade de visitar as obras da Casa da Música, projectada por outro Pritzker, Rem Koolhaas.
O júri da edição deste ano, a 40.ª, foi presidido pelo juiz do Supremo Tribunal norte-americano Stephen Breyer e composto pelos arquitectos Richard Rogers (Pritzker de 2007), Kazuyo Sejima (Pritzker de 2010), Wang Shu (Pritzker de 2012) e Benedetta Tagliabue, bem como pelo diplomata brasileiro André Aranha Corrêa do Lago e pelo empresário Ratan N. Tata, além da directora executiva do prémio, Martha Thorne, que não tem voto na escolha final.
O Pritzker, equiparado ao Prémio Nobel, é um prémio pecuniário (100 mil dólares) e uma medalha de bronze, mas sobretudo uma garantia de presença no panteão da arquitectura. Há dois portugueses laureados com o Pritzker, ambos da Escola do Porto – Álvaro Siza, distinguido em 1992, e mais recentemente Eduardo Souto Moura, em 2011. O prémio é atribuído há precisamente 40 anos e foi atribuído a autores como Zaha Hadid, Oscar Niemeyer, Alejandro Aravena, Norman Foster, Rem Koolhaas, Frank Gehry, Peter Zumthor, Toyo Ito, Paulo Mendes da Rocha ou Renzo Piano.
Nas suas quatro décadas de existência, o Pritzker foi entregue a apenas três mulheres – e só uma o recebeu a título individual, Zaha Hadid. A japonesa Kazuyo Sejima foi galardoada em 2010 a par do seu colega e co-fundador do estúdio SANAA, Ryue Nishizawa, e Carme Pigem foi distinguida em 2017 em conjunto com Rafael Aranda e Ramón Vilalta, os seus sócios no estúdio espanhol RCR Arquitectes.
Notícia corrigida: nome de atelier vencedor do Pritzker em 2017