“Brexit” acelera criação de portos secos em Portugal
São locais no interior do país para receber e movimentar cargas. Há dez anos que se esperava por isto.
Quando entrar em vigor o decreto-lei que estabelece o conceito legal de porto seco, um contentor de mercadorias que seja descarregado num porto marítimo nacional poderá ser transportado por via fluvial, rodoviária ou ferroviária até um “armazém de depósito temporário” localizado no interior do país, beneficiando das mesmas ferramentas de digitalização e modernização administrativa que actualmente existem nos portos marítimos. Esta medida anda a ser reclamada pelo sector dos transportes e logística há pelo menos uma década e, quando for publicado o decreto-lei que foi aprovado na generalidade em Conselho de Ministros há duas semanas “vai trazer importantes benefícios a toda a economia nacional”, como disse ao PÚBLICO António Nabo Martins, presidente da Associação Portuguesa de Transitários.
Em Abril do ano passado foi criado por despacho um grupo de trabalho com a missão “de apresentar propostas de alterações legislativas, regulamentares e tecnológicas necessárias à implementação do conceito de porto seco e à simplificação das transferências de mercadorias entre os portos comerciais do Continente e os portos secos”.
Essas propostas ainda não são conhecidas, mas o “Brexit” veio acelerar a necessidade de concretizar rapidamente esta medida. Ainda que não se saiba se a saída do Reino Unido da União Europeia será feita de forma “hard” (dura) ou “soft” (leve), certo é que as trocas entre os dois países vão passar a ser extra-comunitárias, com tudo o que isso implica em termos alfandegários.
O Ministério do Mar, que inscreveu a criação do conceito legal de porto seco no programa do Governo, explica que a competitividade dos operadores nacionais e dos portos portugueses precisava de ver mitigados os efeitos do “Brexit”, mantendo os níveis de eficiência.
Ao PÚBLICO fonte do gabinete de Ana Paula Vitorino confirma que o “Brexit” poderia introduzir esforço burocrático adicional nos terminais marítimos nacionais, com consequências difíceis de prever neste momento. “O modelo de porto seco permitirá transferência rápida entre os terminais [marítimos] e os portos secos, assegurando o não estrangulamento dos portos nacionais”, confirma a mesma fonte.
Diminuição de custos
Quando for publicado o decreto-lei (é expectável que entre em vigor a 1 de Julho) os portos marítimos e os pontos de concentração de carga no chamado hinterland, os portos secos, serão agregados através de uma solução integrada de tratamento da informação, por via electrónica na Janela Única Logística.
Isto permite, por exemplo, uma completa monitorização do transporte de mercadorias ao longo de toda a cadeia logística e o incremento da capacidade das autoridades em analisar riscos, e de actuarem. E se até agora eram necessárias dispendiosas garantias bancárias para cobrir a possibilidade, por exemplo, de desaparecimento de carga entre o porto até ao seu destino de consumo, esses custos poderão agora diminuir.
A questão da diminuição dos custos é um factor de relevo, como sublinha António Nabo Martins, ao recordar que os terrenos no interior são por norma mais baratos do que aqueles que estão junto dos portos nacionais, e que tal implica que possam aparecer espaços mais eficientes para a movimentação de cargas.
“Não estamos a falar apenas de baldios logísticos, como eu chamo aqueles terrenos onde se aparcam uns contentores vazios porque há espaço. Estamos a falar de áreas mais próximas dos centros de consumo e onde poderão ser feitas movimentações logísticas de forma optimizada, com contentores a chegarem cheios e a saírem cheios, o que beneficia todos”, argumenta o presidente da APAT.
Nabo Martins usa o exemplo que bem conhece entre o terminal portuário de Sines e a plataforma logística da Bobadela, da Infraestruturas de Portugal, para mostrar que este projecto é muito necessário. Uma carga extra-comunitária que chegasse a Sines, poderia ser transportada, por via ferroviária ou rodoviária para a plataforma logística, mas era preciso pagar garantias bancárias pelo transporte. Com a entrada em vigor destas redes logísticas mais complexas, esse problema é obviado.
Maior competitividade
O Governo admite ter muitas expectativas com a optimização das operações multimodais, por via da partilha de informação de planeamento e gestão de execução entre todos os actores envolvidos. E dos operadores também as admitem: a APAT espera “facilitação na transferência das cargas, diminuição da burocracia, minoração dos tempos de espera”, enfim, uma verdadeira simplificação de processos que “aumentará a competitividade dos portos nacionais e do sector exportador nacional”. Falta ainda saber, termina Nabo Martins, se estes portos secos serão todos públicos ou se poderá haver gestão privada, e, a existir, como é que ela será atribuída ou concessionada.
O que o decreto-lei diz é que os sistemas electrónicos dos titulares dos depósitos têm de suportar os procedimentos previstos no diploma, permitindo que os mesmos troquem informações com outros operadores económicos e cumpram as respectivas obrigações declarativas.