Accionistas da Unitel têm de pagar mais de 600 milhões de euros à Oi

Tribunal arbitral dá por provado que os accionistas angolanos da Unitel, como Isabel dos Santos, realizaram “transacções em benefício próprio”.

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Isabel dos Santos é a presidente da Unitel N Factos/Fernando Veludo

A empresa brasileira Oi, que herdou a posição da antiga Portugal Telecom na operadora móvel angolana Unitel, anunciou esta quinta-feira que tem a receber dos seus parceiros nesta empresa mais de 600 milhões de euros referentes a dividendos em falta e à desvalorização da participação de 25% na empresa, em virtude da actuação dos restantes parceiros angolanos.

Em 2015, a Oi avançou com um processo de arbitragem em Paris contra os outros accionistas da Unitel – entre eles, a empresária Isabel dos Santos e a petrolífera Sonangol –, reclamando o pagamento de cerca de 600 milhões de euros em dividendos referentes a exercícios de anos anteriores que a operadora começou a reter ainda no tempo da antiga PT.

Segundo o comunicado da operadora ao regulador do mercado de capitais brasileiro, a Oi destaca, "numa análise preliminar" à decisão da Câmara de Comércio Internacional de Paris (ICC, na sigla em inglês), que esta deu por provado que os restantes accionistas da Unitel violaram por diversas vezes os seus direitos accionistas e que realizaram “transacções em benefício próprio”.

Entre os argumentos defendidos em Paris pela Oi (através da PT Ventures) esteve o facto de a operadora móvel angolana ter garantido financiamentos de 360 milhões de euros a uma sociedade controlada por Isabel dos Santos, dos quais mais de 300 milhões serviram para a empresária comprar acções da Zon e negociar a fusão desta empresa com a Optimus, dando origem à Nos, cujo controlo divide com a Sonae.

O PÚBLICO questionou a empresária Isabel dos Santos (dona da Vidatel, que tem 25% da Unitel) sobre a decisão do tribunal, mas não foi possível obter um comentário.

“O Tribunal Arbitral entendeu que os Outros Accionistas da Unitel violaram diversas previsões do Acordo de Accionistas ao negar o direito da PT Ventures de nomear a maioria dos membros do Conselho de Administração da Unitel desde Junho de 2006”, bem como ao realizar "transacções em benefício próprio”, lê-se no comunicado da Oi.

Além disso, “deixaram de assegurar que a Unitel mantivesse a PT Ventures informada sobre as principais questões e transacções corporativas” e também tentaram “de forma injustificada suspender os direitos da PT Ventures como accionista”.

Em consequência, “o Tribunal Arbitral considerou que as reiteradas violações (…) acarretaram uma redução significativa do valor da participação da PT Ventures na Unitel” e, com base nisso, “determinou que os Outros Accionistas da Unitel paguem à PT Ventures, de forma conjunta e solidária, o valor de US$ 339,4 milhões [339,4 milhões de dólares], correspondente à perda do valor da participação da PT Ventures na Unitel, acrescido de juros a partir de 20 de Fevereiro de 2019 até a data do pagamento integral”. Ao câmbio actual, estão em causa pelo menos 298 milhões de euros.

O Tribunal Arbitral “entendeu que os Outros Accionistas da Unitel deixaram de assegurar, depois de Novembro de 2012, que a PT Ventures recebesse o mesmo montante de dividendos em moeda estrangeira que o outro accionista estrangeiro da Unitel”, ou seja, a Vidatel, a sociedade de Isabel dos Santos que está registada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Assim, conta a Oi, o tribunal determinou que “os Outros Accionistas da Unitel paguem à PT Ventures, de forma conjunta e solidária, o valor de US$ 314,8 milhões, correspondente aos danos resultantes, acrescido de juros simples a partir das diferentes datas em que a PT Ventures deveria ter recebido tais dividendos, a uma taxa anual de 7%”. Neste caso, o valor de base ronda os 277 milhões de euros.

A empresa brasileira refere ainda no seu comunicado que os restantes accionistas da Unitel (além de Isabel dos Santos e a Sonangol, também a Geni, do general “Dino”) deverão arcar com “uma parcela substancial dos honorários e custos legais incorridos pela PT Ventures, correspondendo a um pagamento líquido à PT Ventures em valor superior a US$ 12 milhões, bem como 80% das taxas e despesas administrativas e dos árbitros, correspondendo a um pagamento líquido à PT Ventures em valor superior a US$ 1 milhão [um milhão de dolares]”. Com isto, os parceiros angolanos terão de pagar cerca de 11 milhões de euros.

A Oi, destaca que “o Tribunal Arbitral rejeitou os pedidos reconvencionais dos Outros Accionistas da Unitel em sua integralidade” e sublinha que, “no geral, a decisão resulta em uma reafirmação dos direitos da PT Ventures como accionista detentora de 25% do capital da Unitel, nos termos do Acordo de Accionistas”.

Como tal, a Oi entende que “a PT Ventures retém todos os seus direitos previstos no Acordo de Accionistas, incluindo o de nomear a maioria dos membros do Conselho de Administração da Unitel e o direito a receber dividendos passados e futuros da Unitel”, conclui o comunicado.

Unitel diz que Oi não conseguiu tudo o que queria

Apesar de a decisão visar três dos seus accionistas e não a empresa directamente, a Unitel reagiu em comunicado ao facto relevante divulgado pela Oi, para sublinhar que o tribunal “não atribuiu à PT Ventures os cerca de 3.000.000.000 USD (três mil milhões de dólares americanos) reclamados por alegados danos”.

Esta indemnização incluía, além do valor dos dividendos em falta, também o valor das acções da PTV na Unitel, que os brasileiros reclamavam que fossem compradas pelos angolanos com o argumento, de que tinham “perdido a totalidade do seu valor por causa das alegadas violações do Acordo Parassocial”.

O PÚBLICO quis saber se este comunicado, divulgado pela agência que habitualmente faz a comunicação da empresária Isabel dos Santos, também vincula os restantes accionistas da Unitel (como a Geni e a Sonangol, sendo que a petrolífera está em confronto quer com a Vidatel, quer com a Geni, por não lhe permitirem nomear um representante para o conselho de administração da empresa). 

Em resposta, a Unitel esclareceu entretanto que “o comunicado é da Unitel, S.A." na medida em que "é um esclarecimento da decisão do tribunal, de forma a esclarecer os clientes e o público em geral, sobre a continuidade normal da actividade da empresa”. Acrescentou ainda que "possivelmente os accionistas poderão também emitir os seus próprios comunicados".

No comunicado, a Unitel reafirma que a aquisição pela Oi da PT Ventures “alterou as relações entre os accionistas da Unitel, e as práticas na aplicação do acordo parassocial” de 2000 e refere que foi a empresa brasileira que “não quis manter a política consensualmente vigente na empresa, referente a matérias de gestão que, por mais de 10 anos, tinha sido praticada pelo grupo Portugal Telecom”.

A Unitel adianta que “a PTV/Oi invocou perante o tribunal que os restantes accionistas haviam incumprido historicamente o Acordo Parassocial” e que estes invocaram, por sua vez, “que o Acordo Parassocial havia sido alterado e que essas alterações tinham sido aplicadas de forma contínua durante muitos anos”.

Contudo, o tribunal decidiu que, uma vez que as referidas alterações nunca chegaram a ser postas por escrito nem assinadas pelos accionistas, o Acordo Parassocial de 15 de Dezembro de 2000 se mantinha válido e inalterado”, justifica a Unitel.

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