Paquistão ameaça responder à "provocação" da Índia com ataque surpresa
Em poucas semanas, o ambiente de diálogo entre os dois países deu lugar a um período de alta tensão, depois de a Índia ter bombardeado alvos de um grupo terrorista no Paquistão.
Tropas do Paquistão e da Índia envolveram-se nesta terça-feira em troca de tiros na linha de separação entre as duas partes de Caxemira. Estas movimentações não foram comentadas em Islamabad, mas o Exército indiano acusou o vizinho de ter violado o cessar-fogo em vigor na região disputada pelos dois países e que já motivou três guerras.
"O Paquistão violou de forma provocatória o cessar-fogo em três secções da Linha de Separação", acusou o porta-voz do Ministério da Defesa da Índia, tenente-coronel Devender Anand, citado pelo jornal Hindustan Times. O Exército indiano está a responder "fortemente".
Episódios semelhantes já aconteceram no passado, mas a acusação de violação do cessar-fogo assume agora maior gravidade porque surge pouco depois de a Índia ter, pela primeira vez em décadas, bombardeado alvos em território paquistanês.
Na manhã de terça-feira, a Força Aérea indiana realizou uma operação para destruir uma base de treino da Jaish-e-Mohammad (exército de Mohammad), um grupo terrorista islâmico que luta pela integração de todo o território de Caxemira no Paquistão (pais muçulmano) e que opera a partir do Paquistão. Ao longo dos anos, tem realizado atentados na Caxemira indiana, o último dos quais neste mês de Fevereiro — e o mais mortífero em 30 anos, matando 44 polícias.
"Daremos uma resposta apropriada. Não permitiremos ao nosso vizinho que nos desestabilize", disse a 14 de Fevereiro o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.
Dois vizinhos nucleares
A resposta demorou 12 dias e foi cuidadosamente pensada, devido ao risco de abrir um conflito de grande escala entre os dois vizinhos. Desde a independência, há mais de 70 anos (1947), Índia e Paquistão travaram três guerras motivadas pela disputa de Caxemira, território retalhado entre as duas nações, e uma depois da insurreição do Bangladesh em 1971, cuja independência foi reconhecida no ano seguinte. Depois de os dois países se terem tornado potências nucleares, o conflito entrou na fase de baixa intensidade, que se mantém.
De acordo com as chefias militares indianas, tratou-se de um ataque cirúrgico. O alvo foi o campo de treino dos jihadistas responsáveis pelo ataque de 14 de Fevereiro. "A Índia deixou claro que o terrorismo tem que ser erradicado, demos muitas oportunidades ao Paquistão [para resolver o problema] e, por isso, a Índia foi forçada a actuar de forma a travar estas coisas", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, VK Singh. Nova Deli sublinhou que se tratava de um ataque "preventivo", não uma declaração de guerra.
Foi divulgado que o primeiro-ministro indiano ficou a pé toda a noite, monitorizando a operação — Modi só foi descansar depois de os pilotos terem regressado a casa, a salvo, e de terem sido felicitados.
À espera de Khan
Em Islamabad, o primeiro-ministro Imran Khan reuniu de emergência o conselho de segurança nacional, que rejeitou a explicação de Nova Deli — os media sublinharam que, pela primeira vez em décadas, tropas indianas tinham atacado "bem dentro do território nacional" (Indian Express). A pressão para haver uma resposta é grande.
O Paquistão “vai responder no momento e no local à sua escolha”, diz o comunicado do conselho de segurança nacional após a reunião convocada por Khan, eleito em Agosto do ano passado e que tinha a normalização das relações com a Índia, agravadas com a actuação de grupos separatistas islamistas, nas suas prioridades.
"Para o aparelho de segurança da Índia, a ameaça do Paquistão deriva de poder haver outro atentado como o de 2008 em Bombaim [12 ataques coordenados do grupo terrorista Lashkar-e-Taibem em Bombaim fizeram 174 mortos e 300 feridos]. O ponto de vista do aparelho militar é que um ataque deste tipo seria provavelmente coordenado por elementos do aparelho de segurança paquistanês, em especial os seus poderosos serviços secretos, que o Governo indiano acusou publicamente de cumplicidade em ataques terroristas", escreveu há poucos anos o analista Rahul Roy-Chaudhury para o European Council on Foreign Relations.
Modi — que chegou a sonhar em construir um poderoso bloco económico regional abrindo uma nova era de cooperação económica com o vizinho, visitou mesmo Islamabad em 2015 — herdou há mais tempo que Khan a difícil relação com o Paquistão (foi eleito em 2014).
Há escassos meses, Imran Khan dizia estar "pronto" para conversações com Modi; há duas semanas, avisou a Índia para não dar início a "aventuras" mas não descartou conversações. Os analistas (Simon Tisdall no Guardian, por exemplo) elogiaram-lhe a calma. Nesta terça-feira, porém, falou através do porta-voz das poderosas Forças Armadas, o general Asif Ghafoor, que disse que a Índia deve preparar-se "para a surpresa" da resposta paquistanesa que surgirá nas frentes "diplomática, política e militar" — para começar, os filmes indianos foram proibidos no Paquistão.
"O primeiro-ministro Imran Khan disse ao Exército e ao povo para se preparar para qualquer eventualidade. A Índia deve esperar pela nossa resposta. Já decidimos. Esperem por ela", afirmou Ghafoor.
A fragilidade regional aponta para que o Paquistão demore tanto tempo como a Índia a responder, apesar da retórica dos militares. Num texto em que pergunta se o Paquistão já "aprendeu a lição", o mesmo analista do Guardian nota que "o Paquistão não pode derrotar a mais poderosa e rica Índia", nem militarmente nem diplomaticamente. "Quando tenta, perde. E o nuclear não é uma opção sã", diz Tisdall, explicando que nem Khan nem Modi se podem dar ao luxo de travar uma guerra.
A resposta, esperam todos, acontecerá mas será proporcional. E a retórica bélica dos militares paquistaneses pode não ser alheia à circunstância de a entrada de forças indianas no Paquistão ser "um enorme embaraço para o Exército paquistanês, que não respondeu à entrada de aviões da Força Áerea que bombardearam os alvos e regressaram sem ter havido qualquer reacção da sua parte", como comentou, em tom provocatório, o Times of India.
Enquanto em Islamabad se pondera uma resposta, em várias cidades da Índia celebrou-se o ataque contra o Paquistão, diz a Reuters. Saíram à rua sobretudo apoiantes do Bharatiya Janata Party (BJP, nacionalista hindu), o partido de Modi, que sai galvanizado pelo brusco agravamento da tensão com o vizinho muçulmano no momento em que mais precisa.
A Índia está a poucos meses das legislativas, em Maio, e uma vaga de patriotismo pode ser muito benéfica para o primeiro-ministro em queda de popularidade — duas sondagens publicadas no final de Janeiro mostravam que o BJP e aliados não deveriam conseguir eleger deputados suficientes para se manterem no poder.