Tribunal não deu razão aos enfermeiros que queriam suspender requisição civil
Intimação foi apresentada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros para contestar requisição civil. Supremo Tribunal Administrativo frisa que não apreciou "a legalidade" da greve "cirúrgica".
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) rejeitou a intimação apresentada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) que pretendia ver suspensa a requisição civil decretada pelo Governo para impor o cumprimento de serviços mínimos durante a greve “cirúrgica”. A decisão foi tomada quando faltavam menos de três dias para o fim da greve.
Apresentada pelo Sindepor, uma das duas estruturas sindicais que convocaram o inédito protesto, a intimação para “protecção de direitos, liberdades e garantias” que visava que o STA considerasse inválida a requisição civil foi considerada improcedente pelos juízes conselheiros. Mas o STA esclarece no seu site que foram analisados dois pedidos, nenhum dos quais “relativo à apreciação da legalidade da greve”.
Com o pedido principal da intimação, o que o Sindepor pretendia era que se condenasse o Governo (o Conselho de Ministros) e o Ministério da Saúde (MS) “à conduta positiva de revogação” da resolução e da portaria que concretizaram a requisição civil, explica o STA.
Já o objectivo do pedido subsidiário da intimação era o de condenar o Governo e o MS "à conduta negativa de abstenção de quaisquer actos de execução” das referidas resolução e portaria, especifica.
Os dois pedidos foram considerados improcedentes, o primeiro por impossibilidade legal – “à luz do CPA [Código do Procedimento Administrativo] vigente, não é possível a revogação de actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade” –, e o segundo porque o pedido seria “inócuo para efeitos de tutela efectiva em tempo útil do direito à greve”, acentua. Iniciada em 31 de Janeiro, a greve termina nesta quinta-feira.
O tribunal não se pronunciou sobre a ilicitude da greve porque “esta questão não foi suscitada pelo Sindepor”, esclareceu, entretanto, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, em conferência de imprensa nesta terça-feira. “Sobre essa matéria, a Procuradoria-Geral da República já se pronunciou no sentido da ilicitude da greve, tanto pela forma como estava a ser realizada, como pela forma como estava a ser financiada”, recordou.
O colectivo do Supremo Tribunal Administrativo “deu razão ao Governo”, recusando-se considerar, “por unanimidade”, ilícita a requisição civil, como pretendia o sindicato, sintetizou Tiago Antunes.
Os três juízes conselheiros do STA consideraram que o pedido foi apresentado “de modo artificioso”, uma vez que o sindicato solicitou ao tribunal “algo que este não podia decidir neste processo”, e, por outro lado, acentuaram que “a requisição civil apenas visou o cumprimento dos serviços mínimos que o tribunal arbitral já impusera e que o sindicato não contesta”, acrescentou o governante.
Considerando "formalista” e “contraditória” a decisão do STA, o advogado que representa o Sindepor, Garcia Pereira, rejeitou esta interpretação do Governo e anunciou que está a ponderar recorrer, alegando que os juízes conselheiros não se pronunciaram nunca sobre licitude ou ilicitude nem da greve “cirúrgica” dos enfermeiros nem da requisição civil decretada pelo Governo.
Decisão contraditória
Garcia Pereira entende mesmo que é contraditória a decisão do tribunal, porque começa por julgar a intimação como o meio processual adequado, mas depois “esvazia completamente a utilidade desse meio processual”.
O advogado disse à Lusa que a decisão do STA tem ainda “o absurdo de entender” que só no caso de incumprimento de serviços mínimos e de aplicação de sanções sobre os trabalhadores é que haveria actos a analisar no âmbito deste processo.
O que estava em causa neste processo era o acto de requisição civil e, este, para os juízes conselheiros do STA, “destinando-se a acautelar a efectiva realização dos serviços mínimos decretados pelo tribunal arbitral, não comprimiu o direito fundamental à greve”, contrapôs Tiago Antunes. Este é “um direito que o Governo leva muito a sério”, frisou.
Os efeitos práticos da paralisação deixaram de se sentir há uma semana, quando a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) suspendeu a greve depois da publicação do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República em Diário da República e o Ministério da Saúde ter dado indicação para que fossem marcadas faltas injustificadas aos grevistas. O Sindepor não suspendeu a greve, mas aconselhou os enfermeiros a apresentarem-se ao trabalho e a entregar uma minuta no sindicato afirmando que estavam a ser coagidos pelo Governo a não exercer o seu direito de greve.
A requisição civil foi decretada pelo Conselho de Ministros em 7 de Fevereiro para assegurar a realização dos serviços mínimos na greve dos enfermeiros nos blocos operatórios de quatro dos dez centros hospitalares e hospitais nos quais decorre este protesto. Está em vigor no Centro Hospitalar de São João e no Centro Hospitalar do Porto (hospital de Santo António), ambos no Porto, no de Tondela-Viseu e no de Entre Douro e Vouga, até ao final deste mês.
Os argumentos do Governo
O Sindepor contestou a requisição civil, argumentando que é “ilegal e inconstitucional”. Garcia Pereira defendeu na intimação que a fundamentação apresentada pelo Governo para aprovar a requisição civil era “genérica e abstracta”, “sem precisar” os factos.
No acórdão agora divulgado, elencam-se os argumentos do Governo. O Governo defende que “seria caso inédito na legística portuguesa” que constassem de uma resolução de Conselho de Ministros dados clínicos “relativos a dezenas ou mesmo centenas de cirurgias”. E considera “verdadeiramente inextricável e ademais irrelevante toda a torrente de supostos casos concretos trazidos à liça” pelo Sindepor. Nota ainda que na intimação se invoca a Lei da Greve de 1977 que foi revogada há mais de 15 anos (agora está integrada no Código do Trabalho).
O Ministério da Saúde anunciou, entretanto, que vai retomar as negociações com as estruturas sindicais dos enfermeiros, o que deverá acontecer no início de Março.
Notícia corrigida a 27 de Fevereiro às 14h50. Na versão anterior havia algumas citações que eram erradamente atribuídas aos juízes do STA quando pertencem, na verdade, à argumentação do Governo que é citada pelos juízes no acórdão do STA que está na base desta notícia. O título foi igualmente alterado. Aos leitores as nossas desculpas.