Com chocolate, ovos-moles ou simples, não há quem resista a uma tripa de Aveiro
Chamar-lhe bolacha americana mal cozida seria injusto. Ela ganhou vida própria, alcançando grande fama na região. O segredo está na massa, garante o criador das tripas, que continua a defender a receita original. Mas também há quem aposte em novas variantes.
Há dias felizes! E aquele em que José Oliveira foi confrontado com o pedido de uma cliente para fazer uma bolacha americana mal cozida acabou por revelar-se um dia afortunado. Já lá vão mais de 30 anos. Ninguém diria, nessa altura, que o sabor ia pegar e conquistar tamanha fama, mas ela aí está para o comprovar: a tripa de Aveiro. Simples, com chocolate ou ovos-moles, o recheio (ou a falta dele) é à vontade do freguês. Tudo devidamente enrolado num “almofada” de massa, pouco cozida, claro está – como sugeriu a tal cliente -, e feita com farinha, açúcar, ovos e leite. “E depois leva uns pós de perlimpimpim”, garante o seu criador, em jeito de brincadeira.
A mais pura das verdades é que a receita tem “mais de 100 anos de história”, anuncia José Oliveira, o homem que passou a ser conhecido como Zé da Tripa e que teve acesso a esse saber fazer antigo por via do casamento. “Os meus sogros tinham um negócio de bolacha americana, na Costa Nova, e eu fiquei-lhes com a filha e com o segredo”, relata, mantendo o tom divertido. Acabou por lançar-se por conta própria, primeiro, com venda ambulante e, depois, com um quiosque fixo. “Era um carrinho e tinha de andar a virá-lo contra o vento. Aquilo era uma trabalheira”, recorda.
Decidiu, assim, fixar o posto de venda de bolacha americana, sem deixar a terra onde tudo começou para a família da sua mulher, Maria do Carmo. E à oferta de sempre (bolacha americana) foi juntando a proposta da tal “massa mal cozida”. “Os miúdos colocavam-na em cima de uma prata, no braço, e iam esticando e depenicando para comer e começaram a chamar-lhe tripa”, evoca. O formato evoluiu – hoje, tem uma forma certinha – e o produto final também. “Começou por ser simples, sem recheio. Só depois é que se começou a introduzir o chocolate e os ovos-moles”, aponta. “E na minha opinião deviam ser só estas as opções de recheio”, defende o criador da tripa.
Neste momento, são os seus filhos, Miguel e Joana, os “guardiões” do negócio (e do tal segredo) de família. Chegaram a equacionar outras carreiras - ele é licenciado em Design Industrial e ela ainda ingressou no curso de Química -, mas a vontade de tomar conta do saber fazer herdado dos avós maternos acabou por falar mais alto. O pai ainda se mantém por ali, bem activo (tem 68 anos), e ninguém o cala sempre que é preciso dizer “é assim que se dobra a tripa”. Mas são os filhos os grandes responsáveis por fazer crescer a marca Zé da Tripa e a estendê-la a outros pontos do país.
Já adquiriram duas carrinhas para levar a tripa até aos mais variados festivais nacionais, além de manterem os pontos de venda das praias da Costa Nova e Barra, em Ílhavo, e do Centro Comercial Glicínias, em Aveiro. Sempre com essa garantia: manter a receita de há muitos anos e continuar a apostar na simplicidade. “O princípio é esse, o de ter um produto final genuíno”, assevera Miguel Oliveira.
Não são crepes nem wafers, são tripas
Com tantos anos passados à volta da máquina de fazer bolacha americana, José Oliveira tem muitas histórias para contar, especialmente quando o tema é a confusão à volta do nome “tripa”. “Lembro-me de umas excursões que vinham do Norte e que estavam ali de volta do quiosque a achar estranho que uma tripa levasse chocolate ou ovos-moles”, recorda. Espanto ao qual os turistas estrangeiros não conseguiam também escapar. “Passavam ali, iam ao dicionário traduzir e depois riam-se. Mas passado um bocado estavam na fila”, nota. E no fim? “Gostavam, sim senhor.”
Os franceses têm tendência a chamar-lhes crepes, os ingleses confundem-nos com wafers, mas tripas são tripas. Tanto mais porque “a massa é muito diferente, o crepe é mais tipo pão”, garante o Zé da Tripa. Para quem ainda tem dúvidas, resta provar. No entender da dupla Miguel e Joana, o melhor, mesmo, é fazê-lo na origem – ou seja, na zona de Aveiro – ou numa das carrinhas que saem directamente de Aveiro para os grandes festivais do país. “As do Zé da Tripa, claro está”, argumenta.