Fecho dos CTT. “Mais dia, menos dia, não temos nada"
No ano passado fecharam 70 estações dos CTT por causa do plano de reestruturação da empresa. Em muitos casos, os serviços passaram para as cãmaras municipais, papelarias e até uma florista, em Arraiolos. Moradores desfiam queixas mas também encontram vantagens. Retrato de um país que deixou de ter CTT públicos em 2014.
Arraiolos. “O que é prioritário? Os familiares do defunto ou os utentes dos CTT?”
Jacinto Barbeiro, que reside fora da sede do concelho, chegou a Arraiolos para tratar de “uns assuntos” nos correios, mas “não sabia que tinham fechado”. “Era onde eu mandava umas coisitas para a minha filha que mora na Baixa da Banheira e recebia a minha reforma”, confessou, interrogando-se sobre o local onde o poderia fazer. O PÚBLICO indicou-lhe a Rua da Misericórdia nº 8, uma transversal à igreja com o mesmo nome. “Está tudo a acabar”, reagiu num misto de ironia e desagrado Jacinto Barbeiro, vendo no encerramento de serviços públicos “uma razão para as pessoas irem embora da terra”.
São os idosos que mais se ressentem das alterações efectuadas nos serviços dos CTT. Nalguns casos são forçados a percorrer dezenas de quilómetros para receber as reformas e pensões. O serviço público de correios “configura uma necessidade primordial das populações, acentuada no Baixo Alentejo, marcado por uma baixa densidade demográfica, por cidadãos de baixa escolaridade e idade avançada”, afirma ao PÚBLICO o presidente da Câmara de Aljustrel, Nelson Brito (PS), para descrever como está a decorrer o funcionamento da loja dos CTT no seu concelho, após ter passado a posto de correios gerido por um parceiro privado, em Outubro de 2018.
O autarca é peremptório na avaliação que faz: “[O serviço] tem sofrido uma quebra significativa na sua qualidade, não assegurando, muitas vezes, patamares mínimos”. E no que ao município diz respeito, “sentimos que piorou bastante”, frisando que a câmara chega a estar “dias sem receber correio, o que é impensável no caso de uma autarquia”, refere Nelson Brito.
Não é um caso isolado. Os protestos das populações de vários concelhos do Norte, Centro e Baixo Alentejo, têm sido expressos de várias formas (manifestações, concentrações da população, moções e apelos ao primeiro-ministro e Presidente da República), para que seja travado o processo de encerramento dos serviços dos CTT e que seja revogada a concessão e reassumido o serviço público.
A mais recente movimentação ocorreu em Arraiolos, sede de concelho que, segundo o Censos 2011, tinha uma população residente de 7363 habitantes. A estação dos CTT fechou a 30 de Dezembro e abriram no dia 2 de Janeiro numa florista de Arraiolos, que faz arranjos florais casamentos, baptizados e funerais. “Se houver um funeral o que é prioritário? Os familiares do defunto ou os utentes dos CTT?”, realçou ao PÚBLICO um dirigente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT/CGTP-IN), que pediu para não ser identificado.
Ana Russo, proprietária do estabelecimento onde está instalado desde o início de 2019 o posto de correio dos CTT, adiantou ao PÚBLICO que o respectivo contrato de concessão, “ainda não está assinado”. Apesar de o posto estar a funcionar há cerca de um mês, ainda não sabe se prosseguirá com a tarefa por ainda estarem a decorrer negociações com a administração dos CTT. “Se eles insistirem em atribuir-me o valor inicial que me ofereceram, não quero o posto dos CTT nem mais um dia na minha loja”. A verba que foi proposta pelos CTT “só dá para aquecer. E para me aquecer prefiro fazer lume”, ironiza a proprietária do estabelecimento comercial “Ana Florista”. A proposta que lhe foi feita pela administração dos CTT atribui “um valor fixo e um valor variável” que não revelou.
Na localidade, é patente o desconforto por outra razão de fundo. “Arraiolos, mais dia, menos dia, não tem nada. O banco já fechou e agora já se fala que também vão encerrar o serviço de Finanças”, queixa-se uma moradora em Arraiolos.
Alvaiázere: “Está a ir-se tudo embora”
Até Outubro, o serviço dos correios de Alvaiázere funcionava no rés-do-chão de um edifício de dois pisos, propriedade dos CTT. O imóvel fica a curta distância do tribunal, que está de portas fechadas há bem mais tempo. “Tinham uma casa boa”, introduz António Gonçalves, 67 anos e reformado, naquela que é a expressão mais simpática que vai utilizar para se referir ao serviço da empresa postal naquele concelho do Norte de Leiria.
Desde o final de 2018 que a estação está encerrada. O serviço dos CTT passou a ser assegurado pela Papelaria Alternativa, em frente ao mercado municipal, num prédio de habitação com serviços no piso térreo. Para se aceder ao interior do estabelecimento há um obstáculo de dois degraus, embora ao lado da porta a proprietária tenha instalado uma pega para ajudar a subir.
Esse não é o único reparo de António Gonçalves, que vai das dimensões do espaço à pouca privacidade. “Custa-me um bocado, mas temos de engolir”, conclui. O pior, comenta, ao lado, Jacinto Henriques, de 70 anos e também reformado, é que “está a ir-se tudo embora”. António Gonçalves completa: “Uma pessoa que estudou, como é que vai fazer a vida dela? Não é aqui”. O que aconteceu em Alvaiázere, embora tenha sido repentino, não acabou por ser surpreendente. “Como vi na televisão tantas [estações] a fechar, pensei que também havia de cair aqui”, refere.
Os dois homens conversam com PÚBLICO em frente ao Café do Mercado, onde trabalha Catarina Raquel, de 24 anos. A jovem assinala que uma sede de concelho deveria ter uma estação de correios. Menciona também a privacidade. Num sítio onde muitos idosos vão levantar as reformas, “as outras pessoas não têm de saber o valor”, afirma.
Até agora, o negócio não vai mal, descreve Helena Geraldes, proprietária da Papelaria Alternativa. A abertura de um balcão dos CTT na sua loja permitiu-lhe apanhar o mês de Natal, quando o negócio postal tem um pico. O acordo com a empresa implica que a papelaria fique com uma percentagem que varia consoante os produtos, à qual se somam comissões, explica ao PÚBLICO.
A presidente da Câmara de Alvaiázere, Célia Marques, lamenta que o processo tenha sido “praticamente imediato”, sem que tenha havido uma comunicação formal à autarquia por parte dos CTT. Para Célia Marques, o encerramento da estação num município com cerca de 7 mil habitantes é motivo de apreensão. “Sabemos que estes territórios estão a ficar cada vez mais desertificados. Se tem de haver um número mínimo de utilizadores para que os serviços possam existir, começamos a ficar deveras preocupados com este cenário”, explica.
Mas nem tudo mudou para pior, assinala Helena Geraldes. A anterior estação dos CTT fechava às 18h e só atendia de segunda a sexta. Agora a papelaria fecha às 19h e abre também ao sábado.
Mondim: “O horário ajuda. Já cheguei a vir aqui ao sábado”
Há uma casa na vila de Mondim de Basto onde as portas estão ainda contornadas a vermelho. Mas a palavra “Correios” já lá não está, indicando precisamente o desaparecimento dos serviços que aí se prestavam. Os pouco mais de 7.000 habitantes do concelho de Mondim, um dos 33 do país que ficou sem estação dos CTT até ao final de 2018, têm agora de recorrer a um outro local, a cerca de 500 metros do anterior, para continuarem a usufruir do serviço postal.
A papelaria Letras & Cia recebeu o serviço em Maio, na sequência de um contacto dos CTT, e assumiu-o exclusivamente em Mondim a partir de Agosto, quanto o antigo posto fechou, revelou ao PÚBLICO a proprietária do estabelecimento desde Outubro de 2017, Joana Araújo. Revestido por jornais, livros e muito material escolar, sobretudo para crianças, o espaço tem um balcão apenas destinado ao serviço postal, separado do espaço para as restantes vendas, que, segundo a responsável, oferece os mesmos serviços de uma estação própria, com excepção dos produtos do Banco CTT.
A papelaria, explicou ainda, recebe todos os materiais necessários ao serviço à consignação e uma comissão por cada venda, numa estreita articulação com o posto de Celorico de Basto, uma vila também sede de concelho, a cerca de 10 quilómetros. “Temos contacto diário com Celorico e com os carteiros. Os funcionários da loja dão-nos todo o apoio. Também temos tido formação acerca de como prestar o serviço”, disse.
Utilizado essencialmente para envio e recepção de cartas, pagamento de contas mensais e levantamento dos vales das reformas, a papelaria recebe cerca de 30 clientes por dia, “em situação normal”, e funciona melhor do que o antigo posto na questão dos horários, já que funciona ininterruptamente das 9h às 19h, à semana, e ainda nas manhãs de sábado e de domingo, sempre com duas pessoas no atendimento. “O feedback das pessoas quanto a esse aspecto é muito positivo. Quem não pode cá passar durante a semana pode vir ao sábado levantar uma reforma ou fazer a expedição do correio”, disse.
Na manhã de sexta-feira, entre as 10h e as 11h, a papelaria atendeu, pelo menos, quatro clientes. E o horário é algo que lhe agrada na nova versão do serviço postal. “Nunca estive à espera para nada. O horário ajuda. Já cheguei a vir aqui ao sábado”, disse Osvaldo Oliveira, antigo trabalhador da construção civil, já reformado, que reside por cima do antigo posto dos CTT. “Agora tenho de andar mais alguns metros, mas faço o que já fazia quando ia aos correios”.
Mas nem todos os clientes são de tão perto. Maria de Conceição Lopes, de 58 anos, vive até na aldeia de Agunchos, no concelho vizinho de Ribeira de Pena, mas aproveitou a ida a Mondim para enviar coisas para os filhos que residem no estrangeiro. Já Ângelo Martins, da freguesia de Ermelo, percorreu cerca de 20 quilómetros para enviar um registo a um cunhado que vive em Lisboa. Ambos elogiaram o funcionamento do serviço. “Há uns anos, estavam duas ou três pessoas no antigo posto, mas ultimamente só estava uma. Aqui consigo fazer o que fazia da mesma maneira”, disse o agricultor, de 65 anos, enquanto era atendido.
Mário Borges, por seu turno, percorreu uma distância mais curta para utilizar o serviço de apartados e faz um balanço positivo do novo local, apesar da importância que, a seu ver, as estações CTT têm na afirmação de um território. “A loja CTT é algo que se distingue sempre numa vila, mas, a nível de serviço, continuamos bem servidos”, disse o antigo funcionário público, de 70 anos.
Cinco meses depois de ter assumido o único serviço em Mondim, Joana Araújo realçou que os clientes se sentem cada vez mais à vontade com o serviço, apesar de reconhecer a importância das estações próprias. “É importante respeitar os postos de correio, mas as pessoas não perderam serviços”.