Cuba: os millennials estão a mudar Havana à boleia da Internet

Trocaram o danzón pela dança interpretativa, o mambo pelo hip-hop, o basebol pelo futebol. Cansados dos estereótipos que atraem milhares de turistas a Cuba, os jovens estão a reinventar a identidade cubana — e, para isso, apoiam-se na Internet e no consumo. O fotolivro Havana Youth, de Greg Kahn, revela um lado de Cuba que raramente é visto a partir do exterior.

Foto
©Greg Kahn

Eles cresceram durante o "período especial", termo que designa o período de grandes dificuldades económicas que estalou no país em 1989 com os primeiros indícios da dissolução da URSS. A grave crise que se instalou em Cuba, acentuada pelo embargo comercial norte-americano, deteriorou, aos olhos dos cubanos da geração Y, a imagem do regime. Quando, em 2008, Raúl Castro substituiu o irmão Fidel, ventos de mudança começaram a soprar sobre a identidade cubana. A massificação da Internet, que decorreu paralelamente, teve um papel fulcral na metamorfose que Greg Kahn documentou durante cinco anos, entre 2012 e 2017, e que resultou em Havana Youth, editado pela Yoffi Press em Janeiro de 2019. O fotolivro revela um lado de Cuba que raramente é visto a partir do exterior.

Anna Marie Mesa, 16, ouve música no seu smartphone no centro de Havana. A tecnologia está a desenvolver-se a um passo acelerado e os cubanos passaram do uso de telefones fixos para os "smartphones" num período de poucos meses. ©Greg Kahn
Jovens cubanos encontram-se no famoso Malecón, em Havana, para exibir as suas roupas e acessórios, ouvir música e festejar. Os "millennials" cubanos estão a adoptar novos "looks" que têm origem nos Estados Unidos e Europa. Querem manter-se a par das tendências internacionais e estabelecer a sua própria identidade. ©Greg Kahn
Jovem cubano num táxi, no centro de Havana, onde bens provenientes dos Estados Unidos são, agora, vistos com frequência. Usar roupas e acessórios de origem norte-americana é sinónimo de estatuto social para os cubanos. ©Greg Kahn
Adolescentes cubanos fumam durante uma festa de piscina no Miramar Chateau, um hotel junto à praia, em Havana. ©Greg Kahn
Pompi, 26, membro da companhia de dança Havana Queens. ©Greg Kahn
Rachel Gonzalez, 25, membro da companhia de dança Havana Queens. ©Greg Kahn
Yosmel Azcuy, 28, "break dancer" profissional, dá a mão à esposa Guirmaray Silva, 29, enquanto esperam o regresso da electricidade no seu apartamento, em Havana. Estes cortes na corrente eléctrica podem ocorrer semanalmente. ©Greg Kahn
Marina Alfonso, 21, licenciou-se recentemente em História pela Universidade de Havana. Crê que a juventude tem liderado o país no que toca a abraçar novas tendências. "Vivíamos segundo um padrão, mas esse já não nos serve", disse a Kahn. "Vivemos numa espécie de utopia, agora. Mas será que podemos ter o melhor de dois mundos?" ©Greg Kahn
Miguel Leyva, 22, é "blogger" de moda em Havana. Diz que os jovens cubanos já não olham para revistas, sabendo que não podem adquirir bens; olham-nas, sim, já com a perspectiva de adoptar novos estilos. Para Leyva, a moda é encarada pelos jovens como uma forma de protesto. "As roupas têm uma conotação muito forte aqui. Podem equiparar-se a um artigo anti-regime de um jornalista. São um símbolo de liberdade." ©Greg Kahn
Condutores de "bicicletas táxi" aguardam clientes numa rua junto ao Malecón, em Havana. As propriedades da primeira linha de costa estão a sofrer alterações a um ritmo constante. Em parte, é o governo que está a promover essa renovação, mas também há iniciativas de cubanos, em conjunto com investidores estrangeiros (em segredo), para tirar partido do fluxo de turismo. ©Greg Kahn
Os bailarinos "b-boy" que pertencem à companhia Havana Queens experimentam novos passos durante um ensaio, em Havana. O "breakdance" desenvolveu-se graças ao YouTube, já que os bailarinos usam a plataforma para desenvolverem novas técnicas. ©Greg Kahn
Jerry Rivera, 24, liga o forno para cozinhar o seu almoço no seu apartamento em Playa, um subúrbio da zona oeste de Havana. Apesar do crescente uso de novas tecnologias, a infra-estrutura de Cuba permanece frágil, motivo por que são comuns os cortes no fornecimento eléctrico. ©Greg Kahn
Havana, Cuba ©Greg Kahn
Casal beija-se durante a cerimónia de abertura dos Jogos do Caribe, uma competição anual da Universidade de Havana. ©Greg Kahn
Os "break dancers" aquecem antes de uma batalha diante da Catedral Del Picadillo. O "breakdance", em Cuba, existe desde os anos 1980, mas entre o final dos anos 80 e o início dos anos 2000 o movimento desapareceu — fruto da quebra de comunicação com a cultura e média internacionais. Agora, esta modalidade está de volta. ©Greg Kahn
Gabriel Garcia trabalha como modelo e gere um estúdio de dança, em Havana. Gostaria de poder viajar, mas não gostaria de emigrar, ao contrário de muitos cubanos das gerações anteriores. Gabby, que nasceu durante o “período especial”, aprendeu inglês a assistir a filmes americanos. O acesso a esses conteúdos era feito através de uma rede de distribuição ilícita chamada “El Paquete”. ©Greg Kahn
Muitos "break dancers" cubanos acabam por realizar digressões pela Europa. ©Greg Kahn
Jovem desafia as autoridades ao invadir o local destinado, exclusivamente, a hóspedes do Hotel Nacional de Cuba. Este é um exemplo de pequenos actos de rebelião quotidiana, em Cuba. ©Greg Kahn
Capa do fotolivro Havana Youth, da editora Yoffi Press
Fotogaleria
Anna Marie Mesa, 16, ouve música no seu smartphone no centro de Havana. A tecnologia está a desenvolver-se a um passo acelerado e os cubanos passaram do uso de telefones fixos para os "smartphones" num período de poucos meses. ©Greg Kahn

Apesar das limitações no acesso à Internet — todos os conteúdos disponíveis na rede cubana passam pelo crivo do organismo Registro Nacional de Publicaciones Seriadas —, os jovens cubanos encontram no Facebook, Instagram e Twitter inspiração para a mutação.​ Cresce o número de bloggers e de artistas que, em nome da liberdade de expressão — que encontra sementes num movimento de desafio ao regime — criam os conteúdos que estão na génese de uma nova identidade cubana. 

Vivem em Havana 2,1 milhões de habitantes. Metade da população tem menos de 35 anos. "Eles [os jovens] não sentem tanto o peso do passado", explica Kahn à revista Newsweek. E sentem-se incomodados com o facto de Havana estar associada à ruin porn que leva tantos turistas à cidade em busca de ruínas e edifícios abandonados. “Vivemos aqui", ouviu Kahn nas ruas da capital. "Queremos edifícios reabilitados. Somos a geração que quer dar uma volta a Cuba.” Ansiar pela renovação de uma cidade que ficou, em muitos aspectos, congelada no tempo é um sintoma transversal no seio da juventude cubana, de acordo com o fotógrafo.

©Greg Kahn
©Greg Kahn
Fotogaleria
©Greg Kahn

O hip-hop ganha, hoje, terreno sobre géneros musicais de raiz cubana, como o danzón ou o mambo. Vestuário e acessórios populares no Ocidente começam a ser adoptados pelos jovens, que procuram afirmar o seu estatuto através do consumo. “Os millennials cubanos estão a abraçar o materialismo”, sublinha Kahn. “Acreditam que essa é uma forma de conexão, de pertença ao mundo global. Trata-se da ascensão do individualismo numa nação construída com base no colectivismo.” A abertura para o exterior estimula o consumo de novos produtos e a adopção de novos comportamentos. Os jovens abraçam objectos e marcas como a Beats — uma marca de auscultadores usada por celebridades dos mundos artístico e desportivo — para se afirmarem enquanto cubanos livres. “Estive numa festa de piscina em Havana e pensei ‘podia estar em Miami’”, conclui o fotógrafo.

Sugerir correcção
Comentar