Ministra da Cultura anuncia em Berlim incentivos à produção em Portugal

“Não podemos desperdiçar Portugal estar com uma projecção internacional extraordinária”, disse a Ministra da Cultura ao apresentar um novo incentivo à produção em Portugal. Uma “medida Simplex” que pode ser uma antevisão do futuro Plano Estratégico – e da necessidade de criar novos públicos.

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Graça Fonseca, Ministra da Cultura RUI GAUDÊNCIO

Foi Berlim o festival escolhido para a apresentação do novo programa de incentivo à produção de cinema e audiovisual em Portugal. E foi Berlim, nas palavras da ministra da Cultura, Graça Fonseca, por ser, de todos os festivais de cinema, aquele que “melhor transmite a [actual] direcção do cinema português”. A Ministra, acompanhada pela Secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, esteve no Mercado Europeu do Filme (EFM) organizado anualmente em simultâneo com a Berlinale, num “pequeno-almoço português” para apresentar a produtores (nacionais e internacionais) o programa Can’t Stop Filming in Portugal. 

Na prática, o programa corresponde a um cash rebate, ou reembolso, de até 30% das despesas incorridas por uma produção que filme em Portugal – produção nacional, co-produção internacional ou produção internacional recorrendo a equipas e elencos nacionais – num gasto mínimo de 500 mil euros para ficções e animações e 250 mil para documentários. Gerido em conjunto pelo ICA e pelo Turismo, o Fundo de Incentivo ao Turismo e Cinema não se limita apenas às produções para grande ou pequeno ecrã, mas contempla também os serviços de streaming online ou video-on-demand (VOD)Foram já aprovadas quase duas dezenas de produções, entre as quais Frankie de Ira Sachs, a série de Ivo Ferreira Sul (cujo primeiro episódio será exibido na secção paralela Berlinale Series Days) e a série televisiva alemã Lissabon Krimi – com a agilidade da resposta (num máximo de 20 dias úteis) como factor decisivo para ultrapassar as burocracias administrativas.

No fundo, trata-se da primeira versão do que virá a ser a Portugal Film Commission, modelada na Lisbon Film Commission, que para já apenas existe no papel. Por entre café e pastéis de nata num dos espaços do Martin-Gropius-Bau, onde decorre o EFM, o PÚBLICO conversou rapidamente com Graça Fonseca sobre este novo incentivo ao financiamento da produção e a sua articulação com o Plano Estratégico de Cinema em que se trabalha neste momento: como justificar investir mais na produção quando o mercado de distribuição e exibição não consegue absorver o que é feito?

Nesta apresentação foi muito sublinhada a “aposta na agilidade de resposta”. O que é que isto representa em termos de política para o cinema? A agilidade é uma das ideias em cima da mesa para o plano 2019-2023?
Também. Mas na verdade tem que avançar antes de 2023. Aquilo que nós percebemos é que existe um conjunto de dificuldades, obstáculos, que resultam, se quiser, de um funcionamento do sector público muito por áreas. Fazer um filme ou produzir uma série em Portugal necessita de um conjunto de diligências administrativas – uma das atribuições da futura Film Commission é identificar os principais constrangimentos que existem e trabalhar com todas as áreas do estado precisamente para os processos serem agilizados e coordenados. É uma dimensão muito importante, não só para investimentos estrangeiros mas também para os nacionais. Foi um trabalho que fomos fazendo ao longo do último ano e meio, porque foi escrito como medida Simplex.

O planeamento estratégico tem um foco diferente: onde é que nós queremos que o cinema esteja daqui a dez anos? Achamos que Portugal tem condições para se destacar nesta ou naquela área? Há mais talentos na área das curtas ou do documentário? Trata-se de olhar para o potencial do país e fazer este planeamento estratégico, envolvendo pessoas de fora – não só o ICA e as pessoas da cultura mas ir mais além. Hoje em dia, os países e as regiões competem globalmente e a concorrência é extraordinariamente feroz – estava ali a olhar para a capa da Variety que diz “Malta 40% de cash rebate”... Os países percebem que no panorama global têm de se posicionar como algo diferenciador para conseguir atrair mais que os outros. Onde é que temos mais potencial para nos podermos posicionar de forma mais forte? E a partir do momento em que respondamos a essas perguntas, também vamos conseguir focar no que se pode discutir no modelo do financiamento, da organização dos concursos, a grande discussão dos júris... Tudo isto terá um “guia”: queremos chegar a isto e o caminho para chegar aqui é este.

Esse planeamento estratégico também é Simplex?
Queremos que seja. Estamos a trabalhar muito com o ICA nesse sentido – temos que alargar estes exercícios sempre envolvendo quem são os agentes, quem são as pessoas que vão nos próximos dez anos utilizar o sistema, ver os filmes.

Quando se fala de política cultural no cinema, fala-se sempre da produção. Independentemente da importância de um incentivo como este, continuamos do lado da produção. Não existe ao mesmo nível uma política de formação de públicos ou de ajuda à distribuição e exibição. O que é que o Plano Estratégico vai mudar nessa abordagem?
Essas são componentes absolutamente fundamentais. A questão dos públicos mais novos é uma peça muito importante e liga com o Plano Nacional das Artes que apresentámos esta semana, como uma macro-estrutura que vai integrar a cultura, o cinema, as artes, de forma mais transversal e focada em projectos na escola e com os mais novos. Os novos públicos estão a consumir cinema de uma maneira profundamente diferente do que se fazia há vinte anos. Sabemos isso e o próprio plano é para o cinema e para o audiovisual, temos que assumir claramente que são duas áreas que têm que estar ligadas – é assim em todos os países.

Estamos a trabalhar um aumento do investimento quer público quer privado no cinema, nacional ou internacional, precisamente para ter mais produções nacionais e mais co-produções. Mas se não prepararmos quem vai ver cinema ou séries daqui a dez ou vinte anos, não estamos a trabalhar para a sustentabilidade desta estrutura e desta política pública. E depois há a dimensão, que estava a colocar, da exibição. Olhando para as cidades, há um fenómeno que todos vemos: as salas de cinema passaram por uma profunda transformação nos últimos vinte anos. Deixou de haver o chamado cinema de bairro, as salas passaram para o interior das grandes superfícies e deixou de haver proximidade. Parece-me – e é uma das questões que queremos trabalhar no Plano Estratégico do cinema – que há novamente oportunidade e espaço para voltarmos a olhar para os cinemas de bairro de forma diferente e apostar aí. Repare no que está a acontecer no Porto com o Trindade.

Mas o Ministério não está aqui para interferir ou influir no mercado...
Naturalmente. O governo não é distribuidor nem exibidor, porém é muito importante o posicionamento que tomamos e a forma como podemos trabalhar com parceiros precisamente ao nível das cidades. Não podemos desperdiçar esta oportunidade de Portugal estar com uma projecção internacional extraordinária – o cinema, as cidades, as regiões. Não tenho nenhum estudo que o demonstre, mas com aquilo que sabemos que são as tendências geracionais em cada área, a minha percepção empírica é que há uma imensa massa de público cuja procura por determinado cinema não está a ser satisfeita porque a oferta existente não corresponde a esse perfil. Aquilo que estamos é à procura de perceber como é que isto se pode alterar.

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