Na Bobadela poucos acreditam nos benefícios da vinda do Papa

“O que deu alma a esta vila foi a Expo", diz um morador da Bobadela. "Mas a Expo e as Jornadas são coisas muito distintas." Entre o desejo de ver a zona ribeirinha reabilitada, a perspectiva do aumento do preço das casas e o receio da permanência da barreira de contentores, não sabe se tem razões para festejar

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Rui Gaudêncio

Um desejo e algumas inquietações. Na Bobadela, freguesia colada aos terrenos para onde está prevista a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), um dos desejos mais partilhados pelos moradores é a retirada dos contentores da zona ribeirinha, esperada desde que lá foram colocados, já depois de 2010.

Porém, os planos da empresa para aumentar a zona do Parque de Contentores são reais e preocupam autarcas e moradores. Em perspectiva está já o interesse urbanístico despertado pelo evento que atrairá uma multidão de jovens.

Desde o anúncio da realização do evento, no fim de Janeiro, os pedidos de informação sobre esta zona dispararam, confirma Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal. "Esse interesse já se notava, com a saturação da zona do Parque das Nações, mas aumentou muito desde o anúncio da Jornada da Juventude” há duas semanas. "São muitos os investidores e as imobiliárias a perguntarem se há bolsas de terrenos” para construção. 

O representante do sector não esconde o entusiasmo e até vê como positivo o tempo de espera necessário para tirar frutos da JMJ. “Quem começar agora a preparar um projecto, vai tê-lo pronto na altura da realização do evento. Toda a gente sabe que isto vai valorizar”. Algumas coisas podem não ser autorizadas pelos Planos Directores Municipais [PDM], admite Luís Lima que, por outro lado, antecipa “alterações aos PDM” inevitáveis.

“É extremamente positivo porque provavelmente, sem este motivo, [a reabilitação e valorização deste espaço] iria demorar muitos anos”, continua Luís Lima que ressalva a importância de serem criados mecanismos para garantir que as casas aqui sejam "para nacionais e para quem precisa" – a classe média e baixa e os jovens – e não como aconteceu na Expo "onde se desenvolveu uma habitação de luxo". Em Sacavém, Bobadela, São João da Talha, e outras freguesias, “é uma nova centralidade de Lisboa que está a surgir”, conclui.

O entusiasmo seria mais partilhado pelos moradores se estes soubessem que, além de proporcionar uma habitação acessível, o grande evento de 2022, como que por magia, derrubasse o muro de contentores que se ergue, há cerca de cinco anos, entre as pessoas e o rio.

“O que deu alma a esta vila foi a Expo. Mas a Expo e as Jornadas são coisas muito distintas”, considera João Ferreira, morador há quatro anos na Bobadela. “Os contentores são uma mancha negra na paisagem”, continua, sentado no café ao lado de Francisco Cruz que duvida de eventuais melhorias. “Não sei se seremos, mas deveríamos ser beneficiados.”

Beneficiados? Só haveria uma forma, replica do balcão Gina Rodrigues. “Era tirarem os contentores. Aquilo é uma vergonha. Mas não acredito. Para isso, é preciso alguém pagar à empresa proprietária do Parque dos Contentores. E a Câmara de Loures vai pagar? Não há dinheiro!”, exclama.

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No recinto idealizado para a JMJ 2022 prevê-se a colocação de um palco circular em cima do aterro de Beirolas Câmara Muncipal de Lisboa

"Uma expectativa boa"

“As pessoas estão na expectativa, uma expectativa boa”, diz, apesar de tudo, Nuno Filipe Leitão, presidente da União das Juntas de Freguesia da Bobadela, São João da Talha e Santa Iria de Azoia. “Vejo-me numa posição de fazer parte da solução para um problema que se arrasta há anos". Nuno Filipe Leitão refere-se principalmente à retirada dos contentores "através da revitalização da zona que desde a Expo 98 não teve um tratamento devido”, sintetiza. Para o autarca, a realização das Jornadas é a oportunidade para devolver o espaço às pessoas, no sentido do seu usufruto.

Como os moradores, também Nuno Filipe Leitão se questiona sobre o futuro do aterro (antiga lixeira) e dos terrenos da Galp, antiga Petrogal. “Foi onde esteve a reserva estratégica nacional de combustível. Há risco de contaminação”, diz o autarca. 

“A própria GALP, com a dimensão que tem, se tem um estudo, divulgue. Se não tem, pior. É também a responsabilidade social das empresas”, concorda Rui Berkemeier, especialista em resíduos da associação ambientalista Zero, que desconhece, por outro lado, o estado em que está a lixeira, ou aterro de Beirolas, pertencente à Câmara Municipal de Lisboa. “Resta saber se a lixeira está a libertar gases."

Contactada, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) esclarece que "o aterro ainda liberta gases". E adianta que "o sistema de recolha e encaminhamento para a central de biogás localizada na ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] será integralmente reabilitado para um nível máximo de segurança e maior eficiência”.

Sobre a realização de uma análise da contaminação dos solos – passada ou futura – a autarquia justifica não haver razões para preocupação. “No âmbito das intervenções da Expo 98, o aterro foi selado” e “sobre a totalidade da área foi depois depositada uma camada de um metro de espessura de terrenos não contaminados”.

No local, porém, moradores queixam-se do cheiro omnipresente nos meses de calor. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), por sua vez, reconhece a possível “necessidade de avaliar o estado do solo e, eventualmente, das águas subterrâneas”. E vai mais longe, não pondo de parte, “em função dos resultados dessa avaliação”, a necessidade de “uma análise de risco e a adopção de eventuais medidas de gestão de risco”.

Sem conhecimento oficial 

Também sobre os terrenos da antiga Petrogal, refere que “é obrigatório proceder a uma avaliação da perigosidade” e que “em caso de comprovada situação de risco, é obrigatória a execução de um plano de descontaminação”. Assim, continua a APA, “a existir algum estudo, o mesmo deverá estar na posse do proprietário do terreno” – a Galp.

Sobre isso, o gabinete de comunicação da Galp nada diz. Informa que os terrenos "estão em processo de avaliação quanto ao destino futuro" mas não esclarece em que data foram desactivados os depósitos da petrolífera nem confirma que o terreno está à venda, como sugere um letreiro de venda no próprio espaço. "A Galp não foi até agora contactada pela organização da Jornada da Juventude”, diz fonte oficial da empresa.

Também a ALB – Área Logística da Bobadela não foi informada oficialmente, disse um responsável da empresa que não adiantou nada sobre o plano de extensão do parqueamento dos contentores.

No final de 2017, porém, a ALB venceu um concurso e foi-lhe adjudicado o prolongamento da concessão por mais sete anos, com o alargamento da zona de Parqueamento dos Contentores para mais 11 mil metros quadrados. Esse investimento que ronda os 60 mil euros tem uma comparticipação em cerca de 24 mil euros em fundos da União Europeia. A área actual do terminal é de 180 mil m2, de acordo com a informação disponível no site da empresa.

É esse “volume” em extensão e em altura que os moradores lamentam. “A gente via o rio”, diz com um ar sonhador Antónia Pestana, gerente do Café Zanzibar na Bobadela. Lembra-se de uma vinda a Portugal do Papa João Paulo II, há muitos anos, e de como os enfeites das ruas de Lisboa davam um ar de festa e de esperança. Mas é ao descrever o espaço e o rio da sua terra que esboça um sorriso. "Fazia toda a diferença", diz Antónia Pestana. Um dia, um senhor que ali caminhava encontrou um sofá trazido pela maré, conta. “O senhor levou para lá uma coberta e sentava-se junto ao rio a apanhar sol.” Ri-se. 

Quando olha a imagem do Papa Francisco que o jornal mensal Notícias de Loures escolheu para capa da mais recente edição, diz: “Se for para tirarem os contentores é uma boa ideia. Se não for, não sei." com João Pedro Pincha

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Câmara Muncipal de Lisboa
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