Não existem muitas perguntas que surjam como escolhas definidoras numa conversa ainda embrionária. Ainda menos se nos cingirmos aos universos criados pela ficção. Talvez duas ou três apareçam rapidamente. Mas talvez nenhuma tenha um significado de pertença tão alargado como este clássico: “És Griffyndor? Slytherin? Hufflepuff? Ou Ravenclaw?”.
A escolha não é fácil – e não temos um chapéu que nos diz para onde temos de ir (apesar de o Pottermore ajudar) – e pode levar a horas de debate sobre as conquistas e a importância de cada casa para todo um mundo mágico criado por J.K. Rowling. Há 20 anos ninguém discutia a casa a que pertencia, nem isso traçava linhas de discussão – até Harry Potter e a Pedra Filosofal chegar a Portugal.
O cenário tão poético, como infantil. Uma lareira acesa e um sofá bem chegado à frente, perto do calor, numa sala escondida de um meio bem rural. Sentado e com poucos meses de saber ler e entender de forma natural as palavras que se juntavam, abandonava momentaneamente os livros de Uma Aventura para descobrir Hogwarts pela primeira vez. Não sei se todos os livros de Harry Potter tiveram uma passagem lida à lareira num Inverno de início de século, mas gosto de acreditar que sim.
Descobri a magia ainda na escola primária e é, possivelmente, o único Carnaval de que tenho memória em miúdo. No armário que ainda tenho reservado em casa – aquela da lareira –, mantenho guardado um fato impecavelmente arrumado e no qual fingia ser o “rapaz que sobreviveu”. Não sei da varinha e os óculos perderam-se no tempo, mas lembro-me do raio desenhado na testa e do quão fantástico me achei na altura – porque se ser mágico é muito giro, ser o Harry Potter era o sonho ambicioso de criança.
Na deriva universitária, abandonei a casa-mãe há cerca de seis anos e, apesar de praticamente todos os livros terem feito a viagem comigo, ainda há alguns que sobram naquela estante que decora o meu antigo quarto. Em jeito de confissão, admito que ainda me falta ler o sétimo livro.
Os ecrãs dominaram e os oito filmes – com todas as suas pequenas lacunas – continuam a remeter para a lareira acesa e, mais especificamente, para a quadra natalícia. Há épocas para maratonas: as de Guerra das Estrelas sempre bem-vindas ou as de Friends que começam para entreter uma noite a precisar de gargalhadas e acabam dez temporadas depois. Harry Potter consegue ser ainda mais particular e arrebatar qualquer Sozinho em Casa em tempos de Natal.
Em jeito de revivalismo pouco épico – pelo menos visto de fora –, o meu Natal tem sido preenchido quase todos os anos com o último filme de Harry Potter enquanto ainda me recuso a levantar da cama depois do dia 24 e, apesar de nem sempre acontecer, com as últimas cenas já espelhadas no ecrã, com a lareira em pano de fundo. A combinação é perfeita e desafio-vos a experimentar o aconchego de um trio com tanto de disparatado como de enternecedor (refiro-me a Harry, Ron e Hermione) com o calor reconfortante de uma lareira em pleno Inverno – quem sabe se por ser à lareira que Harry e Sirius comunicam.
Há uns anos, e precisamente num desses revivalismos, acabei a rever as capas dos meus livros de Harry Potter – um deles com autocolantes da Hermione, certamente uma paixoneta infantil. A conclusão foi a mesma que tiraram há um minuto: falta só o último. Daí que tenha ainda por cumprir a decisão de o comprar e de fazer uma maratona – mas literária. O início seria similar ao de há 15 ou 16 anos: num Inverno à beira da lareira de minha casa.