A bastonária dos enfermeiros
Grave é abusar do estatuto da sua organização para fazer guerrilha corporativa, contornando todas as mais elementares regras democráticas de manifestação, repito, próprias de uma força sindical, e nunca de uma entidade reguladora.
Não se consegue compreender que uma Ordem profissional possa ter um comportamento mais próximo de um sindicato do que de um organismo regulador de uma profissão.
Saberá a senhora enfermeira o que é ser bastonária? Dou uma ajuda. A origem da designação define o titular do bastão da autoridade de um organismo colegial, é quem os representa. Ora, ter a honra e a responsabilidade de ser bastonária não é, certamente, para andar à bastonada a tudo e a todos!
Mas à falta desta compreensão, vejamos os próprios estatutos da Ordem dos Enfermeiros: “Tem como atribuições a definição de regras relativas à atividade profissional e respetivo controlo da sua observância. Na prática, podemos dizer que a preocupação da OE é para com a regulamentação e disciplina da profissão de Enfermagem, enquanto outras organizações, como os sindicatos, se preocupam com os assuntos laborais, decorrentes do contrato de trabalho.”
Creio que é clara a afirmação da diferença entre a Ordem e “outras organizações, como os sindicatos” que “se preocupam com os assuntos laborais”. E se é assim tão claro, qual a parte da afirmação é que a bastonária não percebe? Ou entende que é uma líder sindical e que o bastão lhe caiu nas mãos por engano?
Mais grave ainda é abusar do estatuto da sua organização para fazer guerrilha corporativa, contornando todas as mais elementares regras democráticas de manifestação, repito, próprias de uma força sindical, e nunca de uma entidade reguladora.
Esta forma inovadora de financiamento dos grevistas é algo inimaginável, próprio de piores práticas sindicalistas. Parte-se do princípio que os profissionais que aderem a uma greve manifestam a sua contestação pelo recurso ao seu esforço pessoal, à sua mobilização para um manifesto coletivo. Arranjar financiamentos em crowdfunding para compensar os grevistas, é praticamente prover uma retribuição não pela atividade profissional, mas por um sindicalismo praticamente profissionalizado.
Ora, mais grave ainda é que esta inovação parta precisamente da organização que regula a profissão de enfermeiro. Não é para isto que serve uma Ordem.
Não admira, nem tão pouco considero reprovável que o Estado possa retirar a sua confiança delegada, num organismo que demonstra mais competência para a manifestação do que para a regulação.
Por outro lado mas de uma gravidade indescritível é a consciência de que se está a causar sérios e graves problemas aos doentes cujas cirurgias são adiadas, sem qualquer vislumbre de remorso, pesar ou sentimento de culpa. A consciência de que se está a instalar o caos, numa espiral de guerrilha entre cidadãos e enfermeiros, entre médicos e enfermeiros, entre Estado e a dita Ordem profissional, enfim, um mega disparate total com um impacto perverso e negativo no Serviço Nacional de Saúde e na vida de todos os que dele beneficiam.
E a troco de quê? Com todo o respeito e compreendendo os motivos que levam os enfermeiros a manifestarem-se, não perceberam todos eles, ainda, que estão a ser usados como bandeira para fins políticos/partidários, esquecendo ou não reparando sequer que estão eles próprios a rasgar a sua bandeira? Não percebem que estão a ser pagos para enlamear a sua profissão e a manchá-la?
Não percebem que estão, grosseiramente mas à vista de todo o país, a ser arrastados para uma selvajaria insensível, calculista e calculada?
A confusão reina na cabeça da bastonária, logo reina institucionalmente na Ordem dos Enfermeiros e pouco restará de digno à profissão depois desta gigantesca crueldade que todos em conjunto estão a cometer contra os que sofrem e necessitam de cuidados, que todos egoisticamente estão a provocar ao Serviço Nacional de Saúde.
A greve é um direito previsto constitucionalmente, que eu defendo. Mas o direito à vida é um bem inalienável e superior a quaisquer outros direitos.
“Respeitando a vida desde a concepção até a morte, não participando voluntariamente de atos que coloquem em risco a integridade física e psíquica do ser humano, mantendo elevados os ideais da minha profissão, obedecendo os preceitos da ética e da moral, preservando sua honra, seu prestígio e suas tradições.” – Excerto do juramento do enfermeiro, que por certo a bastonária fez, mas não decorou e demonstra ter raiva de quem o sabe e lembra.
Os utentes do Serviço Nacional de Saúde que estão a ser prejudicados, a quem cirurgias e tratamentos estão a ser suprimidos e adiados, não esquecerão jamais o seu rosto, sr.ª enfermeira.
Da minha parte repudio total, não pela greve nem pelas reivindicações, mas sim pela falta de respeito à vida, ao Serviço Nacional de Saúde e ao "tal” juramento feito.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico