“Penso seguir a vida dos cavalos”
Junto à Coudelaria de Alter do Chão, há uma escola profissional pública à qual chegam muitos jovens de que outras escolas desistiram e que opera mudanças como esta, relatada por um aluno: "Antes eram só desilusões. Agora é só coisas boas." No futuro provavelmente continuará a ser assim, pois trabalho parece ser coisa que não falta aos estudantes que ali fizeram a sua formação.
Apesar de ser uma escola, entre alunos e professores há quem lhe chame “um paraíso”. Seja por tudo ali ser campo e não faltar espaço ao ar livre, seja pela presença constante desses animais nobres que dão pelo nome de cavalos ou por o fracasso não ser uma experiência recorrente na Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter do Chão (EPDRAC), no distrito de Portalegre, onde actualmente estudam 160 alunos.
Ao PÚBLICO já tinham chegado indicações sobre este estabelecimento de ensino público devido à facilidade com que os seus antigos alunos encontram emprego tanto em Portugal, como em vários outros países. Mas uma incursão de cerca de quatro horas pela escola, fundada nos anos 90 junto à conhecida Coudelaria de Alter do Chão, veio acrescentar esta outra realidade: é também um lugar de gente feliz.
À saída de um dos vários picadeiros que existem na escola, Henrique Painho não hesita em dar conta da transformação por que passou. “Fiz tudo de seguida, sem atrasos”, diz este jovem de 18 anos como quem apresenta um feito digno de nota. Que no seu caso até é. Henrique chegou a Alter do Chão vindo de uma escola de ensino regular de Estremoz, onde o chumbaram duas vezes ainda antes de chegar ao 8.º ano. Primeiro no 6.º ano e logo a seguir no 7.º. “Era tudo muito teórico, mas o meu problema principal era mesmo o de estar o dia todo enclausurado numa sala”, comenta.
A conselho de um amigo, entrou para a EPDRAC em 2016 para fazer o curso de Tratador e Desbastador de Equinos, com o qual terminou o 3.º ciclo. É um dos dois Cursos de Educação e Formação (CEF) que a escola oferece neste nível de escolaridade e que são frequentados por 40 alunos, a maior parte deles com um historial de insucesso. No ensino secundário existem dois cursos profissionais: técnico de agro-pecuária, que conta com 60 alunos, e técnico de gestão equina, com 52 inscritos. Henrique é um deles.
Se tivesse ficado na escola de Estremoz, a sua vida poderia ter virado uma coisa complicada. É pelo menos essa a sua suspeita. Mas como não deixou que tal acontecesse, agora não tem dúvidas de que irá acabar o ensino secundário sem tropeções pelo caminho e que depois irá trabalhar naquilo de que gosta: “Penso seguir a vida dos cavalos."
Seguir a vida dos cavalos é uma fórmula que para os alunos desta escola pode ter resultados diversos. Poderão vir a ser tratadores, gestores de coudelarias, professores de equitação ou até mesmo atletas de alta competição nesta modalidade, descreve a directora da escola, Conceição Matos, assegurando que o curso de gestão equina os prepara por igual para estarem aptos a percorrer qualquer um daqueles percursos.
Brasil é um dos destinos de trabalho
“Aprendem a montar, a ser profissionais, a tratar da higiene dos animais e da limpeza das cavalariças, a serem responsáveis pelo bem-estar dos cavalos, que aqui é uma tarefa dos alunos”, descreve o professor de equitação Pedro Mendes, que há dez anos se formou nesta mesma escola. Também têm, claro, aulas teóricas com disciplinas iguais às dos seus colegas do ensino regular, como Português ou Matemática, e outras mais específicas como Patologia equina, Produção e conservação de alimentos para equinos, Organização de provas hípicas, entre várias outras.
E depois não lhes faltam propostas de trabalho, diz Pedro Mendes, no que é secundado por Conceição Matos: “Temos tido muita procura do Brasil, de vários países da Europa e também de empresas nacionais”, onde os estudantes já realizaram estágios que são obrigatórios para a conclusão do ensino profissional.
Estão na escola entre as 8h30 e as 17h30, um tempo cuja parte de leão se passa em volta dos cavalos. Seja nas aulas, nas cavalariças, onde todos os dias são lavados pelos alunos após a prática de equitação (no Inverno só as pernas por causa do frio, no Verão todo o corpo) ou também em voltas pelo recinto. Como a escola não tem funcionários suficientes, são também os alunos do secundário que ao fim-de-semana têm a responsabilidade de tratar dos animais. Há uma escala para o efeito que é cumprida à risca, informa a directora.
Levam a sério a responsabilidade pelos animais, mesmo em situações extremas como a que aconteceu em Outubro passado, quando um incêndio quase destruiu por inteiro uma das cavalariças. “Os alunos não descansaram até conseguirem libertar todos os cavalos. Eles e os professores”, lembra Conceição Matos.
Não aos chumbos fáceis
A directora, que é engenheira agrícola de formação, está à frente da escola desde 2012 onde chegou vinda da antiga Direcção-Regional de Educação do Alentejo, com sede em Évora. Diz que encontrou uma escola a morrer por estar a ser privada das características que a tornaram diferente. Que isso aconteceu porque foi forçada a integrar o Agrupamento de Escolas de Alter do Chão, mas que felizmente se conseguiu inverter este processo: “Foi a única escola do país que conseguiu desagregar-se."
Muito do seu trabalho tem passado por tentar impedir os chumbos fáceis. “Criámos mais instrumentos de avaliação para que não seja um só teste a ditar o destino dos alunos. Aumentámos as ocasiões em que os alunos podem repetir os módulos que tenham ficado em atraso, para que não os acumulem, e mudámos os critérios de avaliação, valorizando as componentes do saber fazer, essencial no ensino profissional, e do saber estar”, descreve. Devido a estas mudanças, garante que em 2017/2018 a conclusão dos cursos em tempo normal (três anos) subiu dos 50%, registados pelo Ministério da Educação no ano lectivo anterior, para quase 100%.
Autónomos aos 16 anos
Os alunos do curso de gestão equina, que se tornou a marca da escola, chegam dos mais variados pontos do país e por isso aos 16 anos tornam-se autónomos, partilhando casa em Alter do Chão com outros colegas. Tornaram-se uma das “principais fontes de rendimento” da vila.
“Ao princípio é difícil. Sentia a falta dos meus pais, tive de aprender a cozinhar, mas agora já me estou a habituar”, diz Bernardo Neves, 17 anos, que veio de Mafra para estudar na EPDRAC, onde entrou este ano. Quando questionado sobre esta nova experiência, garante que “não podia ser melhor”. Trouxe consigo o Lego, o seu cavalo de três anos com quem partilha as aulas de equitação.
No curso de gestão equina são vários os alunos que têm os seus próprios cavalos, mas a escola também tem os seus equinos para que os estudantes que ainda não são donos de nenhum possam aprender com eles, ficando também responsáveis por olhar pelo seu bem-estar. E como se ganha a confiança de um destes animais? “Tem que se aprender. Vai do feitio da pessoa e do cavalo”, diz Henrique. O professor Pedro Mendes acrescentará depois que esta não é uma missão fácil: “É preciso mostrar respeito pelo cavalo e transmitir tranquilidade.”
Andreia Neves, 18 anos, está no terceiro e último ano do curso, para onde veio de Vila Franca de Xira, onde continuam a morar os pais. “Foi preciso muito choradinho todos os dias para os convencer, mas acabaram por ver que o mais importante é fazer o que se gosta e o que eu gosto é disto”, conta. Da escola diz que fez ali amigos para a vida, que “é o sítio ideal para quem quer algo diferente” e que a preparou para ter agora esta certeza: “Estou apta para fazer tudo o que tiver a ver com cavalos.” Só não sabe se o fará logo depois de terminar o curso ou se antes irá para o ensino superior.
Por agora, Henrique Painho não põe de lado a possibilidade de se dedicar ao desbaste de potros, um trabalho de que sempre gostou. E também esta certeza: “Para os meus pais foi um milagre ter vindo para cá. Antes eram só desilusões. Agora só são coisas boas.”