Venezuela, Guaidó e companheiros de cama
Como dizia Shakespeare em A Tempestade, "a miséria habitua o homem a estranhos companheiros de cama".
A maioria dos países da União Europeia reconhece hoje Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela mandatado para convocar eleições presidenciais. Isolado internacionalmente, Nicolás Maduro esbraceja. Na entrevista que ontem à noite deu à cadeia espanhola La Sexta já mostrava, por palavras, a sua crescente fragilidade, embora continue a afirmar que se vai bater até ao fim. O seu argumento principal é a ameaça dos Estados Unidos - através de John Bolton - invadirem a Venezuela e fazerem, como diz Maduro, "um novo Vietname". A história da América Latina é muito pesada para que este argumento seja subvalorizado.
Mas há dados que podem mostrar que pode haver alguma esperança para que Nicolás Maduro aceite abandonar o poder sem um banho de sangue - ou pelo menos convocar presidenciais verdadeiramente livres. Na entrevista de ontem teve uma frase interessante: "A mal não aceitaremos nada. Que o saiba Pedro Sánchez, que o saiba o mundo". Maduro sabe que a China, que mantém o apoio ao regime venezuelano, está já a negociar com Juan Guaidó. A margem do presidente venezuelano, cuja eleição a União Europeia não reconheceu e nas quais a oposição não participou, está cada vez mais estreita e o isolamento é irreversível.
É verdade que Guaidó combinou com Trump a sua autoproclamação como Presidente interino da Venezuela, como deixava perceber o imediato apoio dos Estados Unidos e está particularmente bem contado num texto da edição de ontem do El País. É verdade que a esquerda, só de ouvir o nome "Donald Trump" estremece e quer defender exactamente o oposto que Trump defende. Mas o facto de existir o apoio de Trump a alguma coisa não quer dizer automaticamente que ela seja má - embora seja verdade que quase sempre tem sido. Se, na Venezuela, estar do lado certo da História é, desta vez, estar ao lado de Trump, que seja. Como dizia Shakespeare em A Tempestade, "a miséria habitua o homem a estranhos companheiros de cama". Quando falamos de Venezuela falamos efectivamente de miséria económica e política. Se desta vez Trump for um estranho companheiro de cama, assim seja.