Carros a gasóleo, poluentes e com mais de 15 anos. Este é o exemplo do Estado
Só existe um veículo a gás, 17 híbridos e 55 eléctricos, segundo o levantamento mais recente feito pelo Ministério das Finanças. Actual Governo não cumpre metas para carros poluentes nas novas aquisições.
Cerca de 73% das viaturas da administração directa e indirecta do Estado, incluindo gabinetes ministeriais, são a gasóleo. Só existe um veículo a gás, 17 híbridos e 55 movidos a electricidade. Os dados oficiais constam do mais recente relatório do Parque de Viaturas do Estado (PVE), elaborado pelo Ministério das Finanças em Dezembro de 2017.
Se olharmos com atenção, vemos que a idade média dos automóveis tem vindo a aumentar em vez de haver alguma renovação. Em 2010, a idade média era de 12 anos. Em 2017, aumentou para 15,3 anos. Apenas 11% das viaturas do PVE tem menos de quatro anos.
"Há alguns sinais preocupantes", alerta o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, a quem o PÚBLICO pediu que analisasse o perfil dos veículos do Estado. Para além da idade, este responsável destaca o facto de o Governo não ter cumprido o despacho de 2014 que fixa as quotas de emissões de CO2 dos veículos a adquirir. O Estado comprou ou alugou menos carros ecológicos do que era pretendido e "abusou" nos carros mais poluentes - era permitido apenas 5% mas este tipo de veículos acabou por representar 39% das 277 aquisições ao longo de 2017. Instado pelo PÚBLICO a comentar a violação das metas estabelecidas pelo Governo de Passos Coelho, o Ministério do Ambiente, liderado por Matos Fernandes, não quis comentar.
De um total de 25640 veículos em que 40% pertencem às forças de segurança, apenas 1432 se inserem nos segmentos A, B e C. Dito de outro modo, "mais 90% são altamente poluentes", aponta o presidente da Quercus, João Branco, em declarações ao PÚBLICO.
"Isto é revelador de que não tem sido dada muita atenção às questões ambientais. Já há híbridos há muitos anos e o Estado tem apenas 17, sendo que todos os anos há compra de carros e abatimentos. Por outro lado, a idade média de praticamente 16 anos por veículo significa que emite muito mais CO2 do que um carro actual que são muito mais eficientes", afirma o presidente da Quercus. "Não fiquei muito surpreendido. Já tinha essa noção. Mas na sequência desta polémica que se gerou acho que era boa altura para o Estado dar o exemplo e renovar a sua frota".
"Para além dos sinais preocupantes, também há coisas positivas. A política de abate tem sido consistente e 2018 tem sido um ano muito diferente. Já há veículos com zero emissões o que vai permitir dar um salto enorme no balanço geral", sublinha, por seu turno, Francisco Ferreira. A média de emissões de CO2 das viaturas do PVE é actualmente de 112gr/km.
Este relatório de Dezembro de 2017 não incorpora posteriores aquisições, como as do novo Programa de Apoio à Mobilidade Elétrica na Administração Pública ECO.mob, que prevê a substituição de 1200 veículos com mais de 10 anos por veículos eléctricos em toda a Administração Pública até 2020.
Na cerimónia de entrega de 55 veículos eléctricos em Fevereiro de 2018, à qual o primeiro-ministro chegou num automóvel eléctrico, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, sublinhou que "o compromisso de Portugal depois do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas é reduzir em 24% as emissões do sector dos transportes até 2030" e garantiu que "o Estado deve dar o exemplo" no uso de veículos eléctricos.
Um dos problemas que a actual frota do Estado enfrenta, por exemplo, são as restrições de circulação no centro das cidades, como sublinha o presidente da associação ambientalista Zero. "As restrições para veículos a gasóleo ou antigos aplicam-se aos carros do Estado", anota. O Plano de Acção para as Energias Sustentáveis e o Clima, aprovado na Câmara de Lisboa, propõe a "eliminação da circulação de veículos ligeiros a gasóleo nas zonas centrais da cidade” e o alargamento das "zonas de emissão reduzidas”.
Governo não larga o diesel
Em Portugal, a venda de ligeiros de passageiros com motor diesel caiu 9,5%, entre Janeiro e Outubro de 2018, face ao período homólogo de 2017. É a primeira vez nesta década que as vendas de carros diesel caem sem ser num período de crise económica.
Os últimos concursos de aquisição/aluguer de viaturas lançados por entidades públicas, porém, continuam a admitir o diesel mesmo tratando-se de veículos ligeiros de passageiros, ou seja, veículos sem características especiais. A Docapesca, por exemplo, comprou há três semanas três ligeiros a gasóleo. Os últimos contratos de aluguer de viaturas do gabinete do primeiro-ministro, que anda frequentemente de carro eléctrico, dizem respeito a duas viaturas "com motorização a gasóleo" (um Renault Megane e um Volkswagen Passat) bem como do gabinete da ministra da Presidência (um BMW 520D).
O gabinete de Maria Manuel Leitão Marques informou que o carro em causa "é tecnologicamente mais evoluído, cumprindo as normas europeias mais recentes – e exigentes - sobre as emissões de poluentes dos veículos e, simultaneamente, apresenta um menor consumo de combustível face a motores equivalentes a gasolina". Este gabinete decidiu comprar 24 veículos eléctricos mas mantém-se a dificuldade da sua ainda "curta autonomia", o que impede o uso para "deslocações mais longas e frequentes, como sucede com os membros do Governo no desenvolvimento da sua acção política". O gabinete de António Costa não deu explicações.