Consumidores recuperam três milhões com apoio da Deco na resolução de conflitos
Número de reclamações diminuiu em 2018, mas necessidade de mediação de conflitos disparou. Para além dos sectores mais reclamados, com as telecomunicações a manterem-se à frente, a associação passou a identificar as empresas com piores práticas.
O balanço das queixas apresentadas junto da associação de defesa do consumidor Deco, em 2018, mostra “o regresso de más práticas no que respeita ao atropelo dos direitos dos consumidores, com destaque para os mais idosos”, notando-se ainda “uma maior resistência das empresas em corrigir situações em que o consumidor tem razão”. A “radiografia” é feita por Paulo Fonseca, coordenador do Departamento Jurídico e Económico da Deco, a propósito do aumento de práticas comerciais desleais, situações em que “a simples entrega de armas aos consumidores não foi suficiente para ganhar a guerra”.
A linguagem bélica é mais fácil de perceber através dos números. Ao longo do ano passado, 376 mil consumidores queixaram-se à Deco, número que fica abaixo dos 405 mil casos reportados em 2017. Esta evolução surpreende pela positiva, mas o mesmo já não acontece em relação aos consumidores que não conseguiram resolver as situações com “as armas” dadas pelo Deco, como sejam “as indicações de como reclamar e onde devem ser apresentadas as reclamações”, que muitas vezes inclui a preparação de cartas ou a junção de outros documentos. Nesta frente, a Deco tem indicação de que cerca de 80% das queixas são resolvidas, mas não tem dados sobre os valores recuperados ou outros resultados.
Mas há muitos casos em que o consumidor não consegue obter uma resposta satisfatória da entidade reclamada, e é ai que a Deco entra directamente no conflito, mediando a apresentação entre o particular e a empresa. E, neste domínio, há boas e más notícias. A má é que a associação teve de intervir em 23 mil casos, um aumento de 35% face a 2017. A boa é que os consumidores apoiados recuperam cerca de três milhões de euros, o triplo do conseguido em 2017.
Paulo Fonseca considera que apesar dos resultados conseguidos na devolução de valores relativos a consumo ou comissões indevidas, a cancelamentos de voos ou a encomendas que não chegaram ao destinatário, há um dado negativo que não é possível esconder. Trata-se do facto de muitos consumidores não terem recuperado valores a que teriam direito, e isso fica a dever-se à falta de informação, e, muitas vezes, porque quando reclamam junto das empresas “são enganadas”, diz. Paulo Fonseca dá como exemplo as situações em que os consumidores se dirigem a determinado comerciante a pedir que seja accionada a garantia de um determinado artigo e recebem a informação de que têm de contactar directamente a marca. E não é assim, o comerciante é co-responsável pela prestação de garantia.
Serviços financeiros sobem um degrau
Para além da separação das queixas pelos principais sectores, a associação de defesa do consumidor passou a identificar as empresas mais reclamadas, as que se destacam negativamente em situações concretas e a atribuir ainda algumas “menções desonrosas”, por entender que “isso responsabiliza mais as infractoras”, até agora “protegidas” pela agregação no respectivo sector.
As duas menções desonrosas foram dadas à CP, pela “[má] qualidade do serviço prestado, onde se incluem “atrasos e supressões e a relação com os clientes” e aos CTT, pela “[má] qualidade do serviço e incumprimento dos prazos”.
Relativamente às queixas por sectores, a campeão das queixas voltou a ser o das telecomunicações, com 34.956 reclamações, o peso das quais a recair, pela ordem, sobre a Meo, a Nos, a Vodafone e a Nowo. A destacar-se como “o pior” surge a Meo, pela cobrança de um euro pela factura em papel, e a Nowo, no caso do cancelamento do serviço de SportTV, situações denunciadas pela Deco. No geral, “as práticas mais reclamadas são relativas ao período de fidelização, facturação, práticas comerciais desleais e dificuldade no cancelamento do contrato”.
O comércio manteve o segundo lugar, com 25.345 relatos. Aqui a associação não discrimina as entidades mais visadas, por existir uma grande dispersão de queixas. O maior número de relatos é relativo a “problemas para accionar a garantia, incumprimento dos prazos de entrega, falta de informação e práticas desleais nas promoções e incumprimento dos prazos no direito de livre resolução no caso das vendas em linha [online]”. O destaque pelo “pior” vai para “o crescimento das reclamações, sobretudo nas vendas em linha, da Worten” e para “pequenos retalhistas na sua desresponsabilização” relativamente ao accionamento de garantias, enquanto “os grandes distribuidores invocam sempre o mau uso por parte do consumidor”.
Os serviços financeiros sobem do quarto para o terceiro lugar: 19.249 registos. A Caixa Geral de Depósitos e a Wizink (cartões de crédito e crédito ao consumo), são as entidades mais reclamadas, e a classificação de “pior” vai para as comissões bancárias, designadamente “o aumento do valor e a redução drástica das isenções do pagamento e produtos financeiros”, e “a falta de clareza na informação prestada aos consumidores mais vulneráveis, os seniores”.
Naquilo a que o jurista da Deco chama de regresso de “velhas” queixas, que fazem recuar a práticas abusivas e comportamentos anteriores a 2008 e 2009, estão “a falta de informação sobre crédito à habitação, falta de informação sobre exclusão, franquias, valor da indemnização na área dos seguros”.
O sector da energia e da água, com 16.981 queixas, caiu do terceiro para o quarto lugar, com maior incidência nas matérias relativas a facturação e prescrição de valores a cobrar, consumos excessivos, dupla facturação, práticas comerciais desleais na mudança de comercializador, atraso no envio da factura.
As entidades mais visadas foram, na energia, a EDP Comercial, a Endesa, a Galp On, a Goldenergy e Iberdrola. A merecer o selo de “pior” da Deco está “o atraso no envio da factura por parte da Galp e práticas comerciais desleais da Endesa e Iberdrola, e Powerpack da Endesa”, com informação enganosa aos clientes nos contactos porta-a-porta e por telefone.
Na água, foi “a falta de informação sobre as facturas, prescrição e recurso à execução fiscal para pagamento das facturas” que se destacaram.