Juiz que desvalorizou violência sobre "mulher adúltera" vai ser punido

Conselho Superior da Magistratura diz que está em causa uma infracção disciplinar e recusou esta terça-feira o arquivamento do caso, como sugeriu conselheiro que analisou o processo.

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Conselho Superior da Magistratura reuniu-se ontem Daniel Rocha

O juiz do Tribunal da Relação do Porto que desvalorizou uma agressão grave praticada pelo marido contra a “mulher adúltera” praticou uma infracção disciplinar. O Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de supervisão dos juízes, recusou esta terça-feira arquivar o caso, como sugeria o conselheiro que analisou o processo. A decisão foi controversa, tendo sido tomada por oito votos a favor e sete contra.

"O CSM considerou que no caso em apreciação as expressões e juízos utilizados constituem infracção disciplinar, pelo que foi rejeitado o projecto de arquivamento apresentado a plenário e determinada a mudança de relator, para apresentação de novo projecto na próxima sessão", informa uma nota daquele órgão. Tal significa que um outro membro do CSM terá que sugerir a pena a aplicar e escrever a fundamentação da decisão. 

O PÚBLICO sabe que o inspector que analisou o caso considerou que tinha havido infracção disciplinar, uma posição que não foi seguida pelo vogal do conselho, um juiz, que ficou encarregue de escrever a decisão. 

Na nota divulgada esta terça-feira, o conselho considera que a "censura disciplinar em função do que se escreva na fundamentação de uma sentença ou de um acórdão apenas acontece em casos excepcionais", dado o princípio da independência dos tribunais e a indispensável liberdade de julgamento. Mas sustenta que, neste caso em concreto, se considerou haver infracção "em virtude de as expressões em causa serem desnecessárias e autónomas relativamente à actividade jurisdicional".

No acórdão assinado pelo juiz Neto de Moura, que redigiu a decisão, e pela colega Maria Luísa Arantes, lia-se: "O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.º) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse".

Os juízes explicavam, na decisão de 11 de Outubro de 2017, que com estas referências pretendiam apenas "acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e, por isso, vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher".

Em causa estava a análise de um recurso apresentado pelo Ministério Público que contestava as penas suspensas aplicadas ao ex-marido da vítima, que a agrediu com violência no final de Junho de 2015,​ e a um homem com quem esta mantivera uma breve relação extraconjugal, pouco antes de se separar, que a perseguia, ameaçava e insultava. 

Foi este último quem sequestrou a vítima no seu próprio carro e chamou de seguida o marido. O Tribunal de Felgueiras deu como provado que o antigo amante agarrava a mulher enquanto o marido "empunhando um pau comprido com a ponta arredondada, onde se encontravam colocados pregos" lhe bateu, primeiro, na cabeça e, depois, em diversas partes do corpo, provocando-lhe lesões um pouco por todo o organismo. O ex-marido foi condenado a uma pena de prisão de um ano e três meses suspensa e o antigo amante apanhou um ano de cadeia suspensa, além de uma multa. 

Os juízes da Relação do Porto não viram razão para agravar as penas e até defenderam que o Tribunal de Felgueira podia ter ponderado "uma atenuação especial da pena", face à acentuada diminuição da culpa e ao arrependimento genuíno do ex-marido. "Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente [a vítima] que fez o arguido cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o acto de agressão, como bem se considerou na sentença recorrida", argumentaram.

O acórdão gerou uma onda de indignação pelo país que desencadeou manifestações em várias cidades. Logo em Outubro de 2017, o Conselho Superior de Magistratura abriu um inquérito disciplinar aos dois juízes, convertido mais tarde em processos disciplinares a cada um deles. 

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