Ministério Público investiga pó branco que cobre Aldeia de Paio Pires
O pó branco, que cobre há semanas automóveis e edifícios em Paio Pires, Seixal, motiva várias queixas da população. A GNR recolheu provas no dia 19 de Janeiro e o Ministério Público está a investigar.
O Ministério Público está a investigar amostras de pó branco e poluição, encontradas em automóveis e edifícios e recolhidas pela GNR na Aldeia de Paio Pires, no Seixal, depois de várias queixas apresentadas pela população, confirmou ao PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República.
A GNR detalha que as amostras foram recolhidas no dia 19 de Janeiro e foram encaminhadas para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “no sentido de serem efectuadas as respectivas análises”. “A GNR, através do Núcleo de Protecção Ambiental de Almada, está a acompanhar esta situação, estando ainda a decorrer diligências”, acrescentou ao PÚBLICO fonte oficial da GNR.
As queixas foram motivadas pelas partículas de pó branco que cobrem automóveis e edifícios em Paio Pires. De acordo com relatos de vários moradores, as partículas – brancas e de textura granulosa – não saem dos automóveis com facilidade, o que obrigou muitos residentes a lavar os carros com esfregões palha-de-aço.
“Recentemente registaram-se diversas reclamações sobre a qualidade do ar no Município do Seixal e, em particular, na zona de Aldeia de Paio Pires, relacionados, alegadamente, com a actividade da empresa SN – Seixal”, afirma a Câmara do Seixal, em resposta ao PÚBLICO.
Pó branco, pó preto
O pó branco junta-se ao pó preto, que já existia antes e tem preocupado a população. A actividade da Siderurgia Nacional, actual SN-Seixal, propriedade do grupo espanhol Megasa, que dista apenas 300 metros do centro histórico da Aldeia de Paio Pires, é a de produção de aço e derivados do aço. Para além disso, a fábrica do Seixal tem uma unidade de reciclagem “dedicada à produção de sucata de aço fragmentada resultante da reciclagem de sucatas leves e de veículos fora de uso”, diz o site do Megasa.
O pó preto vem das montanhas de escória (ou ASIC, nome técnico) com vários metros de altura, que se podem ver no terreno exterior da fábrica e que se encontram armazenadas a céu aberto. São materiais com interesse comercial (são usados para a construção e pavimentação), mas são também uma das principais fontes de preocupação da população de Paio Pires.
No documento de licenciamento ambiental, renovado em 2017 pela Agência Portuguesa do Ambiente e válido por cinco anos, foram analisadas as queixas enviadas pelos moradores e pela Câmara do Seixal durante uma consulta pública. No que diz respeito às partículas – e, por isso, à qualidade do ar – a Agência Portuguesa do Ambiente determina, entre outras coisas, que, “para reduzir as emissões difusas resultantes do processamento de escórias, o operador [a Siderurgia Nacional] deve: garantir o adequado humedecimento das pilhas de escórias processadas (ASIC)”, tanto no transporte quanto no armazenamento.
Actualmente existe apenas um medidor da qualidade do ar fixo, propriedade da Agência Portuguesa do Ambiente, entidade encarregada de fazer medições anuais em Paio Pires. Em 2017 – os últimos dados disponíveis no site da APA – registaram-se 30 dias de excedências dos 35 permitidos pela legislação de protecção da saúde humana. A Agência Portuguesa do Ambiente reconhece que ter apenas um medidor é uma fragilidade no documento de licenciamento e determina que se considere a instalação de “um ponto de amostragem adicional com localização no exterior da instalação próximo da população da Aldeia de Paio Pires”.
Técnico analisa a constituição das partículas
No início de 2019, a Câmara Municipal do Seixal levou este assunto ao gabinete do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes. Numa reunião entre o ministro e o presidente da Câmara do Seixal, Joaquim Santos, foi discutida a necessidade de uma análise aprofundada às partículas que se depositam em nos edifícios e viaturas, alegadamente vindas da Siderurgia Nacional, para determinar a sua natureza. De acordo com a autarquia, o assunto está a ser estudado pelo Instituto Superior Técnico e “terá de ter a participação de um laboratório internacional, devido à complexidade desta matéria”, lê-se numa comunicação municipal.
Em resposta ao PÚBLICO, a autarquia admite a inexistência de estudos epidemiológicos, de análise à qualidade do ar e de ruído – algo que devia ser realizado pela própria Siderurgia, mas que nunca aconteceu, apesar dos pedidos. Por isso, e face “à inércia das entidades competentes”, a câmara decidiu avançar, em 2017, com um relatório de análise das partículas que se depositam em edifícios e viaturas para determinação da sua origem e natureza”, actualmente a ser desenvolvido pelo Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico. Está também a ser elaborada uma Carta da Qualidade do Ar do Município do Seixal, desde 2018, pela Universidade de Aveiro – uma espécie de retrato da qualidade do ar no município, que não existe até à data.
O estudo epidemiológico, para definir o impacto da actividade da Siderurgia na saúde da população, está actualmente nas mãos da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, em parceria com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge desde 10 de Setembro de 2018. Vai durar sete meses.
O PÚBLICO entrou em contacto com a Agência Portuguesa do Ambiente e com o grupo Megasa, mas ainda não teve respostas.