Ministério Público reclama caução de meio milhão para Armando Vara, juiz recusa
Rosário Teixeira diz que entrevista à TVI em que arguido sugeriu que os seus problemas com a justiça surgiram depois de ter recusado ajuda ao juiz Carlos Alexandre é tentativa de condicionar Operação Marquês.
O Ministério Público quer que Armando Vara seja sujeito a uma caução de meio milhão de euros, por temer que o ex-governante socialista dissipe os seus bens. Porém, o juiz de instrução criminal da Operação Marquês, Ivo Rosa, não decretou essa medida, por entender que ela não se justifica, tendo ainda abolido uma caução anterior, no valor de 300 mil euros, que impendia sobre este arguido.
São várias as finalidades das cauções aplicadas no âmbito dos processos judiciais: não só acautelar a eventualidade de os arguidos virem a ser condenados em onerosas indemnizações como também prevenir a fuga dos suspeitos, caso se encontrem a aguardar julgamento em liberdade. Na Operação Marquês, o Estado deduziu contra Armando Vara um pedido de indemnização cível de 1,47 milhões de euros, para se ressarcir da sua alegada fuga ao fisco. O antigo governante, que entrou recentemente na cadeia de Évora para cumprir os cinco anos de cadeia que lhe foram aplicados no caso Face Oculta, responde agora pelos crimes de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e lavagem de dinheiro.
Por via deste último processo estão-lhe apreendidos 400 mil euros depositados em nome de uma sociedade sua, a Citywide, tendo-lhe ainda sido decretada em 2015 uma caução de mais 300 mil. No final de Novembro passado, e na sequência de um pedido do seu advogado, o juiz Ivo Rosa revogou esta caução, constituída na forma de hipoteca sobre uma casa de que era proprietário na zona do Lagoal, em Oeiras, tendo observado que a medida era “manifestamente desproporcional e desnecessária”. Ainda Armando Vara não tinha entrado na cadeia quando o Ministério Público recorreu da decisão do magistrado para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando vários perigos: desde logo a fuga do suspeito para o estrangeiro, para evitar ser preso no âmbito do caso Face Oculta – receio que afinal se veio a revelar infundado –, mas também a dissipação dos bens e até o condicionamento dos depoimentos das testemunhas do processo. No que respeita a este último aspecto, o procurador Rosário Teixeira critica com veemência a entrevista à TVI em que o antigo governante sugere que não teria tido problemas com a justiça caso tivesse acedido a um suposto pedido de ajuda do juiz Carlos Alexandre para chegar a director do SIS. “A simples capacidade do arguido de angariar tempo de antena para lançar avisos de retorção sobre terceiros é a prova evidente do seu propósito de constranger a produção de prova”, escreve o magistrado do Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
O facto de Armando Vara ter vendido por 1,75 milhões de euros a casa de Oeiras logo que Ivo Rosa aboliu a caução que impendia sobre ela é, para o Ministério Público, prova da tentativa de dissipação de bens – uma vez que parte deste dinheiro foi aplicado na amortização do financiamento bancário do imóvel. Com este negócio, ficaram “diminuídas as garantias patrimoniais que permitiriam dar execução ao pagamento da indemnização pedida pelo Estado”, caso venha a ser condenado. Rosário Teixeira admite, porém, que o Ministério Público não tem perfeita noção da localização da totalidade dos fundos detidos pelo arguido fora do país: “Basta pensar nas comprovadas operações de transferência de fundos para contas no Dubai e na diferença entre os montantes por si recebidos na Suíça, com origem ilícita entre 2006 e 2008 – num total superior a 2,6 milhões de euros – e os montantes que lhe foram apreendidos na conta da Citywide, que perfazem apenas 400 mil euros.”
Mas para o advogado de Armando Vara, Tiago Rodrigues Bastos, só a atitude “preconceituosa e manifestamente agressiva” do Ministério Público permite deduções deste tipo, uma vez que o suspeito mora num apartamento em Lisboa com vistas desafogadas sobre o Campo Grande que vale um milhão de euros e que aproveitou algum do dinheiro que ganhou com a venda da casa de Oeiras para comprar um imóvel na Costa da Caparica. “O seu património imobiliário encontra-se hoje totalmente desonerado”, refere o representante legal de Armando Vara na contestação à nova caução de meio milhão de euros. De mais a mais, acrescenta, dado que está preso “não é crível que nos próximos tempos tenha condições para dissipar o património ou, sequer, ter gastos avultados”.
A caminho dos 65 anos, o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e ex-vice-presidente do BCP “é titular de rendimentos de pensão que aumentarão significativamente a partir dos próximos anos, com o atingir da idade de reforma, rendimentos esses facilmente penhoráveis”, argumenta o mesmo advogado.
O Ministério Público ainda não recorreu da recusa de Ivo Rosa de decretar uma nova caução de meio milhão, mas é provável que venha a fazê-lo.