Advogado de hacker admite tentativa de extorsão à Doyen, mas foi uma “brincadeira infantil”

William Bourdon, advogado a trabalhar gratuitamente na defesa de Rui Pinto, teme que a imparcialidade e neutralidade da justiça lusa estejam em risco num cenário de extradição de Rui Pinto para Portugal.

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“John” era o nome sob o qual Rui Pinto mantinha o anonimato como um dos denunciantes (ou whistleblowers, em inglês) do Football Leaks, um colectivo que tem revelado ao longo dos últimos anos vários casos relacionados com o mundo financeiro do futebol na internet. William Bourdon, advogado do hacker denunciado pela empresa Doyen Sports, e que também está a ser associado ao roubo de e-mails do Benfica, revelou detalhes sobre o caso em entrevista à revista alemã Der Spiegel. E admitiu que o português exerceu uma tentativa de extorsão à Doyen, mas que tudo não passou de uma "brincadeira infantil".

“É absolutamente verdade que ele [Rui Pinto] queria testar até onde a Doyen estaria disposta a ir. Foi mais uma brincadeira infantil do que outra coisa”, revelou o antigo advogado de Edward Snowden, ex-espião da NSA associado a outra mediática fuga de informação.

“No fim, [Pinto] rejeitou o dinheiro por iniciativa própria. Nada aconteceu, ninguém pagou nada a ninguém. Como tal, esta criminalização de Rui Pinto é um exagero. Estamos convencidos de que ele não pode ser condenado pelo código penal português. Isto foi-nos explicado pelo advogado português de Rui, Francisco Teixeira da Mota. O seu oponente [a Doyen e as autoridades portuguesas] está a tentar encobrir o facto de que ele é um whistleblower importante. Estão a tentar retratá-lo como um pequeno criminoso e descredibilizar tudo o que ele fez”, explicou Bourdon.

Não confirmando se Rui Pinto é de facto um pirata informático, Bourdon diz não pode “explicar como ele conseguiu esses documentos”. Porém, “esta história tem as suas origens no amor pelo futebol […] prejudicado pelas coisas que ele descobriu. E isso teve um efeito de dominó. À medida que foi tendo acesso a mais documentos, a sua revolta e a sua indignação aumentaram, e tornou-se cada vez maior a consciência de que era seu dever revelar ao mundo que a sua paixão, o futebol, foi tão prejudicada pela criminalidade, pela ganância, por esquemas de lavagem de dinheiro e de fuga aos impostos”, expõe.

Sobre as acusações ligadas ao Benfica, o advogado francês salienta que “há uma campanha contra Rui Pinto conduzida por alguma imprensa portuguesa e muitos rumores são retransmitidos”. “Roubar informações sobre o Benfica é um deles. Como advogado, não confio nos rumores que são espalhados. Estou concentrado na defesa do senhor Rui Pinto e do que ele encarna.”

William Bourdon não afasta a hipótese da UEFA e da FIFA colaborarem na defesa do alegado hacker, dando como exemplo outro caso de um whistleblower que acabou por ser poupado pelas autoridades por ter denunciado ilegalidades: “Quanto mais impiedosa for a forma como o mundo do crime executa os seus crimes e age em segredo, mais obrigados somos a reavaliar a lei se quisermos realmente revelar a realidade desses negócios sujos. Antoine Deltour foi acusado de roubar documentos e aceder ilegalmente a sistemas informáticos [no caso LuxLeaks], mas acabou absolvido porque descobriu como algumas grandes corporações conseguiram acordos fiscais favoráveis ​​com a ajuda das autoridades do Luxemburgo".

Elogios ao "cliente"

Bourdon, que integra uma organização "franco-americana" que apoia denunciantes e não está a ser pago directamente por Pinto, explica quem é o português: “um misto de personalidade muito forte, corajoso e perspicaz. E também é jovem, tem 30 anos”. “Sente-se orgulhoso do que fez e também é muito humilde. Mas precisa de quem o aconselhe porque nem sempre está completamente ciente de todas as complexidades e das consequências do que fez. Embora esteja absolutamente ciente do terramoto que provocou”, refere.

“O que [Rui Pinto] descobriu criou um sentido de dever muito forte de divulgar essa informação”, defende o advogado. E prossegue: “quando alguém tenta cometer um crime e depois recua voluntariamente, sem praticar qualquer acção adicional, não pode ser condenado. Esse é um princípio legal fundamental”.

“Conheci muitos whistleblowers e alguns deles não têm as intenções claras e puras que Rui Pinto tem. A ganância é algo extremamente universal. Mas não vejo nenhuma ganância na atitude dele”

Rui Pinto foi detido em Budapeste, capital da Hungria, pela Polícia Judiciária (PJ), a 16 de Janeiro, no âmbito da Operação Cyberduna. Na altura foi apreendido material informático, disse a PJ e confirma o advogado nesta entrevista, onde recusou falar dos conteúdos virtuais aí contidos.

O mandado de detenção refere-se apenas a acontecimentos de extorsão datados no ano de 2015, confirmou William Bourdon. Já foi ouvido na justiça húngara e aguarda extradição para Portugal dentro dos "procedimentos legais", afirmou na altura a PJ. O advogado, no entanto, teme que o mediatismo e o poder dos intervenientes do caso possam por em causa "a imparcialidade e a neutralidade do sistema de justiça" português.

"Por um lado, há alegações menores — ou seja, o hacking e a extorsão, que ele [Rui Pinto] negou completamente [ter cometido]. Por outro lado, corre-se o risco de que, se for extraditado, vários procuradores e autoridades fiscais na Europa sejam privados da possibilidade de avaliar todos os documentos e de obter depoimentos da testemunha principal", diz.  "Seria ingénuo não duvidar que os portugueses estão realmente dispostos a avaliar os documentos e a agir contra o que parece ser um mundo paralelo muito poderoso", conclui.

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