Desacatos e violência: barulho nas redes sociais, “silêncio ensurdecedor” e o perigo das generalizações
Presidente da República e vários partidos reagiram aos incidentes que marcaram o protesto em Lisboa contra a intervenção policial no bairro da Jamaica, no Seixal.
Já havia barulho nas redes sociais por causa dos incidentes ocorridos na Grande Lisboa, entre cidadãos e polícias, quando o Presidente da República veio pôr os pontos nos "is" e lembrar que não se deve fazer generalizações e que nem tudo é permitido em período pré-eleitoral.
“Há situações específicas que estão a ser objecto de intervenção do Ministério Público e muito bem, apurando a verdade. E generalizar isso para comunidades, ou generalizar isso em relação a instituições que são importantes para a defesa do Estado, parece-me que não faz sentido. Mas não faz sentido nunca e não faz sentido mesmo naquilo que é natural, que é um período de óbvio e plural debate pré-eleitoral”, afirmou ao final da tarde desta terça-feira.
O Presidente da República insistiu na ideia de que, “havendo casos que suscitem censura criminal, o Ministério Público está a actuar”, mas "não se pode generalizar, nem quanto a comportamentos de cidadãos (...) nem quanto a forças de segurança que são essenciais para manter a ordem e a tranquilidade e a segurança públicas”.
Em causa estão confrontos, na segunda-feira, em Lisboa, entre a polícia e manifestantes que protestavam contra a intervenção policial do dia anterior no bairro da Jamaica, Seixal. Fora das redes sociais, o líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães, prestou declarações aos jornalistas no Parlamento, mostrando “preocupação”, condenando o que aconteceu e criticando o “silêncio ensurdecedor” do ministro da Administração Interna.
Para Nuno Magalhães, “se houver excesso” por parte das forças de segurança, este “deve ser investigado”. Mas o centrista deixou uma mensagem de confiança aos elementos da polícia. E criticou ainda “o silêncio do ministro da Administração Interna": "É ensurdecedor e nada diz” aos agentes policiais que “ficaram sozinhos a ser queimados em lume brando”, criticou.
Da parte do Governo, em Bruxelas, onde participou na reunião ministerial da União Europeia e da União Africana, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, desmentiu as informações avançadas pela Rádio Nacional de Angola sobre a apresentação de um protesto da diplomacia de Luanda por causa da detenção de um cidadão angolano, após confrontos com a polícia no bairro da Jamaica, no Seixal.
"Posso confirmar que não houve nenhum protesto formal apresentado pelas autoridades angolanas junto do Estado português, através do ministério dos Negócios Estrangeiros", declarou. O ministro acrescentou que os acontecimentos no bairro da Jamaica não foram abordados, "nem do ponto de vista informal", pelo embaixador de Angola na Bélgica, George Chicoti, que representou o ministro dos Negócios Estrangeiros naquela reunião.
Já o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, usou o Facebook para contar que está a procurar "informações concretas" sobre os incidentes entre moradores e a polícia no bairro da Jamaica, onde vivem cidadãos de origem cabo-verdiana.
A "bosta da bófia"
Mas houve trocas de acusações entre elementos de diferentes partidos. Nuno Magalhães, por exemplo, falou em “opiniões irresponsáveis por parte do poder político” e, apesar de não ter mencionado nomes, admitiu estar a referir-se à deputada do BE, Joana Mortágua – sem, no entanto, a responsabilizar pelos acontecimentos.
Apesar de o presidente do PSD, Rui Rio, ter recusado comentar os episódios de violência, justificando não ter tido oportunidade de se debruçar sobre o assunto para fazer um "comentário responsável", quem já veio exigir “responsabilidades” à deputada do BE foi a concelhia de Lisboa do PSD.
A estrutura partidária critica as “declarações irresponsáveis” da parlamentar e afirma que as mesmas “não podem ser alheias aos distúrbios ocorridos naquela tarde, em Lisboa, entre manifestantes e a polícia”. “Quem exige responsabilidades é o PSD Lisboa, mas a Joana Mortágua e ao BE”, lê-se num comunicado da concelhia de Lisboa do PSD. "Num estado que se quer de direito, cabe aos políticos e aos partidos políticos defender os direitos dos todos os seus cidadãos, mas cabe-lhes de igual forma a defesa das suas instituições, nomeadamente as forças de segurança", acrescenta a nota.
Em causa, está a partilha de um vídeo dos desacatos de domingo entre agentes da PSP e moradores do bairro da Jamaica, no Seixal. “São quatro minutos de violência policial no bairro da Jamaica. Podem ir começando a pensar em desculpas mas não há explicação para isto. E o BE vai exigir responsabilidades”, escreveu Joana Mortágua na legenda do vídeo, partilhado no Facebook e no Twitter.
Quem também se viu no meio de uma polémica no Facebook foi o dirigente do SOS Racismo, e também assessor do BE, Mamadou Ba, por ter escrito uma publicação na qual se refere à “bosta da bófia”: “Sobre a violência policial, que um gajo tenha de aguentar a bosta da bófia e da facho esfera é uma coisa é natural, agora levar com sermões idiotas de pseudo-radicais iluminados é já um tanto cansativo, carago! Há malta que não percebe que a sua crença ideológica num outro modelo de sociedade, muitas vezes assente no privilégio doutrinário e não só, não salva quem todos os dias é violentado com o racismo.”
Noutra publicação, reiterou: “Ao fim da tarde, publiquei um post dando conta da minha impaciência em aturar os sermões idiotas dos pseudo-revolucionários iluminados em comparação com a obrigação que tenho de lidar com a bosta da bófia e da facho esfera. A partir daí, comecei a receber vários tipos de insultos e ameaças. E sim, bater em alguém porque é negro ou cigano, é uma bosta. Matar alguém porque é negro ou cigano é pior que uma bosta.”
A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) respondeu à polémica e, em declarações à agência Lusa, acusou o BE e o SOS Racismo de incitamento à violência e de colocarem a população contra a polícia. O Sindicato Nacional da Polícia-SINAPOL também acusou responsáveis políticos e a SOS Racismo de produzirem "declarações insensatas".
No mesmo sentido, o partido Aliança não perdeu tempo: “Na sequência dos recentes acontecimentos no Seixal e hoje na Avenida da Liberdade, assistimos a uma imediata censura, por parte de responsáveis do BE, à conduta das autoridades policiais. Antecipando que a Aliança não deixa de reconhecer aos legítimos órgãos a competência para apurar os factos e eventuais responsabilidades, a Aliança repudia, porém, este sentimento de permanente censura à conduta das nossas forças de autoridade, destes homens e mulheres que diariamente asseguram o Estado de Direito e a segurança de todos os portugueses”, lê-se num comunicado enviado à imprensa.
Mas a coordenadora do BE, Catarina Martins, também reagiu e, entre outras considerações, lamentou que a função essencial das forças de segurança fique manchada "por alguns elementos racistas e violentos" e pela impunidade, considerando que a manifestação de segunda-feira em Lisboa "foi maioritariamente pacífica".
Já o PCP "não alimentará a corrente dos que a propósito de factos concretos e pontuais agem para os generalizar. Fazê-lo seria animar um ambiente de insegurança e intranquilidade": "Como é público, a PSP abriu um inquérito aos acontecimentos ocorridos em Vale de Chícharos. Eventuais situações de recurso a violência não justificada, naturalmente condenável e que deve ser prevenida, não podem contribuir para desvalorizar a acção das forças de segurança e dos seus profissionais", escrevem os comunistas numa nota à comunicação social.
Arnaldo Matos, do PCTP/MRPP, também escreveu às redacções, para denunciar “firmemente as bárbaras agressões da polícia de Setúbal sobre a população do bairro da Jamaica” e exigir “a demissão do ministro da Administração Interna e o julgamento e punição exemplares dos polícias intervenientes”. Com Sofia Rodrigues e Rita Siza