Há 40 anos, a igreja “estava em ruínas”. “Passei por aqui de barco e tirei fotos. A cúpula tinha caído, havia correntes nas portas”, recorda Sebastian, metade tailandês, metade inglês. Vivia no estrangeiro, mas pensou “um dia venho aqui à missa”. Quando regressou à Tailândia, a igreja estava renovada. “Casei aqui, os meus filhos também.” Vive a 50 quilómetros de Banguecoque, mas é aqui que assiste todos os domingos à missa, na igreja de Santa Cruz, portuguesa de 1769.
É domingo, são nove horas e a igreja, pintada de cor café com leite, está repleta de fiéis que ouvem o sermão multiplicado por altifalantes. Estamos em Kudi Chin e, apesar de a tradução ser “edifício chinês”, este é o “bairro português” de Banguecoque.
As ruas têm a largura de passeios, vamos deambulando. “Não há portugueses aqui”, dizem-nos. Sobram os “doces portugueses”, em grandes e pequenas bancas improvisadas nas casas. Numa delas, Angsana Pinrat até nos afirma que a mãe do pai era “portuguesa”, Benedita.
Ela é a quarta geração a produzir farong khanom (literalmente, bolos estrangeiros), como são conhecidos os doces portugueses daqui; e também bayhaua, doces muçulmanos. Hoje, são os primeiros a preencher o balcão: farinha, ovos de patos e açúcar para uma aparência seca. “Só faço entre Novembro e Dezembro, no resto do ano só por encomenda.” Até para a embaixada de Portugal já fez.
São uns poucos metros até ao Museu-Café Baan Kudichin. Um galo é o símbolo, na porta uma fotografia dos pratos de referência: um “delicioso estufado de porco e batatas tradicional português” e “comida de fusão: pão tradicional português com porco, batatas e chilli”.
O museu fica nos andares superiores, entramos para uma café-loja que se desenvolve em torno de um pátio central onde não falta uma Nossa Senhora de Fátima branca. Navinee Pongthai é a proprietária, descende de portugueses. Mas também de Mon, por exemplo: “A maior parte dos tailandeses tem uma mistura. Nos tempos antigos, os portugueses gostavam das mulheres Mon, que têm pele mais luminosa e não tinham os dentes negros, como as tailandesas”, diz, sorrindo.
Antiga directora de uma empresa pública, decidiu abrir o museu com os objectos do quotidiano dos bisavós. A casa da tia (e que havia sido dos avós, da “Vo Lek”, “vo” de avó) diante da sua própria (onde nasceu), foi o local óbvio.
Agora, se num primeiro andar se conta a história da chegada dos portugueses à Tailândia e a sua influência no país – retratos de D. Manuel I e Vasco da Gama, modelos de caravelas e da primeira igreja do Sião (1540), e um exemplar de 1796 de uma Bíblia em língua siamesa romanizada, “a língua da igreja”, saltam à vista –, o segundo andar reconstitui parte da casa dos bisavós, mobiliário de madeira escura em quarto (abundância de figuras e quadros de santos iguais a tantos que se vêem por aqui), cozinha e sala de jantar – a mesa disposta com pratos da família (entre eles, cozido à portuguesa, frango estufado e torresmos, com os nomes em português – “a minha tia ainda faz as receitas”).
Esta porção de terra foi dada pelo rei Taksin aos soldados portugueses que no século XVI ajudaram a combater os exércitos birmaneses. Mas também a chineses e a muçulmanos: por isso desembarcamos diante de Wat Kanlayanamit e vemos indicações para a mesquita Kudi Khao e para o templo chinês Kuan An Keng.
Agora, em Kudi Chin, um “local calmo”, onde “todos os vizinhos se conhecem”, há 83 nomes de família “portugueses”, mas para a maioria dos habitantes o “português” que acompanha o nome do bairro é apenas feitio. A grande herança parece ser a religião – como diz Khun Navinee, “não importa a etnia, a religião une-nos”. E em 2019 celebram-se os 350 anos da primeira missa no antigo reino do Sião.