Activista acusado e protestos reprimidos com violência no Zimbabwe
Pastor Mawarire acusado de crime punido com até 20 anos de prisão. Médicos dizem ter tratado mais de cem feridos, 68 deles com ferimentos de balas. Opositora diz temer pela vida.
Depois de dias de protestos e violência a calma parece ter regressado ao Zimbabwe, mas multiplicam-se os relatos de uma repressão brutal da parte das autoridades: três pessoas morreram, advogados e testemunhas falam de dezenas de civis agredidos, e a televisão estatal diz que foram detidas 600 pessoas. Entre eles está uma figura importante da oposição, o pastor Evan Mawarire.
Tudo começou com uma paralisação em protesto contra o aumento de 150% no preço dos combustíveis nos primeiros dias da semana, em que os trabalhadores ficaram em casa. Este tipo de protestos é mais difícil de controlar do que manifestações na rua – mas aparentemente a polícia e o exército andaram de casa em casa em algumas zonas a procurar grevistas, e a agredir e deter centenas.
Mawarire foi esta quinta-feira presente a tribunal e acusado de conspirar contra o Governo, um crime punido com até 20 anos de prisão. Quando foi preso, na quarta-feira, foi acusado apenas de incitamento à violência pública por apelar à adesão à greve promovida pelo maior sindicato do país.
O pastor já esteve em tribunal por causa de uma acusação semelhante em 2017, após um protesto também idêntico contra o anterior presidente, Robert Mugabe. Recebeu uma grande onda de apoio popular e foi absolvido pelo Supremo Tribunal por falta de provas.
Este não é o único paralelo com repressão levada a cabo sob Mugabe.
Os ataques da polícia e exército às pessoas nas suas casas são uma táctica usada pelas forças de segurança durante os mandatos do antigo Presidente. “Algumas pessoas pensaram que a saída de Mugabe poderia significar mudança verdadeira”, comentava no Twitter o editor do jornal sul-africano Mail and Guardian, Simon Allison. No entanto, as eleições seguintes, em Agosto de 2018, deram uma vitória disputada pela oposição ao candidato do partido no poder, Emmerson Mnangagwa. “Talvez a revolução só agora esteja a começar.”
A Associação Médicos para os Direitos Humanos disse ao diário britânico The Guardian que os seus associados receberam mais de cem pessoas que procuravam tratamento em todo o país, algumas com ferimentos graves, na sequência da repressão.
Medo e nervosismo
Pelo menos 68 das pessoas tinham ferimentos de balas, segundo disse a associação à Reuters. Alguns feridos foram obrigados a comparecer em tribunal mesmo contra conselho médico. Era impossível saber com certeza o total de feridos, porque muitos estariam com demasiado medo até de procurar tratamento médico.
“As coisas estão muito complicadas. Está tudo muito confuso. Ninguém sabe o que está a acontecer”, disse um activista veterano de direitos humanos. As autoridades impuseram ainda um blackout à internet durante os dias que durou a paralisação, e que foi levantado na quarta-feira.
Joana Mamombe, deputada da oposição, disse à agência Reuters, por telefone, que estava escondida depois de uma visita de soldados a sua casa. Ela não estava em casa, mas o pai sim – foi espancado e está hospitalizado, relatou. “Estou muito assustada e a temer pela minha vida. Isto é uma perseguição àqueles que se opõem ao governo. Querem silenciar as vozes da oposição”.
Com nova paralisação possível na próxima semana, Simon Allison dá conta do seu nervosismo com o que pode acontecer. “O Governo não tem dinheiro nem opções, por isso recorre à força bruta. Mas o desespero económico vai dar força aos manifestantes, que também estão a ficar sem opções.”