O primeiro alossauro português está à sua espera no museu
Descobertos há 30 anos perto de Pombal, por acaso, os ossos de um alossauro, um dinossauro carnívoro, protagonizam uma exposição muito dirigida às escolas no Museu de História Natural e da Ciência de Lisboa.
A história da descoberta de um grande predador do Jurássico português começou com a construção de um armazém há 30 anos. Os primeiros indícios da presença de um Allosaurus em Portugal foram encontrados por um agricultor na aldeia de Andrés, perto de Pombal, em 1988. Foi durante as obras para esse armazém que José Amorim encontrou uns “ossos negros”, que pareciam não ser simples pedras. Acabou por contactar o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa (Muhnac), em Lisboa, que identificou os ossos como fósseis sendo de um dos maiores carnívoros do Jurássico. A partir das 10h desta quinta-feira, 17 de Janeiro, todos podem ver o Allosaurus no Muhnac, na exposição Entre Dinossáurios.
Passo a passo, apresenta-se a história desde a descoberta dos fósseis até à reconstituição do habitat de animais extintos contemporâneos do alossauro. O primeiro contacto do visitante é com fósseis, todos do museu, não só deste dinossauro mas também de outros seres vivos. Há fósseis de tartarugas, pegadas de crocodilos e até impressões de folhas.
Além de fósseis, podem também ver-se réplicas de outros dinossauros. Mas o protagonista é mesmo o Allosaurus – de que pode ver-se a pata direita quase completa, parte da cintura pélvica e parte da pata esquerda. Também se encontraram vértebras, costelas e uma parte do crânio nas várias escavações em Andrés, a primeira logo em 1988 e depois noutras em 2005 e 2010, adianta Liliana Póvoas, geóloga do Muhnac e que participou na preparação da exposição. “Pensa-se que há restos atribuíveis a três indivíduos.”
A peça que, no entanto, vai captar a atenção de todos é uma réplica do esqueleto inteiro (um subadulto) de um Allosaurus encontrado nos Estados Unidos.
Afinal, que dinossauro era este? Viveu no Jurássico Superior (entre há 160 milhões e 140 milhões de anos), era um carnívoro bípede, podia atingir 13 metros de comprimento e pesar duas toneladas. O primeiro Allosaurus foi encontrado em 1870 no Colorado (Estados Unidos), pelo paleontólogo norte-americano Othniel Marsh, e foi descrito sete anos depois como Allosaurus fragilis. “É um dinossauro quase do comprimento do T-rex. Mas o T-rex era um bocadinho mais alto”, explica Bruno Ribeiro, até há pouco tempo geólogo do Muhnac e que também preparou a exposição.
Em Portugal, nunca se encontraram ossos do Tyrannosaurus rex, mas aquele predador existiu por cá. O exemplar português, que já esteve exposto antes, não tem ainda uma espécie atribuída e é um pouco mais pequeno do que os alossauros norte-americanos: estima-se que tenha medido cerca de oito metros de comprimento e pesado uma tonelada. Já se chegou a pensar que o exemplar português seria um Allosaurus fragilis, mas isso está agora em dúvida depois de se terem encontrado mais elementos fósseis em Andrés, refere Liliana Póvoas: “Pode ser eventualmente uma espécie nova. A separação [do território onde está agora Portugal] com o continente norte-americano pode ter sido maior [no Jurássico Superior] e pode ter havido uma evolução diferenciada. Isso vai ter de ser mais bem estudado”, conta a geóloga, explicando ainda que, depois do Allosaurus de Andrés, o primeiro a ser descoberto, se encontraram outros restos de alossauros na Lourinhã e de alossaurídeos em Torres Vedras.
Através de ilustrações ao longo da exposição, é possível entrar no que terá sido a localidade de Andrés há cerca de 150 milhões de anos. Vestígios de peixes de água doce na jazida onde estava o Allosaurus sugerem a existência de um rio num habitat onde coabitavam carnívoros e herbívoros, alguns que sobreviveram até hoje. Este é o caso dos crocodilos e, ainda, de alguma da vegetação pertencente ao ambiente jurássico. Estas plantas, apelidadas como “fósseis vivos”, podem visitar-se no Jardim Botânico de Lisboa. “Convidamos também os visitantes a irem dar uma volta ao jardim e irem em busca destes exemplares que ainda hoje temos”, sugere o geólogo.
A pensar nas escolas
Numa linguagem cientificamente correcta e ao mesmo tempo acessível, esta exposição foi pensada para os mais novos e tem uma duração prevista de três a quatro anos. Um dos objectivos é inspirar futuros paleontólogos ou geólogos e também facilitar a tarefa aos docentes. “Tivemos o cuidado de respeitar e tentar responder às necessidades dos professores, porque a exposição vai ser um instrumento de trabalho também para eles”, elucidou Bruno Ribeiro.
Também por isso a exposição tem uma tabela cronostratigráfica, “quase como um calendário da Terra”, onde a história dos aproximadamente 4600 milhões de anos do nosso planeta é dividida em várias eras. Este gráfico, que cruza a existência dos dinossauros com a dos seres humanos, já tinha despertado interesse tanto de adultos como crianças em exposições anteriores e, por isso, foi agora ampliado.
O percurso da exposição termina com uma ilustração sobre uma das grandes extinções da Terra, ocorrida há cerca de 65 milhões de anos e onde desapareceram cerca de 75% dos grupos biológicos. No entanto, nem todos os dinossauros se extinguiram. Os dinossauros avianos, aqueles que deram origem às aves, sobreviveram por apresentarem características mais evoluídas – possuíam penas e alguns já voavam. A forma como acaba a exposição convida os visitantes a reflectirem sobre a fragilidade dos ecossistemas e o impacto que cada um de nós pode ter no planeta. “Basta muito pouco para que, a nível global, possa haver um grande transtorno climático ou condições que inviabilizem a existência desta ou daquela espécie”, sublinha o geólogo.
Quanto ao final da história desta descoberta, o museu ganhou o primeiro exemplar de um Allosaurus português e José Amorim nunca chegou a construir o seu armazém.
Texto editado por Teresa Firmino