É imprescindível uma avaliação de impacto ambiental da expansão da Portela
Talvez exista um vazio legal nacional a consentir que a expansão do aeroporto não seja submetida a uma avaliação de impacto ambiental, mas não é ético para com a população lisboeta aproveitá-lo. Trata-se de um estudo fundamental.
Seria bom que as autoridades explicassem pormenorizadamente por que motivo, à revelia da legislação e jurisprudência europeias, não se vai fazer uma avaliação de impacto ambiental para a expansão do aeroporto da Portela. Recorde-se que um estudo deste tipo serve para avaliar os impactos ambientais, directos e indirectos, decorrentes da execução de projectos e das alternativas apresentadas; para definir medidas destinadas a mitigar ou compensar tais impactos, e definir um processo de verificação da eficácia dessas medidas; para garantir a participação pública e a consulta dos envolvidos na tomada de decisões que os afectem. Com base nisto, existirá uma tomada de decisão, vinculativa, sobre a viabilidade do projecto. No tocante a aeroportos, a lei portuguesa estipula que estão sujeitos a um estudo deste tipo aqueles cuja pista tem um comprimento de pelo menos 2100 m, e a mais pequena da Portela tem 2400 m. Especulemos então porque não vai existir essa avaliação ambiental.
Será porque não se prevê vir a ter impacto ambiental? Não é plausível, porque o aeroporto na sua presente dimensão já é uma fonte abundante de poluição e ruído – a maior em Lisboa –, a que as autoridades fazem vista grossa e que por si só merece um estudo, e o alargamento não é coisa pouca: resultará em cerca de um terço de área acrescida, que permitirá estacionar mais 28 aviões; em mais 20% de movimentos de aviões por hora; em o aeroporto passar a receber os maiores aviões do mundo; em mais cerca de 50% de passageiros transportados. Em aeroporto nenhum em lugar nenhum uma expansão destas estaria isenta de importantes efeitos no ambiente e população, e muito menos no caso bizarro do da Portela, que se trata de um aeroporto internacional dentro de uma grande cidade. Além disso, mesmo que, por hipótese absurda, esses efeitos não existissem, só uma avaliação de impacto ambiental sustentada por estudos permitiria tirar tal conclusão. Um paradoxo, portanto.
As obras no aeroporto estão isentas de avaliação ambiental porque correspondem à expansão de algo já validado ambientalmente? Falso, porque a Portela nunca teve nenhuma avaliação de impacto ambiental – quando foi construída, em 1942, nem tal figura existia, e nunca desde então foi feito tal estudo.
Então é porque se trata de uma mera expansão, e não uma obra de raiz, que, essas sim, podem ter impactos ambientais gravosos? Pois comparemos então o futuro aeroporto civil do Montijo, que é uma obra obrigada a essa avaliação, apesar de na verdade não ser inteiramente de raiz, pois já lá existe um aeroporto militar, com a expansão do aeroporto da Portela: o Montijo custará 520 milhões de euros, e a expansão da Portela 650 milhões; o Montijo terá 10 balcões de check-in, e a Portela passará a ter mais 40 (no total somará mais de 150); o Montijo representará um movimento de cerca de 8 milhões de passageiros por ano, e a expansão da Portela cerca de 14 milhões (42 milhões no total); o Montijo permitirá cerca de 24 movimentos de aviões por hora, a Portela já conta com cerca de 40, e a expansão permitirá 48; o concelho do Montijo tem 51 mil habitantes, Lisboa tem 500 mil; a densidade populacional no Montijo é de 147 hab./km2, a de Lisboa é de 5000 hab./km2. Estes números comparados entre si permitem perceber a incoerência de o aeroporto do Montijo ser sujeito a avaliação ambiental, e bem, e as obras na Portela não, que são de maior monta e certamente com efeitos nocivos na população muito mais abrangentes. Refira-se que a poluição do ar e ruído provindos do actual aeroporto da Portela, e o tráfego rodoviário a ele associado, já lesam abundantemente esta população na sua saúde e bem-estar.
A este propósito, no âmbito do estudo ambiental feito para o falhado aeroporto da Ota, vale a pena recuperar o que estimou em 2010 a Agência Portuguesa do Ambiente para a vizinhança do Aeroporto da Portela caso este se mantivesse em serviço: perspectiva-se a “afectação (…) da forte concentração urbana”, a “degradação na qualidade do ar na envolvente (…) excedendo previsivelmente os limites legais (…), afectando potencialmente uma população estimada de 151.692 residentes”, a “degradação do ambiente sonoro para cerca de 49.600 residentes, com níveis de ruído acima de 65 dB”, “a degradação das condições de habitabilidade, de ensino/trabalho, para a prática desportiva e de lazer, de unidades de saúde e religiosas, com contributo para os níveis de stress e/ou de dificuldades de concentração nas populações presentes e residentes”. Estas estimativas eram para um fluxo de 25,8 milhões de passageiros/ano na Portela, que já vai em 29, e que crescerá para além dos 40 depois das obras…
É também interessante comparar a expansão da Portela com a do aeroporto de Heathrow, que serve Londres, a qual inclui uma nova pista de aterragem, até porque esta expansão também já vinha a ser discutida há cerca de 50 anos. Ao invés do da Portela, este projecto está sujeito a um rigoroso processo de avaliação de impacto ambiental, que se debruça, entre outros, sobre a qualidade do ar, ruído e vibração, tráfego, saúde, impacto climático e aspectos socioeconómicos da expansão. Compreende três processos de consulta pública, um deles a decorrer neste momento, e os outros dois já finalizados em 2017, os quais tiveram cerca de 80.000 respostas. Daí resultou, por exemplo, a proposta do estabelecimento de diferentes zonas limítrofes ao aeroporto conforme a exposição ao ruído, sendo que na zona mais exposta o aeroporto cobrirá inteiramente os custos de insonorização das habitações, e na outra até ao equivalente a cerca de 3300 euros por habitação. O aeroporto financia ainda um fundo privado independente que promove a melhoria das condições de vida de comunidades em redor do aeroporto. Para agravar o caso de Lisboa por comparação, lembre-se que Heathrow dista 35 km de Londres, não está inserido na cidade como o aeroporto da Portela, e está rodeado de zonas muito menos densamente povoadas.
Outra questão pertinente é como é que a expansão da actividade aeroportuária se coaduna com a imperiosa necessidade de reduzir urgentemente as emissões de gases com efeito de estufa. A aviação representa cerca de 2% das emissões globais, e cerca de 5% do seu efeito nas alterações climáticas, pois as emissões a grande altitude têm efeitos climáticos acrescidos. Numa altura em que as emissões totais em Portugal estão em crescendo, muito por culpa do sector dos transportes, que inclui a aviação, e sendo Portugal dos poucos países na União Europeia com mais emissões no presente do que em 1990, como é que uma aviação crescente se compatibiliza com a estratégia de baixo carbono até 2050 do governo português? Ou com a necessidade de os países no seu todo, no âmbito do acordo de Paris que Portugal ratificou, alcançarem um corte de emissões de 50% até 2030 se se quiser evitar o aquecimento da Terra para além dos 1,5°C? O actual plano Portela + 1 fará subir as emissões no sector da aviação em Portugal em cerca de 39%. Não devem os projectos de infra-estruturas estar em sintonia com os objectivos climáticos? Este é um caso paradigmático que revela porque falham sistematicamente esses objectivos.
Recorde-se que a Portela na sua configuração presente não é um aeroporto pequeno, especialmente se tivermos em conta a dimensão da cidade que serve. É dos que mais crescem na Europa, tendo nos últimos dez anos mais que dobrado a sua actividade (com as autoridades a negligenciarem completamente os efeitos deste crescimento nas populações circundantes). Em volume de passageiros, é o 18.º maior da Europa, à frente de aeroportos que servem cidades maiores que Lisboa, como o de Atenas, e é maior que qualquer um dos aeroportos de Berlim, que juntos equivalem a pouco mais que o da Portela. Visto que vai haver um aeroporto complementar, é mesmo necessário expandir a Portela, colocando-a no top dez dos aeroportos mais movimentados na Europa? Segundo a ANA, a lotação da Portela fá-la não conseguir captar 1,8 milhões de passageiros por ano, e a capacidade que o Montijo terá é muito superior a isso… Seja como for, Lisboa será certamente um caso singular de uma capital de um país onde o velho aeroporto dentro da cidade é para aumentar, e o novo um mero complemento.
Por outro lado, através de uma política de transportes mais racional e integrada, a capacidade actual da Portela poderia ser optimizada. Por exemplo, os voos domésticos, grande parte intra-continente, representam cerca de 14% dos movimentos, sendo que parte desse tráfego poderia ser canalizada para a ferrovia, caso houvesse um projecto estruturante que isso proporcionasse, tornando-a melhor e mais competitiva. A ferrovia é um meio de transporte muito mais limpo, e essa transferência de tráfego, para além das vantagens ambientais, libertaria capacidade aeroportuária para voos internacionais. Uma avaliação de impacto ambiental estratégica deveria seguramente avaliar esta alternativa.
Esta avaliação deveria também colocar na equação as externalidades que o aeroporto tem na saúde e bem-estar da população, bem como o custo de oportunidade de não utilizar aqueles terrenos no desenvolvimento estruturado e sustentável da cidade de Lisboa. Deveria ainda questionar num processo público e aberto se a continuação do desenvolvimento da cidade em torno do turismo, que é a grande justificação para o actual plano aeroportuário, é benigna. Talvez exista um vazio legal nacional a consentir que a expansão do aeroporto não seja submetida a uma avaliação de impacto ambiental, mas não é ético para com a população lisboeta aproveitá-lo. Trata-se de um estudo fundamental, e a sua inexistência configura uma negligência grosseira para com os afectados.