As eleições europeias e a (im)possível reversão do “Brexit”: foge Europa…
Foge Europa dos populismos e da reversão do “Brexit”, que desta vez não é como na mitologia clássica, quando Zeus te raptou e levou para a ilha de Creta.
1. Se as previsões de resultados das eleições europeias que começam agora a surgir se confirmarem, nada ficará igual na política europeia. Historicamente, o Parlamento Europeu sempre foi dominado por dois agrupamentos políticos, um ao centro-direita (o PPE-Partido Popular Europeu) e o outro ao centro-esquerda (Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu). Mas poderá deixar de ser assim a partir de Maio. (Ver “EP 2019: increasingly fragmented Parliament (fresh projections)” in Vote Watch Europe 9/01/2019). Na realidade, não será uma grande surpresa se isso vier a ocorrer no actual contexto político. A verificar-se essa possibilidade assistiremos a uma réplica — provavelmente com maior intensidade — das tendências eleitorais já detectáveis nas eleições nacionais efectuadas em diversos Estados-Membros da União (Grécia, Itália, Espanha, Alemanha, Suécia, etc.). Estas têm mostrado uma crescente fragmentação política à custa dos tradicionais partidos de governo, ao centro-esquerda e ao centro-direita. No Parlamento Europeu, tipicamente são esses partidos, agora em queda, que compõem os já mencionados agrupamentos políticos do “consenso europeísta”.
2. Mas há mais problemas no horizonte para a União Europeia em 2019. Uma hipotética saída sem acordo dos britânicos, independentemente da mossa que provocará no próprio Reino Unido, será seguramente um deles. Entre outras consequências, provavelmente dividiria os europeus sobre a forma como lidar futuramente com o Reino Unido. Se isso pode ser mais ou menos óbvio, a hipotética reversão do processo seria igualmente um problema. Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista — e dado o ponto em que a situação política se encontra —, a não-concretização da saída britânica da União Europeia (“Brexit”), pode tornar-se um caso muito delicado também para esta. Num primeiro momento seria vista como uma grande vitória da União Europeia contra todos os que se lhe opõem, dentro e fora do Reino Unido. Mas uma vez instalado esse novo rumo dos acontecimentos, a euforia europeísta e triunfalista provavelmente iria desvanecer-se rapidamente. A reversão do processo levantaria, desde logo, problemas com as eleições para o Parlamento Europeu, a realizar em Maio deste ano. Estão já organizadas para ser feitas sem os britânicos e os deputados eleitos em cada Estado-Membro já foram (re)distribuídos. Mas este nem seria o problema maior. O problema maior seria mesmo a União Europeia manter o Reino Unido como membro nas actuais circunstâncias internas do país e da própria União.
3. Hipoteticamente, a votação prevista para 15 de Janeiro no parlamento britânico — e confirmando-se a rejeição do acordo negociado por Theresa May com a União Europeia —, pode abrir caminho à reversão do processo de saída. Todavia, por razões políticas e, sobretudo, democráticas, a reversão do “Brexit” só parece possível se for convocado um segundo referendo e se este tiver uma votação favorável à permanência na União Europeia. Pelas sondagens conhecidas, o resultado poderá ser mesmo esse. (Ver “Britons would now vote to stay in EU, want second referendum – poll” in Reuters, 6/01/2018). Mas, no actual contexto, uma nova campanha eleitoral para um segundo referendo sobre o “Brexit” irá alimentar ainda maiores divisões internas. Envenenaria, de forma mais intensa, um ambiente político já cheio de tensões e divisões nos partidos britânicos e na própria sociedade. Para além disso, ficaria a pairar a ideia de que, na União Europeia, os referendos se fazem — e depois acabam — quando dão o resultado “certo”. Foi assim com o referendo sobre o Tratado de Maastricht na Dinamarca; foi assim com o referendo na Irlanda sobre o Tratado de Lisboa. Ambos foram repetidos até o resultado ser um “sim” à ratificação desses tratados. Seria um bom argumento para usar na campanha das eleições europeias... contra a União Europeia.
4. Perscrutemos agora outras movimentações na política europeia paralelas ao “Brexit”. Matteo Salvini da Liga, em Itália, é um político demasiado hábil para ser ignorado ou subestimado. Nesta altura está a tentar formar um novo eixo de (contra)poder com a Polónia (e a Hungria, entre outros), numa aproximação a Jarosław Kaczyński, antigo Primeiro-Ministro e actual Presidente do Partido Lei e Justiça que ocupa o governo polaco. (Ver “Salvini calls for ‘Italian-Polish axis’ to replace Paris-Berlin” in Politico). Poderíamos ser tentados a ridicularizar a iniciativa como uma fantasia de poder a nível europeu. Mas, olhando melhor a questão, percebe-se que há um sentido de oportunidade e estratégico sério na manobra. O tradicional eixo integracionista franco-alemão está largamente enfraquecido. Na Alemanha, Angela Merkel está no fim de um longo ciclo político e com acentuada quebra de influência. Em França, Emmanuel Macron encontra-se fragilizado pela situação interna, especialmente pela contestação que lhe foi movida pelos coletes amarelos. Assim, esta coligação oportunística pode ter um impacto maior na política interna da União Europeia. Para além disso, o “eixo da contestação” poderia beneficiar ainda de uma não saída do Reino da União Europeia. Imaginemos que, como resultado da reversão do Brexit, os trabalhistas, chefiados por Jeremy Corbyn, chegavam ao poder. Nesse cenário, o Reino Unido seria provavelmente um contestatário das políticas da União Europeia (por razões de esquerda), permitindo, aos populistas de direita uma pragmática (e cínica) convergência táctica de interesses.
5. Os partidos populistas querem então acabar com a União Europeia? Apesar da retórica por vezes sugerir isso, não é esse o objectivo uma vez no poder. O objectivo é tirar o máximo possível de vantagens desta e altera-lhe o estilo passando a reflectir a sua visão do mundo. Na política europeia é bem conhecido que a esquerda e a direita mais radicais, embora por motivações diferentes, sempre contestaram a União Europeia. Esta é, ou era, uma linha política clássica que separava esses partidos dos restantes, os do chamado “consenso europeísta”, tipicamente o centro-esquerda e o centro-direita de governo. Mas a retórica anti-União Europeia, ou contra diversas políticas europeias, dos populistas à direita ou à esquerda, transforma-se, normalmente, quando chegam ao governo. O caso do Syriza de Alexis Tsipras na Grécia mostra isso, quanto a populismos de esquerda. No caso dos populismos de direita, como ocorre em Itália com a Liga de Matteo Salvini, também já ocorreu a mudança de um discurso autonomista / independentista do Norte de Itália, para uma retórica nacional(ista) que defende o todo italiano. Não será muito surpreendente se agora se metamorfosear num “europeísmo populista”, com a sua própria versão do que deve ser a Europa: mais fechada ao exterior, securitária nas suas fronteiras e nacionalista na identidade e na economia. Foge Europa dos populismos e da reversão do “Brexit”, que desta vez não é como na mitologia clássica, quando Zeus te raptou e levou para a ilha de Creta.