“Ninguém consegue ter profissionais motivados e atraídos para o SNS, se não se pagar melhor”
Adão Silva, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, assume que é preciso dar melhores condições aos profissionais de saúde e mais financiamento ao Serviço Nacional de Saúde.
Os profissionais de saúde devem ser mais bem pagos e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de mais financiamento. Palavras de Adão Silva, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e ex-secretário de Estado da Saúde do Governo de Durão Barroso. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, que pode ouvir nesta quinta-feira a partir das 12h, Adão Silva fala do projecto social-democrata para uma nova Lei de Bases da Saúde e diz que o partido está disponível para “encontrar boas soluções”. “Esperamos que o Governo se decida como quer fazer” entre dois blocos, o da esquerda e o da direita.
No projecto do PSD insiste-se em cooperação e em concorrência, permitindo uma gestão público-privada, e também na mobilidade dos profissionais entre os três sectores, social, privado e o público. Esta proposta garante a preservação do SNS, que tem sido desnatado com esta concorrência nos últimos anos?
O que está a acontecer é que o SNS está numa situação de grande instabilidade provocada pela má governação que está a verificar-se. A desnatação é provocada não tanto por aqueles outros sectores, mas sobretudo porque o Estado — curiosamente PS, Bloco de Esquerda e PCP a apoiá-lo no Parlamento — não está a dar os meios necessários.
Na anterior governação também não houve investimento.
O Tribunal de Contas acaba de produzir um relatório muito elucidativo. Nos últimos três anos — 2017, 2016 e 2015 — há muito menos dinheiro no SNS do que havia no triénio anterior. E eram anos de austeridade. Na parte do investimento, temos uma quebra de 25% até 2017 face a 2015. Tem outro aspecto, a questão dos funcionários, que obviamente estão muito descontentes. Estamos a discutir esta lei com um pano de fundo que é altamente perturbador, em que o SNS está verdadeiramente à beira de um ataque de nervos.
Não pode ser o efeito da gota de água?
Não sei se é a gota de água. Uma das questões que está a agora a afectar muito o serviço ao utente e o funcionamento do SNS é a transformação do horário das 40 horas para as 35 horas [semanais]. Esta conversão foi feita de uma forma leviana e as consequências estão agora a acontecer. Quem está sistematicamente a meter dificuldades no funcionamento do SNS é o actual Governo.
Houve uma alteração do horário de trabalho sem nenhum tipo de acréscimo ou alteração de remuneração.
Não vamos agora contestar essa questão da passagem das 40 para as 35 horas. Eu ponho a questão numa lógica mais primária: esta redução do horário de trabalho dos enfermeiros, sem a devida compensação dos serviços, traduziu-se naquilo que era evidente para nós e para toda a gente. Mais, até o próprio Presidente da República alertou para que esta situação podia ocorrer e ocorreu. Está ai. Hoje temos uma situação que é de facto calamitosa, porque temos as listas de espera imparáveis. Em cardiologia não se pode estar quase quatro anos à espera de uma consulta.
Qual é a proposta do PSD?
É sempre um problema de gestão. Utilização melhor dos recursos materiais, mobilização melhor dos recursos humanos e obviamente um sentido muito mais apurado de resposta aos cidadãos. O que nós não podemos ter é aquilo que hoje vem na comunicação social que são os idosos que entram nos serviços de urgência com fome e com frio. Mas que país é este?
Mas quais são as propostas concretas do PSD para fazer regressar médicos e enfermeiros, fixá-los no SNS e garantir que o país é homogéneo na resposta que dá em termos de cuidados e de acesso à saúde?
A primeira questão que tem de haver é obviamente pagar melhor aos profissionais. Ninguém consegue ter profissionais motivados e atraídos para o SNS, se não se pagar melhor. Repare uma coisa...
Se o PSD for governo aumentará os salários. É isso?
Não, o que tem de haver é uma situação de melhor racionalidade. Passámos um período da troika em que houve grandes cortes, nomeadamente este aumento dos horários de 35 para 40 horas...
Que é uma quebra dos salários na ordem dos 14%.
Passou-se este período. Porque não se repõe as remunerações adequadas por forma a atrair os profissionais para o SNS? Não há SNS com profissionais desmotivados, alheados e que se sintam insatisfeitos. Temos de encontrar uma solução e obviamente não pode passar por encurtar os meios do SNS. O Tribunal de Contas é implacável neste sentido, no sentido de dizer que se tem reduzido as transferências do Estado para o SNS e, por outro lado, tem aumentado a dívida. A dívida está perto dos três mil milhões de euros e está a caminhar acentuadamente para os níveis recorde que se verifica em 2010 e 2011, que recordo era cerca de 3600 milhões.
Embora em termos salariais, diz o Tribunal de Contas, que efectivamente houve um aumento de 200 milhões.
Duzentos milhões para 130 mil funcionários do SNS.
Vamos à promessa eleitoral...
Não é uma promessa eleitoral. Não estou habilitado para fazer promessas eleitorais e acho que não é tempo de as fazer. O que digo é muito simples, a base do SNS são os profissionais e profissionais pouco motivados, com salários e carreiras paradas não é obviamente um profissional que responda bem.
Se fosse Governo, o que é que o PSD faria para motivar estes funcionários? Iria pagar como pagam os privados?
Não me vai pôr numa situação de especulação sobre esta matéria.
Mas pagava mais, é isso?
A ideia para mim é muito evidente. Os profissionais são a base do SNS. Se os quero ter motivados tenho de dar condições profissionais, de progressão na carreira e também tenho que dar condições salariais mais adequadas.
O que seria um orçamento sustentável para o SNS?
O nosso nível de despesa a nível do SNS tem duas características. É mais baixo do que os nossos parceiros da União Europeia, a média, e por outro lado está a reduzir-se em relação ao crescimento da riqueza. Há uma terceira característica muito preocupante. Enquanto na União Europeia desce a despesa das famílias e aumenta a despesa do Estado, em Portugal desce a despesa do Estado e aumenta a despesa das famílias.
A forma de inverter essa situação é o Estado assumir mais a sua parte. O que é para o PSD o orçamento correcto do SNS?
Não sei. Não tenho esse cálculo para lhe dizer. Acho é que há duas áreas em que se tem de se intervir do meu ponto de vista. Primeiro lugar, melhor gestão do SNS. O SNS tem um problema de gestão manifesto que o pode levar a uma situação de sufoco, que aliás está a levar. E por outro lado meter mais dinheiro no SNS, isso sem dúvida nenhuma. O problema é saber onde se vai buscar esse dinheiro. Mais imposto? Não vejo bem como. Vai-se buscar a outras áreas de governação? Porventura. Fazendo melhor gestão do SNS? Porventura também. Estamos a falar de um valor que anda por volta de 10 mil milhões de euros. Uma boa gestão pode levar obviamente a uma redução de custos, que permita alocar esta despesa para outro tipo de funções.
E na óptica do PSD, essa melhor gestão consegue-se com parcerias público-privadas. O que é que muda em relação à actualidade?
Reafirmamos isto. O que dizemos é muito simples: para nós acabou esta guerra inútil de público contra privado, privado contra público. O que defendemos é uma cooperação em que fica bem claro que em primeiro lugar está o SNS. Mas depois dizemos cooperação, porque olhamos em volta e vemos a dinâmica notável que têm tido as entidades do sector social. Vamos desprezar isto? Nos privados, temos uma rede fabulosa. Vamos virar-lhes as costas? Vamos cooperar com eles. Porque no fim do dia o que o cidadão quer é ter acesso a cuidados de saúde de qualidade.
É possível o consenso com o Governo?
Existem aqui dois blocos profundamente diferentes, o do PCP e do BE e depois diria PSD e CDS. Esperamos que o Governo se decida como quer fazer. Sendo que esta decisão é muito importante para todos, porque no fundo é saber se quer um SNS estatizante, de puro Estado em que sejam eliminadas as relações com os sociais e os privados, ou se quer de outra maneira. Nós estamos muito disponíveis para encontrar boas soluções.