Clã Ghosn quebra silêncio e acusa Nissan de tentativa de golpe

Gestor francês continua detido desde 19 de Novembro no Japão. Fabricante japonês alargou inquérito interno a negócios feitos na Índia, Médio Oriente e América Latina.

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Carlos Ghosn está detido desde 19 de Novembro REUTERS/Philippe Wojaze/Arquivo

Duas filhas de Carlos Ghosn, que liderava a aliança Renault-Nissan, a maior do mundo automóvel, dizem que o pai está a ser vítima de uma revolta orquestrada pelo fabricante japonês, cujos gestores de topo se opunham a uma fusão entre os dois construtores, idealizada pelo ex-homem forte da aliança.

"A minha primeira reacção foi pensar que isto ultrapassa as acusações feitas contra o meu pai", afirma Maya Ghosn, em entrevista ao jornal The New York Times. Um dos responsáveis da comunicação da Nissan, Nicholas Maxfield, considera que "essas alegações são infundadas".

O gestor francês, de 64 anos, tem quatro filhos e está detido em Tóquio desde 19 de Novembro, por suspeitas de fuga ao fisco. Porém, tanto a justiça nipónica como a própria Nissan decidiram alargar a investigação para lá da suposta ocultação de rendimentos que justificaram a detenção.

A Nissan revelou na sexta-feira que decidiu alargar o inquérito interno a negócios que o ex-presidente da empresa manteve com parceiros na Índia, no Médio Oriente e na América Latina. E segundo conta o Financial Times, fontes do construtor japonês revelaram que o inquérito interno, iniciado no Verão, no meio do maior secretismo após uma denúncia anónima, envolve agora "centenas" de pessoas da Nissan.

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Maya Ghosn, de 26 anos, e a irmã Caroline, de 31, vivem em São Francisco, EUA. Saíram agora em defesa do pai, quebrando pela primeira vez o silêncio do clã e do próprio executivo, que não fez declarações públicas até agora. Caroline conta ao New York Times que desde a primeira hora pensa haver algo mais por trás do processo judicial que justifica a prisão do pai.

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Hiroto Haikawa era o número dois da Nissan e passou para a liderança com a saída de Ghosn. É o alvo de todas as críticas dos franceses REUTERS/Issei Kato

Depois de assistir à primeira reacção de Hiroto Saikawa, número dois da Nissan até então e agora substituto de Ghosn, Caroline ficou com a suspeita de que a investigação da Nissan se baseava "na oposição às mudanças propostas para a aliança Renault-Nissan", escreve o jornal, e "à fusão que [o pai dela] estava a preparar".

Caroline questiona a reacção de Haikawa: "Denunciar alguém com tal veemência, alguém que foi mentor dele e, imediatamente, sem qualquer benefício da dúvida, condená-lo?"

Numa conferência de imprensa bastante atípica, Haikawa disse, logo após a detenção do gestor, que um dos problemas na aliança era o facto de Ghosn acumular demasiado poder, servindo como CEO da Renault, da Nissan e da aliança entre os dois fabricantes.

Sublinhou que a marca francesa detinha 43% do fabricante japonês, mas que era o parceiro de negócio mais pequeno. Haikawa sugeriu ainda que aquele processo deveria conduzir a uma alteração na estrutura da aliança entre fabricantes, tornando-a "mais sustentável".

"Uau, ele nem perdeu tempo para respirar", reage Caroline Ghosn, empresária de profissão. "E nem tentou esconder o facto de que a fusão teve algo a ver com isto", alega. Já a irmã Maya, que trabalha na área da filantropia, além de concordar com a leitura da irmã, diz que contava ter o pai fora da prisão em pouco tempo. O que não aconteceu – ao contrário do braço-direito dele, o administrador-delegado Greg Kelly, que foi detido na mesma altura, por alegadamente ter colaborado com Ghosn. Mas que, nesta semana, foi libertado sob fiança.

Pelo contrário, em relação a Ghosn, os tribunais japoneses têm validado sucessivos pedidos do procurador encarregado da investigação judicial para manter o gestor atrás das grades. E já passaram 41 dias, com uma gestão a conta-gotas das acusações que recaem contra ele – algo que já se tornou também objecto de discussão crítica na imprensa mundial, sobretudo a francesa.

O primeiro período de detenção, de 20 dias, foi justificado com as suspeitas de que Ghosn teria ocultado cerca de 38 milhões de euros em remunerações, relativas ao período entre 2010 e 2015.

Quando o prazo de detenção expirou, Ghosn foi formalmente acusado de fraude fiscal, sem ser libertado, porque o tribunal acedeu a um novo pedido de detenção, por suspeitas de que também teria fugido ao fisco com as remunerações de 2015 e 2018. Dez dias depois, e a quatro dias do Natal, voltou a ser confrontado com novas acusações, agora por supostos crimes de abuso de confiança. Diz o Ministério Público que terá imputado à Nissan perdas com produtos financeiros que ele sofreu com a crise do subprime.

Agora, a Nissan mantém-se obrigada a partilhar com a justiça todas as informações que tem vindo a reunir. E que, segundo o Financial Times, apontam para a existência de mais dúvidas.

Diz o jornal que Carlos Ghosn, que salvou a marca japonesa da falência e construiu uma aliança que fará 20 anos em 2020, teria usado verbas do chamado "fundo de reserva do CEO" para pagamentos antecipados a um executivo de um dos maiores conglomerados sauditas, Khalel al-Juffali. A razão destes pagamentos é o que a empresa está a tentar apurar.

Nestas duas décadas, a aliança Renault-Nissan permitiu poupanças de 32,5 mil milhões de euros às duas fabricantes, um valioso contributo para as finanças de cada uma, mas que tem beneficiado mais a Renault do que a Nissan – um facto que terá agravado o descontentamento nipónico com a suposta falta de equilíbrio desta aliança. 

Outrora popular no Japão por ter dado a volta, em muito pouco tempo, às contas de uma empresa emblemática para o país, Ghosn é uma figura caída em desgraça. Foi exonerado dos cargos na Nissan e também na Mitsubishi, que se juntou à aliança em 2016, e é agora o rosto de mais um escândalo empresarial a afectar grandes nomes da indústria japonesa.

Só a Renault decidiu mantê-lo nos cargos, ainda que tenha entregue os poderes de forma transitória ao ex-número dois de Ghosn em Paris, Thierry Bolloré.

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