“A Universidade de Coimbra tem muito pouca margem de crescimento” em Portugal

João Gabriel Silva deixa a reitoria da Universidade de Coimbra a 1 de Março de 2019, ao fim de oito anos à frente da instituição.

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PAULO PIMENTA

Reitor fala de uma década de “decréscimo contínuo” no financiamento do Ensino Superior e quem o suceder vai ter de enfrentar uma quebra demográfica “catastrófica”. A solução? Atrair mais estudantes internacionais. 

Que balanço faz dos seus dois mandatos?

Há duas ideias que gostaria que se ficassem desta minha passagem por aqui. [Uma é] A defesa acérrima da meritocracia, que representa uma alteração relevante em muitos procedimentos internos [de contratação] para seleccionar o melhor. O outro aspecto que espero que perdure é a globalização, no sentido em que a UC não pode, se quer fazer jus aos seus sete séculos e continuá-los, trabalhar para aqui à volta – para a cidade, a região ou, sequer, o país. Uma universidade que está implantada num sítio com muitas dificuldades demográficas e económicas tem de ter capacidade para atrair pessoas de longe. E só atrai se for de grande qualidade. Se não for capaz de responder a esse desafio, acaba por se transformar numa pequena universidade à dimensão da região.

Mas há uma fatia de estudantes brasileiros, por exemplo, atraídos pela ideia de prestígio da universidade, do seu peso histórico e da sua ligação ao Brasil.

É claro que há muitos estudantes que vêm porque é impossível estudar a história brasileira sem ouvi falar da UC 50 vezes. Temos de aproveitar o prestígio histórico para um primeiro contacto, mas depois as coisas têm de correr bem. O Estatuto do Estudante Internacional começou há relativamente poucos anos, tem havido um aumento significativo do número de candidatos todos os anos. Neste momento somos claramente a universidade portuguesa que atrai mais estudantes internacionais, no sentido em que o Estado português não os paga e eles têm de pagar por inteiro o seu custo.

A atracção dos estudantes estrangeiros é também uma forma de ir buscar mais receita. Há uma propina mais elevada e há uma quebra demográfica em Portugal.

É uma maneira de fazer as duas coisas. O número de portugueses tem vindo a decrescer sucessivamente. Quando dizem que Portugal é litoral e interior, contesto sempre. Portugal são duas áreas metropolitanas e o resto. Os indicadores demográficos da região de Coimbra são de interior pleno. Podemos estar a 40 quilómetros da costa, mas isso não quer dizer coisa nenhuma. Na região, nos últimos 15 anos, a perda populacional na faixa etária que nos é mais relevante, os adolescentes, foi na casa de um terço. É uma barbaridade absoluta, uma catástrofe. A universidade ou se vira para bem longe ou o destino está traçado. Sabemos com 18 anos de antecedência como é que vai ser. Mesmo o modelo baseado apenas na natalidade, que já de si é dramático, é mais favorável do que se tivermos em conta a emigração também. Daqui a 12 anos é o pico da descida. Temos que começar a tratar do assunto agora se queremos estar minimamente preparados para isso. E é isso que temos andado a fazer. O desafio principal está lá fora.

Falou de duas regiões dominantes. O corte de vagas em Lisboa e Porto sentiu-se em Coimbra?

Subimos um bocadinho as vagas, pouco mais de 1%. Não subimos os 5% que o despacho do ministro permitia. Teve algum impacto, mas pouco. Não temos grandes ilusões nessa matéria. A quebra é muito grande e não vale a pena estar a inflaccionar muito as vagas para algo que daqui a pouco tempo pode não haver quem use. A intenção é boa, mas para ser efectiva [a medida] é insuficiente.

Chegou à reitoria em 2011 e vai deixá-la em 2019. Também acha que foi uma década de estagnação no ensino, como refere o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP)?

Do ponto de vista do financiamento, nem foi de estagnação, foi de decréscimo contínuo. Tive muito má sorte. Entrei em Março de 2011 e, uns meses depois, estava o contrato da troika a ser assinado. Tivemos cortes orçamentais substanciais que foram sempre para além daquilo que era o corte nos custos. Quer nos programas de convergência do primeiro-ministro José Sócrates, quer no governo depois do primeiro-ministro Passos Coelho, cortaram sempre mais no orçamento do que aquilo que correspondia à libertação de custos. Este governo repôs os cortes salariais, o que é obviamente positivo, mas nunca nos dá o dinheiro suficiente. Fica sempre curto. Quando havia cortes, cortavam mais do que era preciso. Agora mandam-nos pagar mais, mas só nos dão parte do dinheiro que é preciso. Ficamos sempre a perder.

E do ponto de vista estrutural?

Sob o ponto de vista das condições de funcionamento do ensino superior, a única alteração estrutural foi o Estatuto do Estudante Internacional. O Estado não paga, mas dá-nos a hipótese de procurar estudantes em outras paragens que dantes não podíamos. Tem sido uma década de muitas dificuldades, mas também com oportunidades. Por exemplo, triplicámos o financiamento competitivo. Naturalmente que há outras fontes de receita a que demos atenção porque também precisámos delas, como os turistas e os estudantes internacionais. Para uma universidade que esteja apenas à espera do Estado, foi uma década de estagnação.

Em Janeiro, arranca a Convenção do Ensino Superior 20/30. O CRUP entende que é altura de construir uma agenda para a próxima década. Quais são as prioridades que identifica?

Acho que a qualificação da sociedade portuguesa é insuficiente e isso continua a ser um desafio. Não me quero repetir, mas a demografia é um desafio enorme. Do ponto de vista da qualificação superior, o caminho parece-me muito claro e não me parece que esteja a ser seguido. Vemos que mais de metade dos estudantes do ensino secundário seguem a via científico-humanística. Esses estão a vir entre 80 a 90% para a universidade. Cerca da outra metade segue as vias vocacionais, que praticamente não vêm para a universidade. O desafio está nas pessoas que vão para o vocacional, para as outras vias, que estão a vir para o ensino superior na casa dos 10%.

É aí que se pode encontrar a margem de crescimento?

É. Essa margem de crescimento, que é de ensino superior curto, é a missão dos politécnicos. Portanto tenho um desacordo absoluto com a ideia de permitir aos politécnicos fazer doutoramentos. Naturalmente que a energia é finita e vai sofrer a atenção que deviam ter os cursos curtos. Podemos, eventualmente, querer transformar tudo na mesma coisa. Acho que é uma má ideia. É um tiro no pé.

No fundo, está a dizer que o trabalho de aumentar a percentagem de jovens no ensino superior é dos politécnicos.

É essencialmente dos politécnicos. Para uma universidade como Coimbra, de investigação, de ensino superior longo, passar aqui bastantes anos, o desafio está fora de fronteiras. Nesta zona, a base de recrutamento está, no essencial, esgotada. Se juntarmos a isso [demografia] o factor de sucção das áreas metropolitanas, a UC tem muito pouca margem de crescimento em termos nacionais. Os politécnicos passam a vida a reivindicar isso do doutoramento, mas é apontar para o lado errado.

O problema do alojamento universitário não é recente, mas tem-se agravado, particularmente no Porto e Lisboa. Em Coimbra o aumento das rendas não é tão dramático, mas temos vindo a assistir a um aumento de residências privadas e isso terá um impacto no mercado imobiliário.

A UC é a universidade portuguesa que tem mais camas em residências, em valor absoluto. São 1300 camas para 23 mil estudantes, dos quais 70-80% são deslocados. Portanto, de facto, é absolutamente insuficiente.

A UC tem capacidade para alargar o número de camas a curto prazo?

A curto prazo não. Basicamente, não há dinheiro. A actual maternidade Daniel de Matos é um edifício da UC. Se eles saíssem de lá, o investimento que implicava adaptar o edifício que já está dividido em quartos a uma residência seria comportável para a UC. E quando vão sair? Sabe-se lá. Construir edifícios de raiz, ou comprar para este efeito, está fora do alcance da universidade.

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