Algoritmo português prevê quais os próximos países a legalizar cannabis
O algoritmo considera milhões de dados sobre o contexto religioso, político e económico de cada país, bem como debates nas redes sociais. No futuro, pode ser usado para avaliar a probabilidade de outras decisões políticas.
Uma consultora portuguesa, fundada por três professores da Universidade do Porto, criou um algoritmo que prevê quais os próximos países a legalizar a cannabis para uso medicinal ou recreativo. Baseia-se em técnicas de inteligência artificial que permitem analisar uma grande quantidade de dados automaticamente. No total, foram consideradas 98 variáveis distintas que incluem o contexto religioso, político e económico dos países, bem como a liberdade de imprensa, o índice de desenvolvimento humano e a popularidade de debates na Internet sobre a legalização da cannabis. Todos os dados vieram de bases de dados públicas.
“Também entrevistámos especialistas na área para perceber se os resultados do algoritmo faziam sentido. Por exemplo, médicos especialistas em oncologia que usam opióides no tratamento dos pacientes”, explica ao PÚBLICO Pedro Amorim, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que ajudou a fundar a LTPlabs, a empresa de consultoria por detrás do desenvolvimento do algoritmo.
Os resultados sobre a cannabis estão a bater certo. Este mês, o Governo do Luxemburgo falou em planos para se tornar o primeiro país na União Europeia a legalizar o uso recreativo da cannabis. O país estava no topo da lista do algoritmo, depois da Austrália e do Reino Unido. Portugal – que em Junho deste ano aprovou no Parlamento o recurso a cannabis para fins medicinais – surge em 13º lugar na lista. Já a Suécia surge como o próximo país pronto a legalizar a cannabis para fins medicinais.
“O resultado do nosso algoritmo é a probabilidade de legalização da cannabis, à data, em cada país considerado. Chegámos ao resultado ao comparar os indicadores desse país com os indicadores de outros países em que a cannabis já está disponível para fins medicinais ou recreativos”, acrescenta por sua vez Paulo Sousa, gestor da LTPlabs.
Este projecto veio da proposta de um cliente da empresa, na área da farmacêutica, interessado em perceber o mercado global de cannabis, que move dezenas de milhões de euros e está sujeito a fortes pressões regulatórias. Parte do trabalho da LTPlabs, criada em 2014, é ajudar empresas a tomar decisões: “Os algoritmos e técnicas de inteligência artificial permitem ‘mastigar’ grandes quantidades de dados para ajudar empresas a chegar a conclusões pertinentes”, explica Pedro Amorim.
Os países com maior probabilidade de legalizar a cannabis para fins medicinais, que incluem a Suécia, Irlanda e Espanha, tendem a apresentar uma liberdade legislativa elevada – “evidenciada pela legalização do casamento homossexual e pela adopção por casais do mesmo sexo em todos eles”, segundo um documento da LTPlabs sobre as principais semelhanças dos países no topo da lista. Um pluralismo político elevado e um elevado número de publicações sobre a legalização da cannabis em sites da Internet como o Reddit são outros elementos em comum nos países com maior probabilidade de legalizar a cannabis.
Desde meados do século XIX que há investigação científica sobre a planta Cannabis sativa e os seus efeitos no organismo. A utilização médica dos principais componentes, conhecidos por canabinóides, serve para aliviar sintomas de algumas doenças. Há vários estudos a apoiar a utilização em tratamentos para a dor crónica, rigidez muscular, falta de apetite, bem como náuseas induzidas pela quimioterapia. Porém, dada a existência de incertezas quanto à administração e dosagem correcta para cada problema, discute-se se o conhecimento científico na área é suficiente.
Em Dezembro deste ano, o Governo português aprovou o decreto-lei que “estabelece o quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta da cannabis, incluindo a sua prescrição e dispensa em farmácia.
O futuro do algoritmo
A equipa da LTPlabs demorou um mês a criar o algoritmo. O primeiro passo foi definir os indicadores que podiam ser úteis e perceber se era possível chegar a esses dados. “Queríamos incluir a percentagem de opióides a ser receitada por médicos. Mas eram dados que dificilmente iríamos conseguir porque nem sempre são públicos e, por isso, tiveram de ficar de fora”, admitiu Pedro Amorim. Outra limitação foi o pequeno número de países em que a cannabis já pode ser usada para fins recreativos. Apesar de ser legal para fins medicinais em 33 países em todo o mundo (a Tailândia foi o mais recente a juntar-se à lista, em Dezembro), a cannabis apenas é legal para fins recreativos no Uruguai e no Canadá. Nos EUA, há também alguns estados onde é possível usá-la para propósitos de prazer e diversão como o Alasca, a Califórnia e o Colorado (no total, o país autoriza a cannabis para fins recreativos em dez estados, e para fins medicinais em 33).
Pedro Amorim admite que gostava de ver os resultados do algoritmo para a cannabis publicados numa revista científica, mas ainda não foram dados passos nessa direcção. A equipa também vê muito potencial em adaptar o algoritmo a outras áreas. Os clientes da empresa incluem o grupo Super Bock, a loja online de moda de luxo Farfetch e a Sonae (proprietária do PÚBLICO).
“Pode ser utilizado para melhor perceber alguns temas fracturantes na sociedade como a questão da pena de morte”, diz Pedro Amorim. Já Paulo Sousa tem uma perspectiva mais económica: “É uma área muito interessante, em particular para agentes económicos. Há um conjunto de alterações políticas que podem ter grande impacto económico, e este tipo de ferramentas ajuda as empresas a perceber como o panorama pode mudar e para onde deve ir o foco.”