Deutsche Bank, o “elefante” alemão na sala dos mercados mundiais
As bolsas mundiais preparam-se para um final de ano atribulado, com o nervosismo provocado pelas últimas ameaças de Trump. Mas no meio das salas de mercados há um “elefante” que estragou o Natal a analistas e estrategas financeiros: a espiral do Deutsche Bank está cada vez mais insustentável.
O futuro do Deutsche Bank, o gigante alemão, que o FMI considera um risco sistémico para todo o sistema financeiro internacional, está a atrair as atenções dos investidores e dos analistas já preparados para partirem para as férias de Natal e do Ano Novo. Os sinais de “perigo” avolumaram-se na última semana, com a cotação a chegar a mínimos de sempre, 6,84 euros, depois de, a 4 de Janeiro, o título ter negociado a 16,33 euros, o valor máximo do ano.
Nas salas de mercado, a última semana ficou marcada por três grandes dossiês: as incertezas associadas ao “Brexit"; o peso crescente da China nas economias ocidentais; a actual situação do Deutsche Bank (DB). Em vésperas de Natal, as ameaças vindas dos Estados Unidos, com Donald Trump a dar sinais de que podia demitir o presidente da Reserva Federal por discordar das suas subidas de juros, e com o governo de Washington parado pelo Presidente norte-americano, acentuaram as quedas das bolsas. Em Wall Street, os mercados atingiram o valor mais baixo desde Maio de 2017, na Europa os índices continuaram a deslizar para aquele que se prepara para ser o pior ano desde a crise financeira de 2008. E, no meio desta tempestade, o gigante da banca mundial de bandeira alemã, continua a tremer perigosamente perto do valor mais baixo da sua longa história. A poucas horas da noite de Natal negociava nos 6,92 euros, a acompanhar os seus pares europeus nas desvalorizações de um ponto percentual.
Depois de a 2 de Novembro, ter ultrapassado os exames europeus de resistência do capital a cenários extremos, com um rácio de 13,5%, esta segunda-feira, dia 24 de Dezembro, continuava sem se saber como se comportou o Deutsche Bank nos testes de stress, os designados AQR, aqueles que incluem as avaliações a preços do momento, mark-to-market, do portefólio dos activos de risco (em full-in core Tier 1). Se chumbar no exame, isso acontecerá pelo terceiro ano consecutivo. E será caso para lançar os alarmes nas principais salas de mercado e nos gabinetes de Frankfurt e Berlim.
Queda em mercado de mais de 57%
Os investidores e os analistas nacionais e internacionais consultados pelo PÚBLICO, destacam que entre Janeiro de 2018 e a sexta-feira passada, o banco alemão caiu em mercado mais de 57%: acabando por encerrar a sessão de sexta-feira a negociar a 7,04 cêntimos, depois ter chegado a mínimos de sempre, 6,8 euros. Mas as preocupações não se esgotam no valor em bolsa.
Depois de em Setembro terem falhado as tentativas induzidas politicamente de fusão do Deutsche Bank (DB) com o Commerzbank (detido em 15% pelo Estado alemão), os sites de informação internacional deram nota de que as duas partes regressaram recentemente à mesa da negociação. E de novo sem que tenha havido, pelo que se sabe, entendimento.
Com a pressão a aumentar (a 28 de Junho soube-se que a unidade norte-americana do DB chumbou nos testes de resiliência efectuados pela Reserva Federal), não são de estranhar que entre o banco, as autoridades alemãs e o Banco Central Europeu (BCE) se tenham estabelecido múltiplos contactos, para encontrar uma solução que credibilize a instituição e apague os receios dos investidores que se voltaram a incendiar a semana passada, o que ficou à mostra quando o título caiu 11% e com volume de negócios acima do normal.
Os analistas ouvidos pelo PÚBLICO foram unânimes a sublinhar que os sinais de alerta os obrigam a manter, mesmo em férias, as antenas abertas à espera de que sejam dados passos. E coincidem numa observação: o ponto crítico deu-se no final da semana, quando, entre as 10h00 e as 11h00, a acção alemã colapsou até 6,85 cêntimos, e não chegou a recuperar totalmente, pois a sessão fechou a 7,4 cêntimos. Esta segunda-feira, já desvalorizou novamente a escassos cêntimos do mínimo histórico.
O “momento de aflição em bolsa” é atribuído a uma eventual conference call que decorreu na sexta-feira passada pelas 10h00 entre o BCE e o DB, encontro não confirmado publicamente. Mas que poderá estar relacionado com as avaliações mark-to-market dos activos problemáticos.
A agravar as nuvens negras no horizonte do banco alemão estão os investidores que apostam na queda das acções (shorts) e estão a aumentar a sua posição no capital do banco, um movimento que agrava a desvalorização do título, mas também serve de barómetro para o que se pode vir a passar. No passado, a actuação destes investidores precipitou a queda de alguns bancos em todo o mundo, obrigando por vezes os reguladores a travarem este tipo de actividade. Esta segunda-feira, as posições destes investidores já representavam 4,4% do capital total do DB, segundo dados revelados pela Bloomberg.
Com o capital disperso, e mais de 50% são accionistas de origem germânica (segundo o seu site oficial), o FMI considerou já o DB um dos grupos com maior risco sistémico para o sector financeiro internacional. Um banco que há pouco mais de dez anos, era uma instituição de retalho, e que acabou, na prática, por se assumir um banco de investimento global, o que faz com que qualquer decisão sobre o banco tenha uma forte componente política.
Um problema de reputação
Uma leitura mais atenta das dificuldades do DB não se resumem à evolução em mercado, pois a instituição acumulou uma sequência de eventos que lhe deram má reputação, pelas más decisões, por uma conduta da gestão duvidosa, e, aparentemente porque se esqueceu de manter vivo o seu sistema de controlo interno. Mas a sua situação delicada mostra outras coisas: a supervisão do poderoso Bundesbank falhou sucessivamente e a eficácia do Banco Central Europeu a enfrentar os problemas dos grandes grupos bancários europeus continua a ser reduzida.
A chanceler Angela Merkel foi sabendo dos problemas e empurrou sempre com a barriga para a frente. E é tudo isto que, em parte, explica a sucessão de incidentes polémicos que o DB protagoniza desde que se desencadeou a crise financeira de 2008. Logo nessa altura, ficou a saber-se que o balanço da instituição alemã estava inundado de subprime (dívida imobiliária sem garantias nos EUA) e de derivados complexos e problemáticos.
Em 2010, quando estala o escândalo da Libor (London Interbank Offered Rate), crime perpetuado entre 2005 e 2010, o Deutche Bank apareceu entre os bancos mais activos numa prática entretanto condenada pelos tribunais e que se traduziu no pagamento de multas pesadas.
No início de 2016, os processos judiciais por manipulação das taxas de juro Libor (taxa de juro de referência para o cálculo das taxas em mercado) e Euribor, atraem novamente as atenções pois os custos de litigância imputados ao DB pesavam substancialmente nas contas: 5,2 mil milhões de euros.
Em Fevereiro de 2016, em bolsa, o DB acumulava uma queda superior a 30% com as acções em mínimos históricos de 30 anos. Para recuperar a confiança dos mercados, avançou com um programa de recompra de obrigações no valor de mais de 4,7 mil milhões de euros.
Mas o que veio dar visibilidade às más práticas da gestão da instituição, que era tida como símbolo da solidez do sector bancário alemão, foi uma decisão histórica das autoridades norte-americanas que colocaram o capital do banco à míngua e a cotação do título a derrapar até 12,05 euros.
A 16 de Setembro de 2016, os EUA multaram o DB em 14 mil milhões de dólares, por venda de activos tóxicos antes e durante a crise, o que foi contestado em tribunal. E em Dezembro de 2016, a Justiça norte-americana desceu a multa para 7,2 mil milhões de dólares.
Depois de em 2015 o DB registar perdas de 6,8 mil milhões de euros, devido, nomeadamente, às provisões que constituiu para enfrentar custos judiciais, em 2016 fechou também em terreno fortemente negativo. Em Março de 2017, o grupo alemão aumentou o capital em oito mil milhões de euros (subscrição a 11,65 euros), acabando o exercício com prejuízos de 500 milhões.
A partir dali as atenções mantiveram-se centradas na “solidez” do gigante alemão, com o Banco Central Europeu a ser acusado de alterar pontualmente as regras para facilitar aos grandes bancos, como o Deutsche Bank e o Santander, melhorarem os rácios de capital.
Ainda em 2017, o DB foi apanhado em nova investigação do Departamento de Serviços Financeiros de Nova Iorque, agora, por violação da lei anti-lavagem de dinheiro, por permitir a compra e a venda de acções através do banco a favor de clientes russos. Os movimentos levaram ao desvio de 10 mil milhões de dólares.
As autoridades nova-iorquinas remataram: O DB “falhou inúmeras oportunidades para detectar, investigar e travar este esquema” fraudulento que foi mantido vivo “durante anos”. Em Julho de 2018, a conduta imprópria no negócio cambial do Deutsche Bank, entre 2007 e 2013, acabou numa multa de 177 milhões de euros.
No final de Novembro deste ano, o DB voltou a ser notícia ao ser alvo de buscas por parte da Polícia alemã de Frankfurt por suspeitas de branqueamento de capital (averiguações desencadeadas pelos Panama Papers.
Agora, depois de problemas bancários, contabilísticos e jurídicos, o futuro do DB dificilmente deixará de marcar o final de 2018 ou o arranque de 2019 como um problema político, para a Alemanha e para a Europa. Um elefante alemão no meio da sala de máquinas do euro.