Juízes “abrem a porta a decisões futuras” semelhantes sobre uso de imagens das redes sociais
A professora catedrática, Maria Eduarda Gonçalves, considera que “esta decisão judicial pode e deve criar jurisprudência” em casos que não digam respeito a figuras públicas.
Maria Eduarda Gonçalves é professora e investigadora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. Depois de ler a decisão, realça um dos aspectos que considera mais relevantes: "O Tribunal da Relação de Lisboa põe o dedo na ferida" ao sublinhar que uma informação "uma vez divulgada na Net" pode "causar uma lesão grave e irreparável na imagem da pessoa".
Esta é a primeira decisão judicial a restringir o uso de imagens de redes sociais pelos meios de comunicação social?
Uma condenação, como esta, de um meio de comunicação importante, envolvendo as redes sociais na Internet, parece-me ser a primeira. A lição que se pode tirar da doutrina emanada desta decisão é muito relevante e muito pedagógica: não se pode utilizar para outros fins a informação disponibilizada nas redes sociais para um fim [específico]. É muito generalizada a ideia de que quando uma pessoa revela factos da sua vida privada no Facebook ou noutras redes sociais, essa informação é pública. O Direito não o permite.
Representa um limite à liberdade de informar?
O Tribunal da Relação de Lisboa interpreta a situação, e muito bem, no sentido de que a liberdade de informação tem limites, não é uma liberdade absoluta. E quando a TVI defende que prosseguiu o interesse público ao contar a história da adopção das crianças, o tribunal diz que podiam ter feito a reportagem e informado a opinião pública sem necessariamente revelar a identidade do indivíduo.
O que diz a legislação?
A legislação não é clara. O tribunal vem dizer que o facto de alguém divulgar informação na sua página do Facebook não pode ser entendido como uma implícita autorização à divulgação, por outros, dessa mesma informação. É a orientação mais importante. Esta decisão judicial parece-me muito importante. Pode e deve criar jurisprudência.
Importante também no sentido de colmatar uma lacuna na legislação?
Sim. Aliás, a questão da divulgação de factos da vida privada num espaço público não é nova. O que está por clarificar e criará, com certeza, grandes dificuldades, prende-se com a realidade que é a Internet, por comparação com os meios de comunicação social. Na Internet, enquanto espaço completamente aberto, não há uma responsabilidade.
Há dificuldade de regular no sentido de obviar à difusão incontrolável de uma informação que é publicada na Internet. O próprio Tribunal da Relação de Lisboa, nesta decisão, põe o dedo na ferida ao sublinhar que a informação em causa, uma vez divulgada na Net, é susceptível de causar uma lesão grave e irreparável na imagem da pessoa. Hoje em dia, a justiça tende a considerar que é mais grave para os direitos das pessoas, a divulgação [de informação] na Net, dado o alcance que ela pode significar, e a dificuldade de [a] apagar.
Quando diz que pode e deve criar jurisprudência, é numa circunstância semelhante à desta pessoa?
Como este caso, pode haver inúmeros casos. Neste, foi um problema de adopção, mas já houve muitas informações relativas à vida privada das pessoas que são de molde, uma vez divulgadas, a criar discriminação ou a afectar a reputação da pessoa. Neste caso concreto, é uma lesão que causa aos sentimentos da pessoa. É mais um problema de ordem psicológica, um magoar individual que o tribunal valorizou.
Pode vir a influenciar decisões de outros tribunais?
Esta decisão abre a porta a decisões futuras na mesma linha de orientação do mesmo ou de outros tribunais. E nesse sentido, o teor desta decisão abre a porta a uma jurisprudência futura sobre esta matéria. Esta postura do tribunal também oferece aos utilizadores das redes sociais uma garantia de que mantêm uma certa liberdade de comunicação na rede mas os seus direitos estarão garantidos.
Considera válido algum dos argumentos apresentados pela TVI no recurso?
Eu tenho muita dificuldade em encontrar, nos argumentos da TVI, suficiente fundamento, a não ser o da missão de divulgar factos e situações que seja de interesse público conhecer. Mas este não é um argumento incondicional. A TVI não cumpriu um requisito fundamental nestas circunstâncias – a menos que se trate de pessoas públicas – que é o consentimento do próprio. Agora, num caso como este não há interesse nenhum da opinião pública em conhecer o nome e a cara da pessoa.